Platão
Em
meados do século IV AEC a Grécia oferecia ao saber do Mundo o labor de Platão e
o de seus discípulos que contribuíam poderosamente para o desenvolvimento da
Matemática, da Física, da Ética e da Política. Após esclarecer a natureza das
ciências que formam o currículo de um Filósofo – enquanto “amigo do saber” – ou
seja, a aritmética, a geometria, a astronomia e a música, o mestre Platão
demonstrou o quão necessário se fazia formar uma ciência que fosse superior a todas
essas, bem como às demais, pois, em suas palavras:
“Penso
que se o estudo de todas essas ciências que arrolamos foi feito de tal modo que
nos levou a entender os seus pontos comuns e o seu parentesco... (é hora de) percebermos as razões pelas
quais elas estão tão intimamente interligadas; (o) desenvolvimento (dessa compreensão) nos levará ao
objetivo que temos em mira e o nosso trabalho não será debalde; caso contrário,
será”.
Em
outros termos, alertava Platão que se investigações fossem feitas sem a preocupação
de lhes enxergar sob um ponto de vista maior, que integrasse os estudos em um
conjunto, o conhecimento auferido seria inútil por ser estanque. Mal
comparando, seria como se beltrano soubesse fazer tijolos e cicrano soubesse
fazer cimento, mas sem um saber que unisse essas duas habilidades não seria
possível construir abrigos. Cada um daqueles saberes seria inútil.
E
o instrumento para efetivar a necessária integração das ciências seria
justamente a “Ciência Superior” ou a “Metafísica*”, que abarcaria todos os
fundamentos das “ciências menores”. Seria, pois, a “Ciência das Ciências” na
qual Platão enxergava a Dialética como fundamental para criticar e joeirar as
hipóteses que embasam as diversas disciplinas, as quais, porém, não as podem
decifrá-las em profundidade por lhes faltar capacidade para tanto. Ou, “as que não ousam tocar porque não estão em
condições de explicá-las”, nas palavras do mestre. Coerentemente com sua
abrangência, o objeto de estudo da Metafísica seria o conjunto de temas estudados
pelas “ciências menores”, sendo o seu principio ou fundamento o balizador que
apontaria a validade e veracidade dos princípios ou fundamentos daqueles
estudos coadjuvantes.
Nota
do Autor – Metafísica* - chamou-se de Metafísica
a essa “Ciência Superior” porque na época a “Physica” era a ciência mais
importante e, então, como ela seria Superior à Física (meta = acima, além) o
nome adequou-se perfeitamente. Existem outras versões para a gênese do termo,
sendo a mais conhecida a que versa sobre a localização dos textos aristotélicos,
relativos a Metafísica, terem sido arquivados por Andrônico de Rodes no século
I AEC, discípulo de Aristóteles, após os textos relativos à física. Embora não
haja um consenso, a primeira versão é a mais aceita pelos estudiosos.
Aristóteles
Aristóteles
adotou a ideia da Metafísica chamando-a de “Filosofia Primeira” ou “Ciência que
estamos procurando” e esquematizou-a na forma de treze “problemas enumerados”
que apresentou no Livro III de sua obra, chamada justamente de “Metafísica”.
Esses
problemas abordaram direta ou indiretamente os seguintes tópicos:
1
– as relações entre as ciências e seus objetos, ou temas, de estudo.
2
– as relações entre as ciências e os princípios de seus temas.
3
– a possibilidade de existir uma “Ciência Maior” que estudasse todas as Causas,
todos os Princípios primeiros, todas as Substâncias ou Essências e seus
atributos e, ainda, as Substâncias não sensíveis (ie. não captáveis pelos Sentidos
[tato, visão, audição, paladar e olfato]).
4
– a questão das partes que formam todas as coisas.
5
– a possível diversidade de natureza entre os princípios.
6
– a unidade do Ser.
Etc.
São
tópicos, diga-se, que versam sobre assuntos que se situam no ponto de encontro,
ou de intersecção, entre as ciências individuais (a Física, a Química, a Oratória, a
Lógica etc.) e aquilo que seja de
interesse comum para elas.
Desse
modo, a Metafísica seria a “Ciência Primeira” por fornecer a todas as outras,
um fundamento ou uma base comum. Seria um tipo de “enciclopédia das ciências”; um
inventário de todas elas, bem como de suas relações, de suas subordinações, de
suas tarefas ou finalidades e de seus limites.
Porém,
com o correr do tempo, o conceito de Metafísica ampliou-se e passou a ser
apresentado em três formas principais, as quais serão desenvolvidas na
sequência.
1
– como Teologia
2
– como Ontologia
3
– como Gnosiologia.
Nota
do Autor – a conceituação que mais vigora atualmente é aquela
que define a Metafísica como “a ciência daquilo que está além da experiência
sensível, ou seja, além daquilo que pode ser captado pelos Sentidos (tato,
visão, audição, paladar e olfato) e racionalizados pelo Intelecto”. Esse fato
faz com que alguns autores, inclusive este escrevinhador, usem certa licença
literária e a utilizem como sinônimo de “sobrenatural” ou daquilo que está além
da matéria, do concreto, do físico etc. Todavia, para outros, essa definição é
incompleta, pois geralmente atem-se apenas à Metafísica teológica e a faz ser
subordinada à condição de estar além da experiência.
A
1ª concepção de Metafísica – teológica
O
conceito de “Metafísica Teológica”
provém da ideia de que o seu objeto é um “Ser”
mais elevado e perfeito que qualquer outro; ou seja, Deus, do qual se origina
todos os outros seres e coisas. Porém, na obra de Aristóteles o conceito
teológico mistura-se com o conceito “Ontológico”
que, como se sabe, refere-se “ao Ser, enquanto Ser”.
Afirma
o Estagiarita que o conhecimento de que existe algo eterno, imóvel, separado
das coisas é um conhecimento especial e que por isso deve estar em uma
categoria especial das Ciências Teoréticas e não na categoria que abriga a
Physica, nem na Matemática. Para ele, é imperioso que esse tipo de sabedoria
esteja em uma Ciência que seja superior às duas citadas, pois só a “Ciência
Primeira” será capaz de se ocupar das “coisas separadas, imóveis e eternas”.
Também
afirma que todas as Causas (ou as Ideias, no sentido platônico) são eternas e que as Causas das “coisas eternas, imóveis e separadas”
são especiais porque nelas está aquilo que de Deus podemos acessar. Segundo seu
ponto de vista, existem três Ciências Teoréticas: Matemática, Física e
Teologia, já que o divino está em todos os lugares, mas porque Deus é o objeto
de estudo mais elevado, apenas a ciência mais elevada será capaz de examiná-lo.
Afinal,
se existissem apenas as coisas físicas, concretas, a Física seria a ciência
mais elevada, mas como existem as Coisas Eternas, a sua Filosofia (no sentido de
estudo) haverá de ser a “Ciência Primeira” que, também, é a
mais universal ou abrangente, haja vista ser a teoria do “ser enquanto ser” sem
se limitar às qualidades e características individuais. Porque é a teoria
daquilo que o “Ser” é, ou faz com que seja.
Fica
claro que Aristóteles associa os conceitos de Metafísica ontológica com os
conceitos de Metafísica teológica porque pretendeu priorizar o “objeto Deus”, a
partir da consideração de que o divino tem prioridade sobre todas as outras
formas de Ser. Assim, as ciências
seriam mais ou menos valorizadas na medida em que os seus objetos de estudo
mais se aproximassem ou se afastassem da divindade.
Todavia,
esse critério, em verdade, já fora adotado por Platão que em Fedon afirmou:
“Privilegia-se a ciência
que tem por objeto aquilo que é ótimo e excelente (ou seja, a própria perfeição, ou Deus)”.
Contudo,
essa hierarquização segundo a maior ou menor perfeição do objeto de estudo
relegava as outras ciências a um nível de inferioridade que não contribuía para
validá-la, tampouco para dignificar o estudo que lhe fosse dedicado. Atento ao
fato, Aristóteles, a partir de certo momento, passou a insistir apenas no conceito
de Metafísica Ontológica, embora não renegasse o Teológico, o qual sempre
reaparece quando se afirma a correspondência entre um “Ser primeiro” e uma “Ciência primeira”.
Plotino, por exemplo, tratou a Metafísica como
eminentemente Teológica já que ela se contrapõe com as coisas que tem por
objeto de estudo o Inteligível (Deus)
ou a “Realidade Suprema”, às ciências que tem por objeto as coisas sensíveis (ie. captáveis
pelos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]). Em sua obra Enéades ele afirma:
“Entre
as ciências que estão na alma (ou na
mente) algumas tem por objeto as coisas sensíveis, se é que podem ser
chamadas ciências já que melhor lhes caberia o nome de opiniões... as outras,
as verdadeiras Ciências que tem por objeto o Inteligível, chegam à alma
provinda do Intelecto divino e nada tem de sensível”.
Também
em Spinoza encontra-se uma
Metafísica que divide a realidade em um domínio superior e privilegiado e
outro, inferior e derivado, como é característica da Metafísica Teológica. Para
o holandês, o objeto da Metafísica é a “ordem necessária” do Mundo (ou seja, Deus), já que para ele:
“A
ordem das coisas coincidia com a sua conexão causal”.
Em
outros termos, para ele todas as coisas do Mundo tem uma Causa que as faz
existir, e essa Causa é Deus, que se confunde com o próprio Mundo.
Também
se observa que Metafísica para Hegel apresenta
o viés teológico haja vista que ele afirma peremptoriamente que Deus é o seu
objeto (de
estudo, de reflexão). Disse:
“a
Filosofia tem objetos em comum com a religião porque o objeto de ambas é a
Verdade, no sentido altíssimo da palavra, porquanto Deus e somente Deus é a
Verdade”.
Desse
arrazoado depreende-se que a Filosofia pela igualdade com a religião em termos
de objeto (Deus,
a Verdade) reina soberana sobre
as outras ciências já que essas tem como objeto aquilo que é finito, irreal e
derivado; ao contrário da Filosofia que se ocupa da Verdade, do Infinito. Diz
Hegel, ainda, que igual à Filosofia as outras ciências tem conhecimentos e
pensamentos, mas esses são dirigidos para objetos do Mundo dos Fenômenos e o
conjunto de conhecimentos relativos aos mesmos está excluído da Filosofia por
não condizer com a mesma, tanto em termos de forma, quando de conteúdo.
Outra
versão de Metafísica Teológica é encontrada no sistema de Croce, não obstante suas declarações antimetafísicas. A sua Filosofia do Espírito que tem como
objeto a história eterna do “Espírito Universal”, comprova esse engajamento, já
que nela ele afirma que todas as outras ciências são rebaixadas à posição de simples
aparências, ou “acidentes empíricos” perante a “Realidade Sublime”, ou seja,
Deus.
Ainda
nessa senda, encontra-se no sistema de Bérgson
outra expressão da Metafísica Teológica, já que ele propõe o afastamento dos
símbolos para se entrar diretamente em contato com uma “Realidade Privilegiada”,
de natureza divina, que é a corrente da consciência. Em relação as outras
ciências ele as classifica como “simples auxiliar da ação”.
Por
fim, observe-se que todas as outras filosofias que tendem para o Espiritualismo (não
confundir com espiritismo) ou Mentalismo ou
Consciencialismo são em graus variados adeptos da tese que afirma ser a
Metafísica essencialmente teológica.
A
2ª Concepção de Metafísica – ontológica
A
segunda concepção fundamental de Metafísica é “Ontológica”; ou seja, vinculada
à doutrina que estuda os caracteres, ou as características fundamentais do Ser. As características que todo Ser possui e não pode deixar de ter.
Nessa
concepção destacam-se como principais propostas as seguintes:
1
– existem determinações “necessárias” do Ser;
isto é, determinações que de nenhuma forma ou maneira o Ser pode deixar de ter.
2
– estas determinações estão presentes em todas as formas e modos do ser
particulares (individuais).
3
– existem ciências que tem por objeto um modo de ser próprio, isolado, em razão
de motivos que lhes são cabíveis.
4
– deve existir uma ciência que tenha por objeto as determinações necessárias do
Ser, as quais são reconhecíveis em
razão de um Principio que lhe é adequado.
5
– essa ciência vem antes que todas as outras e por isso é chamada de “Ciência
Primeira”. E, também, porque o seu Objeto de estudo está implícito nos
“Objetos” de todas as outras ciências, condicionando com o seu Principio a
validade de todos os outros Princípios.
A
Metafísica que segue essas proposições indica a existência de:
1
– determinada teoria da “Essência”, mais precisamente da “Essência Necessária”.
2
– determinada teoria de “Ser Predicativo”, mais precisamente da inerência.
3
– determinada teoria do “Ser Existencial”, mais precisamente da “necessidade”.
Esses
conjuntos, segundo muitos, expressam a forma mais apurada que a Metafísica
recebeu de Aristóteles. É a Metafísica como a “Teoria da Substância ou
Essência”; ie., aquilo que um Ser não
pode (deixar) de ser, ou não
ser.A teoria da Essência Necessária ou a Necessidade de Ser.
A
Metafísica nesse sentido tem a contradição como Principio, pois só assim será
possível delimitar e reconhecer o Ser
substancial, ou a Essência do Ser. A
esse respeito Aristóteles disse:
Quem
nega esse Principio destroi a Substância e a Essência necessária, pois é
obrigado a dizer que tudo é acidental e que não existe algo como “ser homem” ou
“ser animal”.
Indicar
a Substância ou Essência de uma coisa nada mais é que indicar o “Ser (existir)” próprio dela. Assim sendo, o “Objeto” da
Metafísica Ontológica não pode deixar de ser a Essência ou a Substância, pois
através destas forma-se o Principio de explicação de todas as coisas
existentes. Para Aristóteles:
A
Substância de cada coisa é a Causa Primeira do Ser dessa coisa, ou, em outros
termos, a Essência de algo é o motivo de sua existência.
A
Substância, porém, não deve ser vista, nesse sentido, como uma “Realidade
Sublime” que dignifica a ciência que a tem como objeto de estudo, pois,
enquanto Substâncias, tanto Deus quanto um ramo de capim tem o mesmo valor e as
ciências que os tomam por objetos, a mesma dignidade. Em sua célebre obra “Partes dos Animais” Aristóteles
reconheceu explicitamente que todas as ciências que se ocupam da Essência ou
Substância tem a mesma relevância.
Nota
do Autor – note-se que “Deus” seria mais valorizado se aqui
a Metafísica fosse Teológica, mas como aqui os objetos têm os mesmos pesos já
que o que se estuda é o “Principio Primeiro” da existência, ou do Ser de ambos
a maior valorização é pelo Principio de cada qual.
Fica
claro, portanto, que desse ponto de vista a prioridade da Metafísica não está
na excelência “divina” do seu objeto como no caso da Metafísica teológica, mas
sim no fato do objeto de estudo ser a “Essência” ou a “Substância” da coisa, o
que permite entender os objetos de todas as ciências, tanto em seus aspectos comuns
e fundamentais a toda a classe a que pertence, quanto no seu aspecto
individual. Com isso, deduz-se que todas as ciências, em alguma medida e de
alguma forma, investigam, ao cabo, as Substâncias, pois mesmo que se limite aos
aspectos individuais, neles subjaz a sua Essência. A Metafísica enquanto Teoria
da “Substância Genuína” ocupa uma prioridade decorrente da lógica e não de um
suposto valor sobre as demais ciências, pois a sua prioridade decorre do fato
de seu objeto ser Ontológico, ie., ser a Essência. Essa prioridade leva as
outras ciências a sinalizarem a sua existência da mesma forma que as diversas
faces de uma Substância sinalizam a existência da mesma.
A
Metafísica Ontológica sofreu certo abalo no século XIII, Idade Média, quando São Tomas de Aquino reavaliou as ideias
de Aristóteles restringindo a superioridade lógica da Metafísica sob o
argumento de que ela, enquanto “Teoria da Substância (ou Essência)”, não
incluía Deus entre os seus objetos pelo simples fato Dele não ser uma
Substância como as outras, igual a dos outros Seres, as quais seriam apenas
“Criações divinas”.
Essa
postura de São Tomaz fez com que a Metafísica perdesse a prioridade em favor da
Teologia, considerada a partir de então como uma ciência independente, cujos
Princípios seriam ditados diretamente por Deus, fato que a tornava superior a
todas as outras que, então, não passariam auxiliares da mesma.
Todavia,
através de Duns Scot a Metafísica
voltou a ser vista como prioridade. Definiu-a o Filósofo como: “a Ciência
Primeira” do “Saber Primeiro”, isto é, o objeto de estudo da Metafísica é o “Ser Comum” ou a “Essência” das coisas
e/ou Seres. Comum, portanto, a todas as criaturas e ao seu Criador divino.
Note-se
que ao incluir Deus ao grupo geral, Scot reafirmou que a prioridade da
Metafísica é a Lógica e não mais a “Teologia”. E essa definição perdurou por
toda a história posterior, passando a partir do século XVII a ser chamada de Ontologia.
Inaugurou
essa nomenclatura, Jacobus Thomasius
em sua obra Schediasma Historicum e
desde então o termo ganhou admiradores e adeptos, dentre os quais Clauberg que o justificou do seguinte
modo:
Assim
como se chama de “Teosofia” ou “Teologia” a ciência que versa sobre Deus, não
parece impróprio que se chame de “Ontologia” ou “Ontosofia” a ciência que versa
sobre o “Ente” em geral e não sobre este ou aquele “ente” designado por um nome
especial ou distinto dos outros por certa propriedade (ou característica).
A
assunção dessa Metafísica Ontológica, ou simplesmente Ontologia, não
representou um antagonismo contra os dados da experiência (contra aquilo que
é perceptível). Na verdade, sob a sua
inspiração, começava a ser feita de forma organizada e sistemática a exposição
dos caracteres fundamentais (característica básicas) do Ser
que a experiência revela repetidamente.
E
essa maneira de pensar encontrou em Wolff
um ardoroso adepto, cujo talento e esforço contribuíram significativamente para
o sucesso que a disciplina ganhou após um breve tempo. Segundo ele, o
pensamento comum já possui de forma confusa as noções que a Ontologia expõe de
maneira clara e sistematizada, mas com isso não se pode supor que existe uma
“ontologia natural”, formada pelas noções desorganizadas, embora os
Escolásticos tenham afirmado que sim, chegando mesmo a tentar demonstrá-la.
Conforme
a sua ótica, essa “ontologia natural” diferencia-se da “Ontologia artificial (ou elaborada,
investigada, racionalizada)” da mesma forma
que a “Lógica” diferencia-se dos procedimentos naturais do intelecto. Assim, a
Metafísica não deve ser vista como se fosse um simples “Dicionário de
Filosofia”, mas, sim, uma Ciência Demonstrativa cujo objeto é formado por
características que pertencem a todos os Entes, seja de modo absoluto ou sob
certas condições. Ademais, graças ao seu empenho, a Metafísica Ontológica
passou a tratar também das questões empíricas* e com isso findou o antigo
conflito entre o apriorismo dedutivo da Metafísica e as experiências
sensoriais. Dessa sorte, baseado nessa nova formatação, o erudito também fez a
diferenciação entre a “Psicologia empírica”, na qual, a partir da experiência
são estabelecidos os Princípios que explicam as Causas do que pode acontecer na
mente (alma) humana e a “Psicologia Racional” que é a “Ciência
de todas as coisas possíveis na alma humana”.
Nota
do Autor – questões
empíricas*: os dados captados pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar
e olfato) e racionalizados pelo Intelecto.
E
Wolff foi além ao diferenciar a “Ontologia” das outras três disciplinas
Metafísicas, a saber: Teologia,
Psicologia e Física (especialmente na parte que trata da Cosmologia), cujos objetos são Deus, a Mente (alma) humana e as Coisas naturais, físicas, concretas.
Nessa última, voltando-se, claro, para as Substâncias ou Essências das mesmas.
Outro
aspecto interessante a ser destacado na Ontologia de Wolff vem do fato de que
ela poderia ser interpretada a partir de dados colhidos de forma empírica (ie. através do
que foi captado pelos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato] e
racionalizado pelo intelecto)
como é possível fazer nas outras ciências e essa aproximação com a realidade
física, concreta, rendeu-lhe o apoio e a defesa de outros estudiosos, dentre os
quais alguns próceres do Iluminismo
que, como se sabe, focava a Razão, a materialidade, a física. O Filósofo D’Alembert,
por exemplo, disse:
“Visto que todos os
Seres, tantos os espirituais (ou mentais)
quanto os materiais tem propriedades (características)
gerais em comum como a existência, a possibilidade, a duração etc. é certo que
esse ramo da Filosofia, a Ontologia, no qual todos os outros ramos haurem em
parte os seus Princípios, seja denominado Ontologia, ou seja, “Ciência do Ser”
ou ‘Metafísica Geral’”.
E
D´Alembert estendeu o seu apreço até ao ponto de propor a criação de outra
Metafísica, voltada mais para as Ciências Naturais que se encarrega das coisas
materiais, físicas. Sobre isso, disse:
“Que seja criada mais
para nós, que fique mais próxima e presa à Terra, uma Metafísica cujas
aplicações se estendam às Ciências Naturais e aos diversos ramos da Matemática.
De fato, em sentido estrito, não há ciência que não tenha a sua Metafísica se
com isso entendermos os Princípios Gerais sobre os quais se constrói
determinada doutrina, que são, por assim dizer, os germes de todas as verdades
particulares”.
Compartilharam
dessa opinião os Filósofos Crusius e
Lambert que iniciaram a defesa atual
de uma Ontologia descritiva, ou “denotativa”, que se limite a observar e a
registrar os traços da existência e que simultaneamente também leve em
consideração o instrumento dessa observação; ou seja, que considere a reflexão
humana e as condições que a solicitem.
A
3ª concepção de Metafísica – gnosiológica
A
terceira concepção recebe o nome de Gnosiologia, nomenclatura que ficou
conhecida através de Kant, embora Bacon já a tivesse ventilado quando
citou a noção de “Filosofia Primeira”, que ele definiu como:
“Uma ciência universal,
que seja a mãe de todas as outras e que, no progresso das doutrinas, constitua
a parte comum do caminho, antes que as sendas se separem e se desunam”.
Segundo
Bacon, essa Filosofia ou Ciência Primeira deveria ser o:
“receptáculo dos
axiomas que não pertençam às ciências particulares (ou individuais, como a
química, a física, a oratória etc.), mas sejam comuns a numerosas ciências”.
A história do conceito da Filosofia Primeira é
a história do Conceito Positivista da Filosofia, que tem em comum com o
conceito kantiano o fato de enfatizar os Princípios
e não os Objetos das ciências. Como
já se viu, para Kant, a Metafísica é o estudo dos Princípios Cognitivos (ou das possibilidades de saber), pois são eles que formam a Razão (a racionalidade) humana e, por isso, condicionam todo saber e toda
ciência. Examinando esses Princípios é possível chegar aos Princípios (ou fundamentos, ou
bases) gerais de cada
ciência.
Esse
conceito de Metafísica que Kant expos no final de sua obra “Crítica da Razão
Pura” também afirma que a Metafísica pode ser entendida de duas formas:
1
– como a segunda parte da Filosofia da Razão Pura (ou seja, do raciocínio que não
sofreu influências de experiências empíricas).
Como um Sistema da Razão Pura (ciência).
Como um conhecimento filosófico total (verdadeiro, absoluto e, também,
fenomenológico, aparente) que deriva
sistematicamente da Razão Pura (e, nesse caso, dela é retirada a parte preliminar
ou propedêutica da Filosofia da Razão Pura que é a Crítica, ou o estudo minucioso).
2
– como a Filosofia Total da Razão Pura, incluindo a Crítica. É nesse sentido
que Kant chamava a Metafísica de Ontologia.
A
Metafísica de Kant, a exemplo da “Cientifica” ou “Crítica (no sentido de
estudo minucioso, cientifico)”,
opunha-se à Metafísica dogmática tradicional, censurando-a nas três partes que
foram destacadas por Wolff: teologia, psicologia e cosmologia. Contudo, ele não
censurou a primeira parte, a Ontológica, já que o conceito básico da mesma
continuava válido, embora fosse necessário corrigir-lhe alterando o seu caráter
realista (concreto,
material) para um caráter
subjetivo.
Afinal,
segundo a sua concepção, fazem parte da Metafísica Crítica ou Ontológica a
Metafísica da Natureza e a dos Costumes (ie., dos comportamentos sociais,
morais e éticos), sendo que a da
Natureza abarca todos os princípios racionais puros (sem influência de qualquer
experiência empírica) decorrentes de
simples conceitos da ciência teórica de todas as coisas; enquanto que a de Costumes
compreende os “princípios que determinam a priori o (que) fazer e o (que) não fazer”. Uma “Moral Pura”, portanto.
Como
se observa, a Metafísica kantiana tem como característica principal o fato de
ser “uma ciência de conceitos puros”; ou seja, uma disciplina que engloba os
conhecimentos que podem ser obtidos independentemente das experiências
empíricas.
Pode-se
dizer que essa linha de pensamento teve continuidade na Filosofia contemporânea
com Husserl e a sua Fenomenologia, embora ele se diferencie
de Kant por não considerar os “Princípios muito gerais como constituintes da
Razão”. Na verdade, ele os considerava apenas como o fundamento, a base, de
certos campos do Saber ou de uma ciência especifica ou, ainda, de um conjunto
de ciências. Por isso, aliás, ele os chamou de “materiais”, conforme segue:
“Cada
objeto empírico (coisas físicas,
materiais) insere-se com a sua essência material em uma espécie material
superior, em uma ‘região’ de objetos empíricos”.
A
argumentação de Husserl leva-nos a concluir, ao cabo, que a Ontologia (a Metafísica
que se atem às essências) é apenas a
“Lógica* Pura”, haja vista ser a mesma a “ciência eidética do objeto em geral”,
ie., o estudo das essências do objetos, dos Seres,
das coisas etc.
Nota
do Autor - Lógica, no sentido de “Logos”, intelecto,
raciocínio.
N. Hartmann que compartilha com Husserl o pressuposto
fenomenológico reativou a “Ontologia Geral” argumentando que o seu objeto é o
“Ente (o
homem, a coisa)” e não o “Ser (o existir em
essência)”, pois este é apenas
aquilo que há em comum em cada Ente. Grosso modo, o Ser seria algo como o Principio Vital que existe em todos os seres.
Para
ele, o Ser e o Ente se diferenciam tal como a “Verdade” e o “Verdadeiro”, a
“Realidade” e o “Real” etc. E Hartmann prossegue sua argumentação afirmando que
existem muitas “coisas verdadeiras”, mas o Ser
da Verdade é um só; ou seja, é única a real existência e natureza de “todas as
verdades”. Igualmente, o “Ser” de todos os “Entes” é único, independente da
variedade de entes divididos em classes, espécies, reinos, formatos etc.
Essa
posição realista adotada pelo Pensador, a principio parece aproximá-lo da
postura de Wolff e doutros tradicionalistas, mas num segundo exame se percebe
que é significativo o seu distanciamento dos mesmos, pois para ele o que
constitui o objeto da Ontologia é o “modo”
como o Ser é captado durante a
experiência fenomenológica (o contato com a coisa que se fez aparente,
captável). E foi justamente essa
visão que inseriu a sua Ontologia na corrente chamada de Fenomenológica.
Corrente
Fenomenológica em que brilha Heidegger,
cuja tese afirma que o “sentido do Ser” só pode ser compreendido ao se
investigar o “Ser” do único “Ente” que faz perguntas e as responde: o homem.
Com isso, o Filósofo reafirmou o caráter primeiro da Ontologia ou Metafísica
dizendo:
“O
problema (o estudo) do Ser tende não só à determinação das
condições a priori da possibilidade das ciências que estudam o Ente enquanto Ente e que, portanto, ao fazê-lo sempre já se movem numa
compreensão do Ser, mas, também, à
determinação das condições de possibilidade da Ontologia ou Metafísica que
precedem e fundamentam as ciências ônticas (empíricas)”.
Em
outros termos, vemos que Heidegger alerta que o problema do Ser não se refere apenas ao Ente, mas ao Ser das “ciências menores”. Com esse argumento, de certo modo, ele
repõe a Metafísica em toda a sua plenitude, elevando-a do estudo da Ontologia
do Ente que imperou durante certo tempo, para o patamar de “Ciência das
Ciências”. De todas as ciências e não só daquela que estuda o Ente.
Epilogo
As
teorias até aqui comentadas admitem o pressuposto de que a Metafísica possui
duas características:
1
– Ser necessária.
2
– Ser primária.
Ser
“necessária” é decorrente do fato de seu objeto de estudo, de lida, ser o
“objeto necessário” de todas as outras ciências. Ser “primária” porque é o
fundamento, a base de todas as ciências. Contudo, tais atributos não chegaram à
contemporaneidade, pois embora a Metafísica mantenha-se presente e atuante da
Filosofia o seu foco foi alterado para as seguintes questões:
1
– a questão do significado ou dos significados de “existência” na linguagem das
diversas ciências.
2
– a questão referente ao relacionamento entre as diversas ciências e relativa
às investigações sobre objetos que incidem nos pontos onde essas ciências se
encontram.
Em
relação ao primeiro item observa-se que o termo “Ontologia” é usado no sentido
de haver um compromisso de se utilizar o verbo “Ser” e seus sinônimos em apenas
um sentido determinado. Aliás, sobre isso, o Filósofo Quine declarou:
“Nossa
aceitação de uma Ontologia é semelhante, a principio, à nossa aceitação de uma
teoria cientifica: adotamos, no mínimo, por sermos dotados de “Razão”, o
esquema conceitual mais simples no qual os fragmentos desorganizados da
experiência bruta possam ser adaptados ou distribuídos. Nossa Ontologia estará
determinada uma vez que tenhamos fixado o esquema conceitual total em que se
adapte a ciência em seu sentido mais amplo; as considerações que determinam a
construção racional de uma parte qualquer desse esquema conceitual (por exemplo, a parte biológica ou física)
não são diferentes, em termos de espécie, das considerações que determinam a
construção racional de todo o esquema”.
Em
outras palavras, Quine diz que atualmente dá-se o mesmo tratamento à Metafísica
que às teorias científicas comuns: racionalmente esquematizam-se os dados
colhidos na experiência e os adaptam à ciência, sendo que a Metafísica daquela
ciência estará completada quando o esquema amplo da mesma for fixado, usando-se
para tanto o principio de que a lida usada nas partes pode e deve ser usada
para a totalidade.
Nota
do Autor – segundo alguns estudiosos, nota-se no discurso de
QUINE quase que uma desmistificação da Metafísica. Certo “rebaixamento” de sua
importância. Mas é uma opinião que não condiz com a realidade, pois o que se vê
é que na atualidade a Metafísica desfruta da importância que sempre teve. Porém, o modo atual de encará-la segue o Racionalismo, talvez
cético, que impera nos dias de hoje e ela, então, passa a ser vista como
“apenas” mais uma ciência, não obstante o fato de ser superior às demais.
Carnap, aliás, endossa a opinião contida na nota acima e é
esse sentido que dá ao termo Ontologia na Lógica e na metodologia atual.
Em
relação à segunda questão, observa-se que atualmente a Metodologia substituiu a
Metafísica tradicional na função de discutir as relações entre as “ciências
menores” e as questões que provem das interferências marginais entre as mesmas.
É certo que ela não herdou a pretensão de ser uma espécie de “enciclopédia das
ciências” e que por isso tenha o condão de definir completamente as tarefas e
os limites de cada disciplina; e justamente por isso é que não reivindica o
poder de julgá-las, tampouco o de governá-las. Age mais como um organizador do
universo conceitual que favoreça a comunicação entre os saberes, mas sem
atentar contra a independência de cada qual. Com esse objetivo busca aparar as
arestas em cada etapa das pesquisas científicas, tanto para favorecer as
disciplinas quanto para aumentar os benefícios que elas possam gerar para o homem.
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