ZIZÈK, SLAVOJ
1949
As melhores análises
Marxistas são sempre analises de um fracasso.
Prefácio
Quando ZIZÈK disse a frase
em epígrafe referia-se à célebre “*Primavera
de Praga” argumentando que a partir da derrota, os Socialistas passaram a pregar que se
as reformas pretendidas
tivessem sido implantadas o resultado teria sido a concretização do “Paraíso Utópico” que sempre é pregado
pela Esquerda Política (sic). Segundo ele, é praxe que os Esquerdistas criem em
cima de seus fracassos os mitos que lhes permitem manter certa aura de “correção moral”, haja vista
que os impedimentos que lhes impedem o acesso ao Poder, deixam-nos na
confortável situação de críticos apenas.
Marxista dedicado, mas tão
independente que não se importa com as críticas, ZIZÈK incomoda não só Burguesia de Direita, mas também a ortodoxia da Esquerda. Importa-lhe apenas prosseguir
em sua laboriosa investigação sobre a natureza e as características do Poder Político, as
quais são obscurecidas pela eterna tentativa de se justificar a “Utopia Socialista”. E é
justamente contra essa tergiversação que ZIZÈK ergue a sua voz, insistindo na
necessidade de se resgatar a real
essência do Marxismo para com isso implantar e consolidar um Sistema
Político que acabe com a exploração do “homem pelo homem” e promova, tanto quanto
possível, a igualdade de oportunidades para todos.
*Primavera de Praga – o conjunto de ações
desencadeadas na ex Tchecoslováquia, em 1968, que visava o fim da dominação
soviética e a implantação de uma Democracia plena.
Notas biográficas
ZIZÈK nasceu em uma família
de classe média, ateia e razoavelmente culta. Seu pai trabalhava com Economia,
sua mãe com Contabilidade e foi o trabalho de ambos que lhe deu a oportunidade
de se dedicar inteiramente aos estudos. Na adolescência sonhou ser cineasta,
mas desistiu por não se achar capaz de ombrear com os grandes Diretores
europeus.
Assim, aos 17 anos de idade
decidiu mudar seu rumo e abraçou a Filosofia em definitivo. Em 1967 foi para a universidade
de Liubliana (anteriormente situada na
Iugoslávia e atualmente a Capital da Eslováquia), onde se
Doutorou em Filosofia e em Sociologia. Posteriormente, estudou Psicanálise na universidade
de Paris, França, e ali conviveu com
vários eruditos importantes, dentre os quais FRANÇOIS REGNAULT e ALAIN MILLER, que era genro do notável JACQUES LACAN que foi
a grande influência em seu ideário.
Atualmente é professor da European Graduate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. Também é
um “Critico Cultural” de enorme prestigio
e “Professor Visitante” em várias universidades estadunidenses, entre as quais
as universidades de Colúmbia,
Princeton, a New Scholl for Social Research de New York e Michigan.
Os vários ideários
Embora as atenções de ZIZÉK
privilegiem a Filosofia Política e Social, ele também é renomado pela abordagem
de temas inusuais na filosofia ortodoxa, como, por exemplo, o Cinema de HITCHCOCK e de DAVI LYNCH, ou o Fundamentalismo e a (in) Tolerância, a Correção Política e a Individualidade
nos tempos atuais, além de mais alguns outros assuntos infrequentes.
Jocosamente, aliás, ele é
chamado de “Elvis Presley da Filosofia”,
em virtude de sua irreverência ao tratar de assuntos que normalmente são
discutidos com sisudez e solenidade e de imprimir em seu trabalho um bom humor
e uma vibração quase juvenis, deixando-o livre da pernóstica diferenciação
entre as chamadas “Alta e Baixa Cultura”.
Contudo, a sua falta de
cerimônia não diminui a seriedade de seu raciocínio como veremos adiante, ao
detalharmos seus posicionamentos ante as questões filosóficas de se ocupa.
As influências recebidas
Uma das primeiras
influências que ZIZÈK recebeu foi a do Filósofo Marxista esloveno BOZIDAR DEBENJAK que o
iniciou no “Idealismo Alemão”;
caminho que ele trilhou com mais profundidade através da chamada “Escola de Frankfurt”.
Idealismo – Corrente Filosófica que prega a tese de que tudo
está contido nas Ideias, no Pensamento. Aos interessados, recomendamos a obra
de nossa autoria: Filosofia sem Mistérios -
Dicionário Sintético – Ed. Seven System,
Biblioteca 24x7.
E foi como aluno em um dos cursos
de DEBENJAK que ele iniciou seus estudos sobre “O Capital”
de KARL
MARX e sobre a “Fenomenologia do Espírito”, de HEGEL. Esses
estudos influenciaram decisivamente o seu pensamento, o qual começou a se
tornar público em 1979 através dos livros que ele passou a publicar.
Neles e noutros textos,
ZIZÈK examina as teorias hegelianas
e marxistas a partir de um ponto de vista fundamentado nas
concepções psicanalíticas de JACQUES LACAN, cujas teses são utilizadas com frequência como
instrumento para uma nova leitura sobre a “Cultura Popular” e como suporte para outras análises
filosóficas. Aliás, essas mesmas “teses lacanianas” também lhe serviram como
base para as interpretações que fez das teorias de LOUIS ALTHUSSER e SIGMUND FREUD.
E essa nova visão sobre as
obras de MARX e de HEGEL,
dentre outros, incrementou as investigações sobre o pensamento
de ambos, pois, pela primeira vez, foram investigadas as motivações psíquicas
que contribuíram e/ou determinaram a formação de seus sistemas filosóficos.
O Sublime
Objeto da Ideologia
Após o lançamento de “O Sublime Objeto da Ideologia”,
seu primeiro livro escrito em inglês, lançado em 1989, ZIZÉK passou a
somar ao prestigio que já gozava junto à intelectualidade a notoriedade pública,
passando a ser considerado um dos mais influentes “teóricos contemporâneos”.
Na obra, bem como no
restante de seu ideário, seu trabalho transita entre “O Sujeito” de DESCARTES e o já
citado “Idealismo Alemão”,
particularmente com as Ideias de HEGEL, KANT e SCHELLING.
Permeando essa diversidade,
ele reafirma o seu Ateísmo enquanto tece teorias que contrariam as
análises filosóficas tradicionais. Aliás, por sua aversão às mesmas e à mediocridade
do chamado “Politicamente
Correto”, ele não perde oportunidade para expor seus
argumentos que geralmente causam várias polêmicas entre a Intelectualidade e,
principalmente, entre os “pseudos
intelectuais” de pífia cultura.
Para ele, precisamos de uma
nova e diferente Ideologia (enquanto Sistema de Pensamentos organizados e interligados) para
entendermos e corrigirmos a Política atual. Urge abandonarmos a hipocrisia e
nos dedicarmos ao estudo profundo e sério das questões que envolvem o homem,
não apenas no aspecto filosófico, mas também no aspecto prático.
O Real
Para ZIZÈK, o
conceito “O Real”
é bastante enigmático e não deve ser equiparado ao conceito relativo à realidade física já que esta é
construída simbólicamente; ou seja, o que nós captamos através dos Sentidos (tato,
visão, audição, paladar e olfato) e pensamos ser “Realidade” não passa de um conjunto de símbolos (palavras, sinais etc.) criados arbitrariamente
pelo homem.
O “Real”, segundo ele, pode ser
pensado como um “núcleo”
impossível de ser simbolizado, já que não se consegue expressá-lo por palavras,
ou outros símbolos, ou sinais. O “Real”
não tem existência positiva, ou
concreta, porque não se pode captá-lo empiricamente* e, portanto,
só existe como “Abstração”,
como uma imagem em nossa mente.
NOTA do AUTOR – empiricamente* – o conhecimento que se adquire através das sensações captadas pelos
Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).
Contudo, o fato de só
existir como “Abstração” não
significa que seja externo ou alheio à realidade humana. Ao contrário, ele é o núcleo, a essência, a alma da mesma. E
mesmo sendo inalcançável racionalmente, dele sabemos por irromper entre os
furos da “malha simbólica”
quando se mostra nas ocasiões que nos parecem fictícias, como nos sonhos e na
realidade virtual. Nessas situações, permite-nos saber de sua existência
e da “outra dimensão de cada coisa”.
Durante os sonhos é quando mais próximos
chegamos do verdadeiro “Real”, haja vista que então o que predomina é o
inconsciente livre das censuras da Razão. Já no caso da “Realidade Virtual” acontece a
oportunidade de nos manifestarmos sem a pressão das regras simbólicas e sociais,
permitindo, por exemplo, que um indivíduo comum e tímido possa “ser” uma
mulher sensual, em um “game” qualquer.
O Simbólico
Para ZIZÈK, o “Simbólico”
é fruto direto da Linguagem. A
partir do momento em que o indivíduo se apossa das primeiras palavras, o mundo
passa a lhe chegar por intermédio dos Símbolos ele capta através dos Sentidos (tato, visão, audição,
paladar e olfato). E é através desses Símbolos, principalmente
as palavras, que ele constrói a sua realidade. Isso resulta em situações
como a do exemplo que segue:
Um homem só é Rei, porque
outros homens dizem que sim. Porque se comportam como seus súditos.
Nada que seja natural o
levaria a esse cargo. Mesmo que usurpasse o Poder pela força ou por artimanha
inidônea ele não seria um “Rei”,
tornando-se, quando muito, um Tirano bem sucedido.
Vê-se, portanto, que todo o
arcabouço Social, Político, Afetivo etc. que compõe, ou formam, a “realidade humana” é uma mera construção
dos homens. Por isso, pode-se dizer que a Realidade é Simbólica.
Imaginário.
Para ZIZÈK, o “Imaginário” é muito semelhante ao “Simbólico”, mas dele difere porque
aquele se relaciona com as leis, as regras e com os comportamentos sociais que
formatam a realidade, enquanto ele se liga à questão da imagem visual, sonora ou olfativa que o homem consegue
formar no intimo de sua mente, conforme o exemplo a seguir: ao ouvir, ou ler a palavra
“Gerânio” eu posso “sentir” o seu perfume e “tocar” as suas pétalas.
Alguns outros Conceitos
segundo ZIZÈK
Significante Vazio – aqui, ZIZÈK alude
aos Signos, ou Símbolos cujo Significado deixa de ter a importância original graças às
repetições banalizantes e inadequadas que são feitas do Significante. Veja-se o seguinte exemplo:
Os acordes de 9ª Sinfonia de BEETHOVEN são executados em qualquer
cerimônia sem importância apenas para torná-la “maior”, mas o Significado inteiro
da Obra não se adéqua a tal uso, a A tal Significante.
Auseinandersetzung – termo que remonta a HEIDEGGER e que
ZIZÈK utiliza para exprimir a necessidade de a Europa repensar a si mesma.
Tanto em relação ao Passado, quanto em relação ao Presente. E, ainda, em
relação ao avanço da China e da Globalização liderada pelos EUA. Essa
conjuntura, a seu ver, impõe a adoção de novas posturas quanto aos aspectos que
nortearam a sociedade europeia nos últimos séculos, dentro os quais a questão
do “Estado de Bem Estar Social”.
Para ele, a pior opção seria tentar criar uma “síntese entre essas duas forças (China e Globalização)” e com
isso supor que se estaria criando um “um
rosto europeu”, pois disso só resultaria uma nova maneira de se isolar
do Mundo.
Censura Liberal – para o Filósofo, só dizemos que “somos livres” porque não temos
em nosso vocabulário palavras que sejam capazes de expressar a nossa efetiva “falta de Liberdade”. Dizemos-nos
livres apenas por uma deficiência de Linguagem. Ele alega que vocábulos, nomes,
ou conceitos, como “guerra ao
terrorismo”, “liberdade e
democracia”, “direitos humanos”
etc. são falaciosos e só mistificam o que pensamos da situação, enquanto nos
impedem de fazer uma reflexão profunda e honesta sobre a Liberdade,
propriamente dita. Para ele, “somos
livres para escolher... (mas)
desde que façamos a escolha que agrade às convenções e às regras da
sociedade”.
As escolhas - a poucos Homens sobrevém a dúvida: “o que é a escolha certa?”. E isto acontece
porque a maioria vive apenas as circunstâncias de seu cotidiano e, também,
porque ninguém tem uma resposta conclusiva, absoluta. Dessa forma, o homem
resigna-se a seguir a opinião dos demais, contentando-se em supor que a “opção correta” é aquela que “dizem ser”. Aquela, que se torna a
opção da maioria. Age,
portanto, apenas por indução, já que a sua ignorância ou o seu comodismo/covardia
não lhe permite alternativas.
A escolha entre Democracia ou Tirania – dentro
do contexto citado na nota anterior, é comum que nos peçam para escolher entre “Democracia, ou Tirania” esperando
que a previsível opção pela primeira se confirme, já que a segunda é execrada
pela “elite intelectual possível”,
que a transmite ao populacho, o qual, aliás, padece em ambas, sendo-lhe,
portanto, indiferente o Regime que o governa. Porém, ainda que se considere que
a Tirania seja nociva de fato resta outro problema, pois não é difícil ver que
nos acomodamos a um modelo de Democracia, sem que exista qualquer esforço sério para aprimorá-la, evitando que
se torne tão malévola quanto a Ditadura. Dessa sorte, cabe novamente a indagação: somos livres realmente?
A Paixão pelo Real – Como afirmou JACQUES LACAN, essa “paixão”
é a ânsia subconsciente de chegarmos à “Essência
das coisas”, “à Essência da vida”.
É a vontade imperativa de despojar a realidade física de suas camadas
ilusórias. É a busca pela autenticidade que apenas no “Real” pode existir. No Ocidente, o frenesi do cotidiano
não dissimula totalmente a monotonia do “Capitalismo Global” e passamos a
sentir a necessidade de haver um “evento”
que sacuda a nossa rotina, a nossa inércia e nos aproxime de “alguma essência”, de “algo real”. Segundo
ZIZÈK, talvez, o “terror fundamentalista”
acabe sendo esse “algo real”, não obstante seu aspecto negativo. Talvez ele tenha
a desejada serventia de nos acordar do topor que o condicionamento ideológico
nos causou. Por isso, aliás, é que eventos
macabros acabam sendo “desejados”
como se fossem instrumentos capazes de romper as ilusões que nos impedem
de chegar “à essência das coisas e da
vida”. Nesse contexto, a derrubada do WTC* pode ser vista como a apoteose dessa querência por um “acontecimento” que abale as
estruturas e nos permite chegar “a alma
das coisas”.
*WTC – World Trade Center, derrubado em 11 de Setembro de
2001, em Nova Iorque, por aviões comerciais pilotados por terroristas muçulmanos.
Cutters – são os indivíduos que se automutilam com o objetivo
de “viverem seu ego profundamente”
e combaterem a angústia de se imaginarem “não
existentes”. Ao ferirem o corpo querem “comprovar” a própria
existência efetiva, bem como a da “alma
ou essência” que os animam. Diferem daqueles que se tatuam, porque a sua
motivação é mais profunda e intima. Geralmente o motivo dos “tatuados” se situa mais em certo modismo passageiro, ou na tentativa de
agradar determinado grupo social.
Multiculturalismo Liberal e Tolerante –
segundo ZIZÈK é o Sistema Político que pretende tornar-se hegemônico e cuja
característica principal é a busca por uma “Política sem Política”; ou seja, propõe que o governo da
sociedade seja entregue para Tecnocratas especializados em Administração, sem
haver a menor participação política do povo. Alguns estudiosos traçam uma
analogia dessa proposta com aquilo que já se observa em algumas outras áreas e
que consiste em oferecer um produto, ou um serviço, despido de sua Essência,
ou, no mínimo, de algumas de suas características que supostamente seriam
nocivas, tais como, “café sem cafeína”,
“cerveja sem álcool”, “gorduras sem colesterol” etc. É a
chamada “dessubstancialização”.
Para alguns, o maior defeito de tal sistemática está na sua apologia a uma
condescendência exagerada ao Outro,
o que, ao cabo, poderia causar o fim de toda regra e de todo parâmetro e de
toda referência a serem seguidos.
Desrealização – é a tentativa de subtrair da Realidade a sua Substância,
ou Essência. Conforme ZIZÉK, a quase ausência de imagens das vitimas no WTC e as muitas cenas que mostram as vitimas
mutiladas, degoladas, decapitadas nas chacinas ocorridas no 3º Mundo tem a intenção de “desrealizar” a realidade;
isto é, alterar a essência do fato real, concreto, para incutir no espectador a
ideia de que a crueldade, a selvageria, o terrorismo “estão além de nossa casa”. Ao procederem dessa forma, as
“Potências Capitalistas e Consumistas” pretendem dessensibilizar quem assiste a
tais imagens bizarras e reforçar-lhe a convicção de que aquilo está muito longe
de seu mundo. Transformam a crua e dura rotina em espetáculo e com essa “distração”
evitam que o indivíduo tenha contato com a essência da vida real, preservando-o como um simples títere das Elites.
A Travessia do Fantasma – geralmente se acredita que a função da Psicanálise
é libertar-nos de nossos “fantasmas”,
permitindo que convivamos com a realidade o mais harmoniosamente possível.
Porém, ZIZÈK evoca JACQUES LACAN e afirma
que essa é uma suposição equivocada. Para o Psicanalista LACAN, em
nosso cotidiano encontramo-nos imersos em uma realidade que é formada justamente
pelo “fantasma” que nos domina.
Afinal, os nossos traumas originam-se de fatos concretos como o trauma de quem
foi assaltado, por exemplo. Assim
sendo, tudo que fazemos segue as imposições desses “fantasmas”. Se, por
exemplo, o “meu fantasma”
leva-me a ser excessivamente tímido, o meu cotidiano obedece a essa imposição,
por mais que este excesso atrapalhe o meu trabalho, as minhas relações sociais
etc. Porém, essa imersão não é total, pois uma parte da nossa Psique resiste e,
segundo LACAN, este é o problema. Por isso é que se deve anular
essa parte resistente por mais estranho e paradoxal que isso possa parecer.
Para ele, a expressão “atravessar o
fantasma” significa que ao invés de negá-lo, devemos nos identificar com
o mesmo e abdicarmos daquela resistência que nos impedia o mergulho total. A partir
daí, passaremos a distinguir claramente a realidade e a ficção que envolve o
nosso “trauma, ou fantasma” e,
num segundo momento, passaremos a distinguir naquilo que aprendemos ser a ficção,
o “núcleo da Realidade Ficcional”.
Compreendido esse “núcleo” automaticamente o tornamos absolutamente fictício e,
portanto, inofensivo. Na sequência será necessário que compreendamos que uma
parte da realidade tem a sua função alterada pelo “fantasma”, mas que essa parte não passa de uma tola fantasia
e que por isso é passível de ser combatida e exterminada. Todavia, ZIZÈK alerta
que todo esse processo é particularmente difícil, pois a própria exposição do fantasma, que pode acontecer através do
simples ato de se falar do mesmo com o terapeuta, pode ser tão
traumática que não é raro que o assunto seja evitado impedindo que a cura aconteça.
Nesses casos, observa-se que o problema é exposto de outras formas, como se
pode assistir, por exemplo, no filme “A Professora de Piano*”, onde a protagonista não consegue
verbalizar o que ela classifica de “suas
perversões sexuais” e as escreve para que um de seus alunos as realize.
Apenas pela escrita, que lhe parece ser uma forma indireta, ela consegue expor
o “fantasma”, que ocupa
o núcleo do seu Ser.
NOTA do
AUTOR
- *A Professora de Piano (La Pianiste) – filme de 2.000, Franco-austríaco.
Direção de Michael Haneke, com Isabelle Hupert, como protagonista.
Fetichismo – o Filósofo Político KARL MARX afirmou
que o prazer do Fetichismo estava na posse
física do objeto, bem como na materialidade do mesmo. Mas, segundo ZIZÈK, na
atualidade o Fetichismo atinge seu auge na imaterial “Realidade Virtual”. Objetos do desejo como, por exemplo, “milhões
Euros”, estão mais nessa “imaginária realidade
virtual” que no cotidiano físico, concreto. O Fetichismo da “posse material” cedeu seu
lugar ao da “posse virtual”
e é por isso que softwares como o “Second Life”, que permitem ao indivíduo viver segundo seus desejos, se
tornaram o local em que o “prazer de
possuir” acontece. Há quem se gabe, por exemplo, de ter “amantes virtuais belíssimas (os)” e/ou
“milhões de amigos” nas Redes
Sociais e noutras fantasias. Tentam compensar suas carências reais,
concretas, físicas vivendo nesse mundo imaginário. O Fetichismo conseguiu se adaptar aos
novos tempos e até crescer, haja vista que já não existem mais as barreiras
físicas que antes o inibiam. Porém, é de se perguntar se esta ilusão,
com o correr do tempo, não poderá ocasionar um processo irreversível de alienação
no indivíduo, com consequências que ainda não se sabe mensurar?
Choque de Civilizações – segundo ZIZÈK, tal confronto inexiste. O que acontece realmente é que
as guerras são motivadas exclusivamente pelo “Capitalismo Global”. Para ele, é
pura tolice acreditar na falaciosa “ameaça do Fundamentalismo Islâmico” às “Sociedades
Liberais Ocidentais (sic)”, pois os reais motivos dos conflitos são os
interesses geopolíticos, comerciais e financeiros dos EUA e da Europa (essa, em menor escala). Os choques que
se alastram por todas as regiões atestam que os países priorizam a Economia em
detrimento da Democracia e que as outras supostas motivações não passam de espúrias
manipulações do sentimento patriótico do povo, que, ao cabo, suportam os custos
de cada conflito.
Não quero saber – porque “saber” traz responsabilidades e, por
consequência, infelicidade. Apoiando-se na tese de LACAN, ZIZÉK ecoa a sua afirmativa de que esta é atitude comum do homem
ante o “Conhecimento”.
É como se houvesse uma resistência natural à ideia de se ter mais sabedoria sobre
algum fato especifico, ou sobre o geral. Consequentemente qualquer progresso só
é obtido após um penoso combate contra essa propensão que domina o homem comum,
pois é obvio que tal característica não se aplica aos indivíduos que se
destacam da maioria.
Crentes pós Modernos – para o homem sempre foi difícil aceitar que a sua
vida não esteja vinculada a uma “Dimensão
Superior”, que ele não tenha uma “Missão Nobre e Elevada” e que a sua existência seja
apenas um mero processo mecânico de reprodução, deflagrado pela busca do prazer
físico, efêmero e mundano. Contudo, nos dias atuais, afirmações desse quilate
são vistas com mais simpatia, haja vista a predominância do Materialismo e do Hedonismo nos corações e mentes.
Ademais, o “Politicamente
Correto” impõe a seus adeptos e/ou admiradores a exigência de
exercitarem a hipocrisia de dizerem que aceitam sem qualquer dificuldade o fato
de serem apenas “máquinas físicas”. Afinal, o atual sonho dominante da humanidade
é levar uma vida prazerosa e não
uma vida ascética, penosa, laboriosa e voltada a um “Bem Maior”. Todavia, para além
dos modismos, sabe-se que a verdade é bem diferente, por trás das máscaras que
a sociedade impõe ao populacho, via publicidade e lavagens cerebrais televisivas.
Também por sua natureza, o homem aspira ser algo que esteja além de uma simples
combinação química. Anseia ter um papel que o diferencie das outras criaturas
com quem divide o Planeta e é justamente por isso que ainda triunfa sobre a hipocrisia
e exerce alguns papeis simbólicos voltados para os “Grandes Objetivos”, mesmo desconfiando
da validade desses papeis. O papel de “Pai”, por exemplo, ainda é representado com alguma
cerimônia, mas também com certa irreverência e com questionamentos constantes. Assume-se
o “Papel de Pai”,
mas só se desempenha essa representação simbólica com inúmeras autocríticas e
comentários negativos acerca da estupidez dessa convenção. Autocríticas e
comentários, diga-se, que não se sabe se são genuínos ou se servem apenas para
o indivíduo compor a sua imagem de “homem atual”. Noutros campos não são raras
as anedotas e o hábito de se caçoar das antigas crenças, tanto as religiosas,
quanto as sociais e são esses trocistas que ZIZÉK chama de os “novos crentes”. Continuam
a praticar as antigas tradições (provavelmente por
incapacidade de criarem as novas, ou por simples comodismo), mas sem
lhes dar o devido crédito e a devida reverência.
Felicidade – definir o que seja a “Felicidade” é uma preocupação da Filosofia
desde os seus primórdios. E se pode afirmar que graças à relatividade de tudo,
a natureza da mesma, provavelmente, nunca será definitivamente compreendida. Para
ZIZÈK é necessário que três condições fundamentais sejam reunidas para que a Felicidade,
ou a sua maior aproximação, aconteça. São elas:
1. Haver bens materiais apenas em quantidade
que não satisfaça plenamente as necessidades, evitando-se, assim, que o excesso
de consumo gere insatisfação. Ademais, por vezes, a penúria é a melhor mestra
para o aproveitamento dos recursos.
2. Existir
sempre a possibilidade de se colocar a responsabilidade sobre o mal nos ombros
de outrem, para que a culpa pelos fiascos seja sempre do Outro. É claro que tal
atitude contrária a moral burguesa, mas na verdade é o desejo de praticamente todos.
3. Haver um
lugar, real, físico, ou imaginário com o qual se possa sonhar.
Ironicamente, ou não, ZIZÈK diz que
essas condições estavam presentes em sua Tchecolosváquia natal nos anos de
1970. No caso de ser uma ironia, fica clara a sua critica ao Regime Político da
época. Na segunda alternativa, pode-se vislumbrar certo lirismo no Filósofo ao
associar a felicidade com a sua juventude, com o seu Passado. Aliás, para quase
todos os homens, a Felicidade está mais no pretérito do que no futuro, pois o
passado pode ser moldado segundo as conveniências do individuo e por isso não é
raro que as lembranças sejam manipuladas para torná-las mais agradáveis. Já com
o futuro o mesmo não ocorre devido a sua natural indefinição. ZIZÈK também
aceita a tese de LACAN que define a Felicidade
como a desnecessidade do individuo ter que se confrontar com as consequências
de seus desejos.
Coragem Ética – para ZIZÈK, atualmente, precisamos sobretudo desse tipo de coragem, já que é a
sua ausência o que mais se observa no meio intelectual europeu e estadunidense.
Para se justificarem os sábios citados contra argumentam que tal forma de coragem
era a que os Nazistas tinham, com os resultados que se sabe. ZIZÈK rebate
dizendo que não é repugnante o fato de os Nazistas terem assumido uma posição, mas sim o fato da mesma ter
resultado no genocídio praticado contra homossexuais, ciganos, inválidos e
judeus. Segundo ele, é errado pensar que ao assumir certo posicionamento o
indivíduo saiba que o mesmo é equivocado. Ao contrário, o sujeito que se coloca
ao lado de uma “Corrente de Opinião”
julga que ela é correta e é
precisamente por isso que o erro não está em assumir uma posição, mas no eventual
desvirtuamento da mesma. De todo modo, é imperioso que a tibieza seja vencida
e a verdadeira “Coragem Ética”
de que tanto se necessita nos tempos atuais seja exercida plenamente. Que não
se tema a decisão de assumir determinados comprometimentos, mesmo que esses
colidam contra uma suposta “liberdade”
de uma minoria. Que não se tema ir contra a corrente “politicamente correta” de se ofertar tolerância excessiva
contra a quebra de todos os paradigmas e valores superiores em nome da “expressão individual”. E, acima de
tudo, que se usem os meios necessários para defender os valores da humanidade
contra todos aqueles que querem fazê-la soçobrar.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, rien limitée, do Rio de Janeiro na Primavera de 2013.
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