quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Às Quartas

Que eu vença
essas vagas ensandecidas
e te saiba
nas Auroras amanhecidas.

Que eu me abrigue
da nuvem escurecida
e me farte de vida
na Santa Ceia repetida.

Que eu galope
o branco cavalo
da liberdade;
e que nunca
seja tarde
para encontrar
a metade perdida
que se foi indevida.

E que meu verso
sempre jorre,
qual fonte donde escorre
a vontade que me percorre.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - HEIDEGGER (Martin) e o DASEIN

Heidegger foi um dos filósofos mais importantes do século XX. Sua tentativa de analisar o que significa ser humano, ou existir como humano, e sua diferenciação entre Vida Autêntica ou Vida Inautêntica inspirou filósofos como Sartre, Gadamer, Levinas e contribuiu grandemente para o surgimento do “Existencialismo”.
Uma anedota conta que alguns discípulos de Platão definiram que o Ser Humano era um Bípede sem Plumas. E essa definição vigorou até o dia em que o Cínico Diógenes compareceu a uma de suas reuniões com uma galinha despenada e jocosamente declarou: eis um Ser Humano! Os discípulos, então, declararam que o Ser Humano era um bípede sem plumas, mas de unhas largas.
Fica claro, pois, o quão era insuficiente o modo como essa questão sempre fora tratada pela filosofia. Quantas eram as dificuldades que os filósofos encontravam para dar uma definição geral, teórica, do que era, efetivamente, um Ser Humano. Ou, como era a Existência de um Ser Humano.
E foi justamente a análise sobre o que é o Homem que sempre interessou a Heidegger; e a resposta que ele deu à pergunta diferiu completamente daquelas exaradas por seus antecessores. Heidegger não tentou dar uma definição abstrata, oriunda de um estudo sobre o existir humano a partir de uma visão externa, do outro. Ao contrário, ele propôs uma análise mais concreta e objetiva que partisse de uma visão interior, de uma perspectiva interna. Disse: já que o Homem existe entre as outras coisas, entre os outros objetos, entre os outros Seres, para se entender o que É ser humano (ou seja, existir como Humano) será necessário estudar a vida humana a partir do interior dessa vida, pois seria vã qualquer tentativa de buscar essa resposta através de questionamento externo que pudesse ser contaminado pelos outros seres, pelas outras coisas.
Para fazer tal estudo, Heidegger utilizou o Método Fenomenológico de seu mestre, o filósofo HUSSERL. Como se sabe, essa metodologia investiga os fenômenos (ie, como as Coisas, os Seres, aparecem para os Homens, como são captados pelos sentidos [tato, visão, audição, paladar, olfato]) a partir da experiência, ou da relação que se tem com eles. A Fenomenologia, por exemplo, não se interessa em examinar “o que é um Ser Humano”, mas sim “Como é ser Humano”. Investigou Heidegger, então, como é a experiência de ser um Humano. Para ele, isso constituía a questão fundamental da Filosofia e, por isso, aliás, seu interesse sempre esteve voltado para o ramo da Filosofia que se chama de ONTOLOGIA (do grego Onto = ser, existir + logia= estudo) que investiga as questões sobre a Existência ou sobre o Ser.
A algumas perguntas tradicionais da Ontologia, como, por exemplo, “o que significa dizer que algo existe?”, ou “quais são os diferentes tipos de coisas que existem?” Heidegger acrescentou mais uma: “como é ser (um ente, um vivente) humano?”
Ao propor essa questão, ele tinha a expectativa de que através dela fosse possível esclarecer as indagações mais profundas sobre a existência do Homem, e/ou sobre a Existência em geral.
Em sua obra mais conhecida, SER E TEMPO, de 1927, ele declara que quando outros filósofos fizeram indagações ontológicas usaram abordagens muito abstratas e superficiais e que tais abordagens mostraram-se inúteis, já que se quisermos saber efetivamente o que significa dizer que “algo” existe, será necessário que se examine a questão a partir do ponto-de-vista daquele “algo”. E como se pode presumir que cães e cogumelos existem, mas não se questionam acerca de sua existência, é preciso partir para o único “Ser” que faz tais questionamentos: o Ser Humano. Assim, os entes a serem estudados, se se quiser explorar de fato as questões do “Ser” ou “Existir” são os Homens que deverão ser estudados, pois começando as investigações com os mesmos, será possível, num segundo momento, investigar o que significar “Ser” em sentido amplo e geral.
Nessa obra, além da exposição sobre quais Seres que necessariamente devem ser estudados, Heidegger coloca outra questão de máxima importância. A questão acerca do Sentido de Ser, ie, qual seria a razão de ser, a lógica, o cabimento, o objetivo de se existir. Por que e Para Que se existe? Por que e Para Que se É?
Quando colocou essa questão, Heidegger não pensava em abstrações religiosas ou mitológicas, ou equivalentes. Não lhe importava respostas do tipo: existo por que Deus quer... Porque o Ser Humano é quem dirige o Mundo... Existo nesse Mundo para desenvolver meu espírito... E outras de igual jaez. Não, o filósofo buscava investigações e respostas diretas, imediatas, sérias e profundas.
Para ele, o “Sentido do Existir”, ou de “Ser um Humano” deve estar atado ao Tempo (Note-se aqui a influência do Pensamento de Bérgson). O Homem é essencialmente um SER TEMPORAL. Quando nasce ingressa num “Tempo”, num “Mundo”, como se fosse jogado aleatoriamente. Jogado em uma trajetória que não escolhe. Descobre que veio existir num Mundo que já existia antes dele e que provavelmente continuará a existir depois dele. Ao nascer é inserido num ambiente singular, particular; a uma história familiar e social que pode ou não lhe agradar. Contudo, a essas condições ele tem que se ajustar sob pena de se tornar um proscrito.
O Homem é um SER inacabado e a sua Essência atrela-se ao seu próprio existir; ou seja, se ele Não existisse, não teria essência alguma. E tal existência, por Não ser Necessária (ser contingente) para o Mundo, para o Cosmos ou para a Vida, remete-o a uma situação de DASEIN, ie, de “estar (por acaso) no Mundo”. De “estar aí”.
O fato de “estar ai” é a situação em que o Homem intui (e em alguns casos sabem) estar; e, por isso, ele se sente “abandonado” no Mundo para cumprir uma Existência que para ele é, antes de tudo, a Possibilidade, o “vir a ser”. Nada lhe é seguro, definitivo, mas tudo pode lhe suceder. E, destarte, a sua Existência é um continuo projetar-se. Buscar o Sentido, a Felicidade no Futuro. Mas como essa busca é também uma Possibilidade que pode, ou não, se concretizar, sobrevém-lhe a Angústia de estar em estado de carência ou de temor indeterminado. Angustia-se por compreender a precariedade da condição humana, da sua condição enquanto humano.
E para suportar essa angústia ele tenta desesperadamente dar um Sentido (um significado) ao Mundo e à sua própria Existência, envolvendo-se em várias atividades (como, por exemplo, escrever ou ler um Ensaio de Filosofia sobre Heidegger, construir uma casa, jogar baralho etc.) que consomem tempo. Com essas atividades, o Homem deixa de pensar em sua triste condição e projeta-se para diferentes futuros. Por isso, aliás, julga que suas obras dão um rumo, um significado, uma importância a sua Existência. Porém, as suas atribuições têm alguma importância devido às convenções sociais. Tudo que ele consegue fazer é irrelevante para a Vida em si. São os jogos sociais que oferecem Comendas, Honrarias, Prêmios e quejandos, alimentando a ilusão coletiva de que se é agente da Vida e no Mundo.
Contudo, em certas situações, o Homem toma consciência de que há um limite para suas obras e atividades. Para seus projetos futuros. Em algum ponto, tudo que planejou, ou fez, chegará ao fim. Esse ponto é a Morte, a qual, de todas as possibilidades que se oferecem ao Homem, é a única que certamente lhe ocorrerá.
Horrorizado, ou resignado, o Ser Humano vê que não é apenas um Ente que “está aí (por acaso)”. É, também, um Ente que está no Mundo para o “Nada”, conforme prega o Método Fenomenológico que Heidegger utiliza para lhe estudar. Tal método só reconhece os Fenômenos; ou seja, aquilo que os Sentidos (tato, olfato...) conseguem captar. E, através desses Sentidos, nunca se teve qualquer noticia de que há uma pós-vida quando morre o corpo físico. Logo,Ser para a Morte (estar destinado à morte)” é o mesmo que “Ser para o Nada”.
A Morte, segundo Heidegger, é o Horizonte mais distante do Ser, do Existir do Homem. Tudo o que ele pode fazer, ou pretender ou pensar cabe apenas no seu horizonte limitado. Nada se pode e nada se sabe sobre o além desse horizonte. Assim, à Angústia que o Ser Humano já sentia (pela falta de um Sentido real, palpável, compreensível para o Ato de existir e pelo fato de se saber contingente [ou descartave]); junta-se, então, essa outra Agonia. A Angústia de saber que caminha inexoravelmente para o Nada.
A Heidegger se deve a cunhagem das expressões “Vida Autêntica” e “Vida Inautêntica”, como já se citou. No primeiro caso, trata-se daquela vida que se leva trabalhando, estudando, divertindo-se, juntando dinheiro etc. para se esquecer da falta de Sentido de tudo isso. Para se abstrair da própria desimportância e da condenação inexorável de que se caminha para a morte, para o Nada. Essa abstração, de fato, desestimula o auto-extermínio, o suicídio; mas também rouba do Homem outra dimensão do ato de Existir que poderia ser-lhe mais recompensadora. Normalmente essa outra dimensão é auferida apenas quando um choque traumático, seja físico ou emocional, faz com que o Ser Humano tenha que se defrontar com a inutilidade dos valores que tinha prezado até então. Alguns, diante disso, mudam hábitos, padrões, valores etc. na tentativa de dar, agora sim, um Sentido real à sua Existência. Alguns outros, porém, cedem ao Niilismo, ou aos entorpecentes químicos, ou emocionais, ou religiosos, ou financeiros etc. e prosseguem em sua senda anterior.
Heidegger sempre foi considerado um escritor e filósofo de difícil leitura por conta de seu vocabulário semi-incompreensível, o que é um fato. O problema, segundo alguns eruditos, é que ele tentou explorar questões filosóficas complexas, usando um vocabulário estritamente concreto, inflexível, não abstrato. Com isso ele desejava criar uma relação objetiva com a experiência afetiva dos Homens. Dizer, por exemplo, que o horizonte mais afastado do nosso Ser é a morte, é falar algo sobre como é viver a vida humana, não deixa de ser uma tentativa nesse sentido, mas indecifrável para o leitor comum. Em suas obras posteriores, ciente das criticas, Heidegger usou outra forma de se expressar, apelando para a “linguagem poética”, haja vista ter reconhecido que a severidade textual não pode refletir o espírito humano, a morada de toda filosofia.
Outra critica costumeira que se faz a Heidegger provém de seu envolvimento de poucos meses com o Partido Nazista, com quem colaborou para expulsar alguns professores da Universidade de Freiburg, enquanto era o seu reitor.
Por fim, não seria de todo errado, dizer que suas explorações filosóficas aproximam-se – talvez em demasia – do antigo Ceticismo e do sempre presente Materialismo. Todavia, apesar dessas objeções, é mister que se reconheça seus esforços para trazer o Homem para o centro da ribalta filosófica.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2012.

            Bibliografia Consultada e Recomendada
  • Dicionário de Filosofia – Nicola Abbagno. Ed. Mestre Jou – São Paulo, capital. Tradução – Alfredo Bosi.
  • O Livro da Filosofia – Anna Hall, editora de projeto e Sam Atkinson, editor Sênior – Londres, Grã Bretanha. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Uma Chuva

Cai uma chuva
que refresca a vida.
Se não fosse essa náusea
eu escreveria um Poema
para a mulher amada,

diria que haveriam estrelas
um pouco mais tarde,
pois sempre há luz
para quem a sabe.
Que o perfume que
havia nas rosas de Minas
ainda seria possível,
bastaria segurar tua mão
e contigo dividir
a enxurrada que desenha
a curva do meio-fio.
E riríamos do desvario
de se cantar a Ária
da 5ª Bachiana,
como se o canto
nos fosse dado
e o amor não
fosse perdido.
E mais eu diria...

pois se não se fosse
essa náusea,
contigo eu estaria,
já que juntos sonhamos
essa chuva que chovia.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Semente

A chuva que
molha o Mundo,
germina a semente
num segundo;
e a semente
vira gente
enterrada nesse
jardim diferente.

Quantos já foram antes
aos Círculos de Dante?
Quantos, comigo aguardam
a dama de preto
com quem se dança
o último minueto?

A vida passa
depois da janela.
No fim, será só
uma folha de Outono
amarela.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Plumas

À beira do velho casario
caminho saudade
por ruas sem idade.

Um corpo semi nu
despe a última pluma
e ocupa o espaço
do amor vazio.

Vagos espaços
traçam tristes traços
de plumas e corpos.
São poemas mortos.

Talvez na beira-rio
um outro desvario
devolva-me a santa loucura
de no fim da carreira
embriagar-me de aventura
e sofrer por ternura.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Leveza

Que seja leve
o vento de ser livre.
Que leve seja
essa outra encruzilhada
e que os passos me
sejam fáceis
nessa nova cruzada.

Que a sabedoria
que tudo ensina,
mostre-me o abrigo
contra a dor que se aproxima.

Que o amor
que um dia houve,
sempre te louve
como ex Musa
da minha poesia,
malgrado o fim
de qualquer dia.

Que esqueçamos todas as mágoas
e que nos purifique as sacras águas,
para que mácula não sobre
e nem algum perdão nos cobre.

E que do Tempo,
mais algum me seja concedido,
para que eu viva
o novo amor surgido.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Lendas

Eu posso ver a vida
que deveria ter sido,
o caminho a ser percorrido,
o fato a ter acontecido
e o corpo a ser despido.
Tudo vejo sem ter ido.
Tudo sei sem ter sabido.
Eu sou o deus esquecido.
O deus não querido.

Eu sou Prometeu. Eu sou Hefestos,
príncipe nefando do sub-mundo.
Habito o Profundo
onde escrevo um preto poema
enquanto espero outra vida pequena.

Lendas não vivi nos Quinto dos Infernos
e os amores foram invernos.
Parnaso não conheço
e as Graças desconheço.
Um dia amei certa Musa,
mas o amor me foi tirado
por um gênio inexplicado.

Tragédias escreveram,
mas poucos entenderam
a dor que vai além dos livros.
Poucos foram os divos argivos.

Os Homens que vieram
deuses se quiseram
e a Dionísio se deram.
Do barro que eu os fiz,
já nada mais se diz
(o que será ser feliz?);
e quando nasce cada Aurora
julgam ser a dourada hora
e se encharcam de vinho
e olvidam que sou
um poeta sozinho.
Eu sou Homero
escrevendo outro
pergaminho.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A Amada

A amada me espera
em um Poema.
É a vida que me
repõe as camadas,
que de longe me
foram tiradas.

Um Poeta* me diz
que a ordem das flores
não altera o canto
dos passarinhos;
e eu bem sei
o que há de flor e passarinho
na promessa desse
novo caminho.

Espera-me a amada num Poema.
Espere-me Amada-Poema,
pois eis que não demoro
nesse festim inglório.

Breve, contigo estarei.
E feliz me saberei
por re-cantar
o Poema que já cantei.

                      * da Poética de Manoel de Barros,

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Filosofia Contemporânea - Bérgson e o Elã Vital


“É ridículo e vergonhoso os Homens serem máquinas; é ridículo e vergonhoso que a sua filosofia, assim os descreva... Bérgson (Henri, 1859/1941 – França) alcançou grande popularidade ainda jovem por ter defendido as esperanças que brotam continuamente no peito humano... a contribuição de Bérgson à filosofia foi preciosa, pois se estava a um passo de acreditar que o Mundo seria um espetáculo acabado e pré-determinado, no qual a iniciativa humana não passaria de uma inócua ilusão...”

As frases acima, pinçadas do magistral livro de WILL DURANT (A História da Filosofia), bem ilustram a contra corrente que alguns eruditos lançaram contra a vaga do Positivismo/Materialismo que imperou quase absoluto no inicio do século XX.

Viu-se no capitulo anterior, O CÍRCULO DE VIENA, que tal modo de pensar, antigo em sua origem, fora fortificado com o progresso das Ciências, que, acreditava-se, responderia a todas as questões sobre o Mundo, sobre o Cosmo, sobre a Vida, enfim. Sanaria todas as dúvidas que acompanham o Homem desde que esse começou a pensar. Contudo, o avanço na Mecânica mostrou-se incapaz de atravessar a superfície e a Essência, o mistério do movimento, ou o da força continuou o mesmo. Os novos aparelhos da Medicina conseguiam fotografar o Cérebro, mas não os Pensamentos. Os movimentos estrelares poderia ser previstos, mas não a sua causa etc. Os arcanos continuavam intactos. E foram as tentativas de decifrá-los que formaram a Corrente de Pensadores que abandonou a estreiteza do Materialismo por lhe ver insuficiente como instrumento de aquisição de Conhecimento.

Sabe-se que o ato de pensar pode ter inicio no objeto pensado e prosseguir com a tentativa de levar a “realidade” desse objeto, ou dessa coisa, para o circulo das Leis do Raciocínio, ou da Razão. E pode continuar, com a tentativa de lhe despir de qualquer traço imaterial e enquadrá-lo nas “Leis da Natureza, física, material, concreta”.

Ou, ao contrário, o ato de pensar pode começar no próprio Pensamento e submetê-lo ao império da Lógica. E a partir daí, acreditar que todas as coisas, seres, atos etc. são geradas pela Mente. O chamado “Idealismo (que pode ter outras expressões)”.

Idealismo, que, pressionado pelas conquistas cientificas, foi com o correr do tempo, perdendo espaço para o Positivismo/Materialismo/ ou Racionalismo. E tão largo se fez o predomínio desses últimos que no inicio do século XX as Ciências tornaram-se modelos para a própria Filosofia; ou seja, a Filosofia deveria agir conforme os ditames do Estudo e da Pesquisa Científica. A tese de DESCARTES (René, 1596/1650 – França) de que o Pensamento (a reflexão, o raciocínio) deveria nascer no próprio ato de refletir e depois seguir “para fora” ao encontro doutros Pensamentos, foi solapada pela industrialização da Europa, principalmente a Ocidental, que sem qualquer pudor afastou o Pensamento “do próprio Pensamento” e o fez seguir em direção às coisas materiais, aos objetos concretos.

O filósofo SPENCER (Herbert, 1820/1903 – Grã Bretanha) talvez tenha sido a melhor expressão da Teoria Mecanicista/Industrialista. Admirador de DARWIM aplicou as teorias deste ao conjunto da Sociedade criando o chamado “Darwinismo Social” pelo qual justificava (sic) os privilégios dos ricos pelo fato de serem os “mais capazes” na selva social. Suas exaltações às virtudes (sic) da Mecânica, da Lógica, hoje, em retrospecto, podem até soarem ridículas, mas à época encontraram amplo respaldo, pois “nada mais Lógico (sic) que a evolução dos Seres atendesse às necessidades físicas, impostas pela Natureza concreta”. Antes, DARWIN (Charles, 1809/1882 – Grã Bretanha) publicou suas teorias sobre a Evolução das Espécies, e essa senda continuou-lhe favorável; ao contrário da de SPENCER que logo foi esquecido.


Esquecimento e abandono tão rápidos, quanto foi a substituição do ponto-de-vista físico, concreto, material pelo ponto-de-vista biológico. Pela progressiva disposição de ver a “Essência do Mundo” no ato de viver. Na “marcha da vida”. E tal foi a adesão a essa perspectiva que não foram poucos aqueles que quiseram dar vida à matéria inerte. O estudo da eletricidade, do magnetismo, da inteligência artificial e da robótica (esses últimos mais recentemente) conferiu à Física uma característica quase vitalistica.

Como Prometeu, ou o deus judaico-cristão, que fez o Homem a partir do barro, tentou-se processo semelhante com aço, eletricidade, vidro etc.

Em vez de adaptar o Pensamento à Matéria, inverteu-se o eixo e tentou-se adaptar a mesma ao Pensar, quase lhe conferindo espírito e alma.

Se SCHOPENHAUER (Arthur, 1788/1860 - Alemanha) já tinha aludido à possibilidade de tornar o conceito de Vida mais fundamental, mais “Essência” de tudo; foi Bérgson, em nossa Era, quem adotou essa Idéia, essa Linha de Pensamento e com ela quase converteu toda gente. Quase converteu todo Mundo cético de que a Essência da Vida está na própria vida, dividida em cada uma de suas formas. Está, pois, em todo Homem, em todo Animal e em todo Vegetal.

Bérgson nasceu em Paris, França, e desde cedo sua inteligência superior mostrou-se generosa e lhe deu os meios para fazer sua brilhante carreira de Acadêmico de Pensador. Alguns o comparam, respeitosamente, ao jovem Davi que matou o Golias do Materialismo.

Quando jovem, foi adepto das teorias de SPENCER, mas ao aprofundar seus estudos deparou-se com discrepâncias que não pôde absorver. Alguns autores chamam tais discrepâncias de “as três juntas reumáticas” do Materialismo, sendo fácil citá-las do seguinte modo: a Relação entre a Matéria e a Vida; a Relação entre o Corpo (cérebro) e a Mente e a Relação entre o Determinismo e a Escolha (ou livre-arbítrio).

A primeira “junta”BIOGENESE; ie, a criação ou geração de vida a partir da matéria inerte. Após muitos e muitos experimentos, os Materialistas estavam tão distantes de solucionar o mistério da Vida, como sempre estiveram, pois para que haja Vida é necessário que exista, além da matéria necessária, ALGO que se desconhece. Que não pode ser estudado, ser decifrado. Só acreditado. Os crentes, por isso, chamam esse “algo” de “Sopro Divino, ou equivalente”. Bérgson o chamou, ao fim de suas lucubrações, de ELÃ VITAL.

A segunda das três “juntas” é a que se refere sobre o Cérebro e a Mente. Embora o Pensamento e o Cérebro estejam associados, a conexão entre ambos estava (e está) tão misteriosa como sempre, malgrado as tentativas dos Positivistas/Materialistas de resolver a questão, inclusive com a dissecação de cadáveres humanos e com a vivificação de animais. Se todo ato de Pensar é o simples resultado de combinações químicas/elétricas ocorridas no cérebro material, corporal, para que serviria a Consciência? Por que o mecanismo cerebral não podia desativar esse “epifenômeno”, como disse HUXLEY. Por que o cérebro não desligava (sic) as más sensações, as sofridas emoções, ou os pensamentos transcendentais? Aliás, se o Pensar se limitasse ao cérebro corporal, de onde chegariam os Pensamentos Transcendentais que viajam muito além do corpo?

Em relação à terceira “junta” vigorava a afirmação que o Determinismo, ou Fatalismo era mais provável que o Livre-Arbítrio, pois tal afirmativa era embasada no fato de que toda liberdade é limitada pelas condições materiais. Ao decidir por algo, o Homem sofre tantas imposições de ordem social e natural, que se poderia pensar que o Poder de Escolha fosse uma falácia.

Porém, alguns duvidavam dessa afirmativa por uma questão de simples observação. Quando olhada no terreno individual, as proibições ou limitações sociais e naturais atuam de fato. Todavia, quando se avista o conjunto da Humanidade, observa-se o contrário; pois, foi o conjunto dos Homens que LIVREMENTE ESCOLHEU as regras sociais e adequou a natureza segundo seus interesses. Ademais, se fosse correta a tese Mecanicista, o momento presente seria apenas o resultado do momento passado, e esse do momento que lhe precedeu. E assim sucessivamente até que ao fim dessa fila se depararia com o momento primeiro. E com ele, a pergunta óbvia: o que lhe precedeu? Certamente algo abstrato, imaterial; conforme ditaria a Lógica, tão cara aos Materialistas.

Desse modo, possuindo todo esse cabedal de refutações ao Materialismo/Positivismo/Determinismo, Bérgson entrou na arena para expor suas teses que de imediato conquistaram inúmeros adeptos e lhe deram a merecida fama. Afinal, entre tantos “duvidadores” sem coragem de o serem plenamente, ele teve a valentia de duvidar abertamente. De ousar ir contra a corrente e de recolocar a Filosofia em seu pedestal de “Deusa dos Pensamentos Superiores”. Na seqüência adentraremos com mais detalhes em seu modo de pensar, iniciando pela questão da Mente e do Cérebro.

Segundo Bérgson, o Homem se inclina naturalmente pelo Espaço, pois este pode ser percebido pelos Sentidos (Olfato, visão, tato, paladar, audição) e analisado cientificamente pelo cérebro corpóreo, material; logo, é aí que tenta encontrar a Essência, a Coisa-em-Si, dos objetos, dos fatos, dos Seres, do Mundo, da Vida. Porém, para o filósofo, essa busca é vã, já que a Essência não está no Espaço, mas, sim, no Tempo.


Prossegue Bérgson, dizendo que o que se tem de compreender é que o Tempo é uma Acumulação, um Crescimento. A cada segundo aumenta-se a quantidade de Tempo que cada qual tem. Esse Acúmulo foi nomeado por Bérgson de “DURAÇÃO” e é um termo chave de sua doutrina. DURAÇÃO é, portanto, o acréscimo contínuo do Passado que cresce à medida que se avança. O Passado estende-se ao Presente e aí se fixa real e atuante. DURAÇÃO é, pois, o termo adequado para essa aquisição já que o Passado “PERDURA”, ou Permanece eternamente. Dele, nada se perde. E porque não há perda, e porque é imutável e eterno, o Passado (ou o Tempo) assume as características de “Essência”; ao contrário do Espaço que pode ser alterado.

É certo que conscientemente usamos apenas uma parte do Passado para os pensamentos cotidianos, mas o Inconsciente é formado inteiramente pelo que já se viveu; e é esse Inconsciente, ao cabo, que dita o Futuro, na medida em que nele estão as vivências, as experiências, a memória individual e a coletiva; bem como as aspirações, os projetos, os desejos etc.

Contudo, o Futuro nunca será igual ao Passado que o embasa, pois este é um acumulo a cada segundo. Assim, o dia de hoje, que é o Futuro de ontem, não será igual ao dia de amanhã, pois ao saldo já existente serão acrescidas as vivências e as experiências de agora. Cada minuto é, pois, algo novo, imprevisível. E a mudança é muito mais radical do que se supõe.

O Tempo, como se viu, é imprevisível, ao contrário do Espaço cuja previsibilidade geométrica é fato nos objetos, nas coisas, nos Seres. Aliás, o conhecimento das previsibilidades dos acontecimentos, das coisas, dos objetos é a Meta dos Pensadores Materialistas/Positivistas/Mecanicistas. Mas essa previsibilidade atinge apenas o “lado de fora”, a “casca”, a superfície das coisas e Não as suas Essências. É apenas uma ilusão intelectualista.

A Essência está na Mudança, no Movimento. Mudar é amadurecer e amadurecer é continuar criando a si mesmo eternamente.

Antes de avançar e antes das criticas de um leitor (a) mais atento, registre-se que esse ideário de Bérgson bebeu na fonte de Heráclito, que na Antiguidade (Pré-Socrático – c. 535/475 a.C.) já pregava estar no Movimento Contínuo – DEVIR – a Essência do Mundo.

Tanto para o antigo filósofo, quanto para Bérgson, a própria Realidade é o Tempo e a Duração.

Para o francês, no Homem a Memória é o “Veiculo da Duração”, ou a “Criada do Tempo”. Através da Memória o Passado é acessado e oferece as alternativas conhecidas para que se vença o próximo desafio. Claro que com a velhice (desde que sadia) e o acúmulo de Passado, maiores e melhores serão as alternativas ofertadas, as quais geram a “Consciência” que é proporcional à riqueza do Passado acumulado. Ter consciência é como ter uma lanterna que ilumina o potencial de cada ato presente, ou futuro. É como se fosse um laboratório onde as respostas possíveis são testadas antes de serem formuladas irrevogavelmente.


Por todos esses argumentos, Bérgson pôde afirmar peremptoriamente que o Homem não é uma máquina que a tudo se adapta resignadamente. É, antes, um foco de força, de energia, redirecionavel. É um ponto da “Evolução Criativa”.

Se os Deterministas/Positivistas/Materialistas tivessem razão, diz Bérgson, e cada ação fosse apenas o resultado automático e mecânico de forças preexistentes, o “motivo mecânico” de aquela ação ocorrer seria imperativo, pouco ou nada importando o desejo do Homem; mas não é o que ocorre. A escolha do individuo é que determina se tal ato ocorrerá e como haverá de ocorrer. É certo que a escolha, ou o poder de escolher, exige certo esforço, pois é preciso superar o rude impulso, o hábito, ou a indolência. Mas, ao cabo, é o Indivíduo quem permite, ou não, o fato, o acontecimento, a ação.

A Mente, pois, não é a mesma coisa que o cérebro, pois enquanto este só age segundo suas limitações mecânicas e físicas corporais, a Mente é livre para vôos que superam as fronteiras concretas, materiais. O cérebro é mais um tipo de arquivo, de armário, de depósito de imagens, padrões, resoluções, enquanto que a Consciência (ou Mente) é “quem” acessa esse deposito. A consciência, pode-se dizer, é a Recordação (dos efeitos anteriores) que embasa a escolha das resoluções que serão usadas no momento presente.

O que nos leva a pensar na Mente ligada ao cérebro físico é uma decorrência do processo evolucionário. A parte das Mente que se chama de “Intelecto” é naturalmente Materialista, desenvolveu-se para compreender e agir com os objetos concretos, coisas espaciais (que preenchem o espaço). A partir dessa perspectiva, a Mente, reduzida ao Intelecto, traça um “auto-retrato” em que aparece subordinada à matéria e às Leis Naturais. Todavia, esse retrato deformado tende a desaparecer na medida em que o esclarecimento lança luzes sobre a questão e que Homens como Bérgson reponham as coisas em seus devidos lugares.

O Intelecto do Homem desenvolveu-se para assegurar a adaptação do corpo humano ao meio-ambiente e, como se fosse um palco de teatro, representar as relações existentes entre as coisas e essas consigo. Em suma, o Intelecto Serve para se pensar na matéria concreta, física. No terreno do concreto, ele situa-se à vontade e capta os objetos sólidos, os Seres etc. Enxerga o vir-a-ser como se já fosse o próprio “Ser”. Porém, por suas características, não consegue captar a conexão entre as coisas, tampouco o “Fluxo da Duração (o Passado que perdura no Presente e projeta o Futuro)” que é a própria vida. É como se estivesse em um filme, do qual só capta quadro a quadro, perdendo a continuidade que dá vida ao filme. O Intelecto pode mesmo ser comparado a uma câmera fotográfica que só consegue capturar quadro a quadro estáticos e não o “filme”, ie, a continuidade, o movimento, a marcha. Mas, se não fosse o movimento, o filme não existiria, como sucede com a própria existência. É possível ao Intelecto ver a matéria (ou cada fotograma), mas Não pode perceber a Energia que os move.

Para Bérgson, a dificuldade em aceitar o DEVIR (O Movimento Eterno) como Essência vem da teimosia do Homem em aplicar conceitos da Física ao Pensamento. Para ele, aliás, está aí uma das fontes do Materialismo/Determinismo. Se o indivíduo fizesse uma breve pausa reflexiva veria o quanto são impróprios tais Conceitos do Mundo Material, em relação à Mente. A simples constatação de que se pensa com igual rapidez em 01 km, como em ½ Km; ou que um Pensamento pode circunavegar a Terra em milésimos de segundo, já deveria bastar para que cessassem com a insistência de medir coisas diferentes segundo o mesmo padrão. A vida está além dos conceitos materiais, porque ela é uma questão de Tempo e não de Espaço (afinal, vive-se tantos anos, ou tantos quilômetros?).

Todavia, diziam os críticos do filósofo: como captar o fluxo e a Essência da Vida se não for através do Intelecto?

Bérgson, respondia que se deveria dar um valor relativo ao intelectualismo, mas que se conservasse a consciência de que o Intelecto Não é tudo! Sugeria que se fizesse o seguinte exercício: abandonem por um instante o Pensamento Materialista e olhem para o próprio interior. Para os vossos “Eu”. Nele se verá a Mente e não o Cérebro; o Tempo e não o Espaço; a Ação e não a Passividade; a Escolha (o livre-arbítrio) e não o Determinismo. Por esse simples exercício, qualquer um habilita-se a compreender a outra realidade. A imaterial, que nem por isso, é menos real que a concreta.

Voltando ao exemplo acima, a visão do “Eu” agrupa os fotogramas no “Todo”, o que permite vê-los em sua real significação. Essa Percepção direta é a chamada INTUIÇÃO. Não há qualquer processo místico, apenas o exame mais direto possível, haja vista que é isento de pré-julgamentos, pré-conceitos e vícios e hábitos. O filósofo Spinoza (Baruch, 1632/1677, Holanda) já dizia que o Pensamento Reflexivo (oriundo do raciocínio, da reflexão) Não é a melhor forma de Conhecimento. Pela Percepção Direta, ou Intuição, é que se sente a presença da Mente e de tudo que está acima e além da matéria. Pela Intuição é que se observa o cerne, a essência da Vida.

Esse apego à Intuição tornou-se a pedra-de-toque para vários filósofos, dentre os quais se destaca Rosseau (Jean Jacques, 1712/1778 - Genebra) que chegou a afirmar que o “Pensamento Reflexivo” seria uma doença (sic); e que o Intelecto seria “uma coisa traiçoeira” que se deveria abjurar.

Bérgson não encampou idéias tão radicais, pois via alguma utilidade no Intelecto, à medida que ele proporcionava a convivência do Homem com a matéria. À Intuição estava reservado o “Sentimento Direto (o saber sem necessidade de refletir)” da Vida, da Mente e de toda Metafísica.

Além de admitir as diferentes formas de “Conhecimento”, Bérgson achava uma tolice hierarquizar essas mesmas maneiras, ou seja, o Instinto, a Intuição, o Intelecto, pois cada qual tem sua importância à medida que Homem “habita” lugares diversos. Existe, tanto no Campo Material, quanto no Sublime (espiritual, ou mais elevado). Dizia que: quando deixamos o domínio da Matemática e da Física para entrar no domínio da Vida e da Consciência (ou da Biologia e da Filosofia) temos que apelar a certo “Senso de Vida”, cuja origem é o mesmo impulso que produz o Instinto.

Note-se que Bérgson não rejeita o Intelecto completamente. Apenas usa a linguagem da “Compreensão” para diferenciar os tipos de Conhecimentos possíveis. Afinal, não se pode evitar que as palavras usadas para tal explicação sejam Psicológicas, ie, cerebrais. É imperioso utilizá-las, ainda que tragam uma carga de conotações materiais que lhe foram impostas pela sua origem. Observe-se, por exemplo, que “Espírito” quer dizer Alento, impulso; “Mente” quer dizer uma Medida (como um kg, por exemplo) e “Pensar” sempre aponta para uma Coisa, um Objeto, um Fato, um Ser etc. Mas, apesar disso, só por estes meios grosseiros é que a Alma (a Essência) pode se expressar.

Alguns críticos de Bérgson argumentavam que não se transcendeu o Intelecto, pois é com ele que se “vê” as outras formas de Consciência e que a Introspecção (o olhar para o Eu interior) e a Intuição são simples metáforas materialistas.

Porém, essa critica só seria aceitável, se não restasse para além do Pensamento Conceitual e Lógico (o pensamento sobre um conceito, [ie, sobre o que é uma coisa, um fato] regido pela lógica materialista) a extensa rede de Pensamentos que não se adéquam ao titulo acima. Rede, aliás, que é feita da mesma substância que formou o Intelecto. Por isso, Bérgson disse que: escavar as sagradas profundezas do Inconsciente será o principal trabalho da Psicologia no novo século. De fato, pois graças a ele e a outros, a Filosofia já tinha realizado o seu ao expor indubitavelmente a existência do que há além e acima da matéria.

Assumindo-se, pois, o Tempo como o verdadeiro “Impulso da Evolução” e não mais o mecanismo de luta e sobrevivência descritos por DARWIN – e adotado por vários outros filósofos, especialmente por SPENCER – sente-se a “Duração (o acumulo de Passado)” no Processo Evolutivo e, com ela, o aumento das Forças Vitais que geram continuamente o absolutamente novo. De fato, o Progresso não acontece por “Ajuntamento de Espaço”, mas sim por “Acumulação de Tempo”. Pelo acumulo de Saber que se adquire com o correr do Tempo.

Vários Pensadores rejeitam DARWIN, ainda que respeitem seu trabalho, exatamente por suas teses defenderem, como se sabe, a origem de novos órgãos, novas funções, novos organismos e novas espécies (novos espaços físicos, concretos) através da “Seleção Natural”. É uma teoria que já se acha minada pelas dificuldades que apresenta, tais como: como foi que os Instintos se originaram?Se apenas as qualidades congênitas são transmissíveis, o mesmo Instinto já nasceria “pronto para uso”? E várias outras questões que não serão citadas aqui para não se alongar o assunto.

NOTA DO AUTOR – tenhamos em Mente que o arrazoado de Bérgson tem quase um século e que durante este período várias pseudos incorreções na Teoria de Darwin foram revistas, fomentando uma revalorização de seus estudos.

De todo modo, as incongruências da Mecânica, saudada por Darwin como o Verdadeiro Processo Evolutivo, acaba, por efeito contrário, confirmando que há “algo mais na Evolução”. A vida, diz Bérgson, é mais que sua maquinaria. É uma Força que pode crescer, que pode moldar, em certa medida, as suas circunstâncias e que pode se restaurar quando necessário. Mas, prossegue o filósofo, que fique claro: não há um “projeto externo” fazendo com que tais potencialidades aconteçam. Tudo se faz internamente. Aliás, se assim não fosse, não se teria nada além de outro Mecanismo, ainda que invertido. Não! Tais potencialidades pertencem à própria vida, distribuída entre suas formas, ie, todos os seres vivos. É, pois, esse “algo a mais” que produz a Evolução Criativa.

No seu inicio, a vida é quase tão inerte quanto a matéria, como se o Impulso Vital fosse demasiadamente fraco para arriscar a aventura do Movimento. O lírio que curva, por exemplo, é um altar à “deusa Segurança”. Mas ao evoluir, a vida dispensa essa segurança e avança em direção à liberdade do voo. Por isso, em toda Evolução, a maior recompensa é dada a quem aceita o risco maior. Pela existência dessas fases, Bérgson enxerga a vida em três linhas de Evolução:

1ª – quando a Vida se queda na imobilidade dos vegetais.
2ª – quando a Vida é impulsionada apenas pelo bruto Instinto, como nas abelhas e nas formigas.
3ª – quando a Vida atinge o ápice e busca a Liberdade, despindo-se de seus Instintos Primários e assumindo o “risco de pensar”.

É certo que o Instinto continua sendo a maneira mais direta de sondar a Realidade e captar a Essência das coisas, do Mundo; mas a Inteligência - passageira privilegiada no carro da Evolução – assume cada vez mais o papel de fiel depositária dos interesses da própria Evolução.

Para o filósofo, essa vida continuamente criativa é o que se pode chamar de Deus. Para ele, Deus e Vida são uma coisa só. Mas ressalte-se que não é o Deus onipotente e infinito que as religiões vendem no atacado e no varejo. Tampouco é Onisciente, mas segue em direção ao Conhecimento, à plena Consciência. Não é um “Deus pronto para uso”, pois Ele é vida, ação e liberdade e estas são conquistas a serem feitas e não herdadas.

Paralelamente ao Divino, as lutas, as derrotas e as vitórias do Homem são os elementos que formam o “Elã Vital”, a ânsia, o desejo vital, que o impulsiona à sua busca interminável. Assim, Deus e Homem partilham dos mesmos impulsos, das mesmas buscas infindas e isso faz com que seja praticamente impossível traçar uma linha que os diferencie. São as duas faces de uma mesma moeda, chamada de Vida.

Recorte – decorrente dessa sua tese acerca da Intuição e do Pensamento Reflexivo, vale destacar que Bérgson usou esses conceitos para analisar os tipos de Conhecimento que são possíveis ao Homem:

  1. O Conhecimento Relativo que é feito através do Intelecto e da Racionalidade e que só consegue ofertar um Saber relativo, longe da Essência das coisas estudadas.
  2. O Conhecimento Absoluto que é oriundo da Apreensão Intuitiva (ou da captura através da Intuição) e oferece o Saber Total sobre as coisas estudadas. As suas Essências, ie, como as coisas são realmente.
Esse segundo tipo, conforme Kant, não estaria disponível ao Homem, porém Bérgson insistiu no contrario, afirmando que sim, que poderia sim ser realizado desde que a Intuição fosse “treinada”, em conformidade com o senso de tempo. Veja-se o exemplo: é possível conhecer uma cidade através de fotografias, mas é um Conhecimento Relativo, parcial, incompleto. Porém, ao se caminhar pela mesma, é possível ter a sensação do próprio tempo interior e, também, a sensação dos “vários tempos” que se desdobram pela cidade. E como esses outros “tempos” se sobrepõem, será possível, segundo Bérgson, captar a Essência à medida que os tempos singulares serão vistos dentro desta mesma Essência.
O mesmo, claro, se dá em relação ao Mundo, às Coisas, à Vida etc.

São Paulo, 16 de Fevereiro de 2012.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A 2ª Dose

Uma rosa atônita
pergunta-me de qual
jardim foi exilada;
e chora orvalho
e macula o assoalho.

Está morto o Colibri
que ouvia minha poesia
e assinava minha alforria.
E nu está o vestido
da flamenca dança
que girava M.
ao som da gitana Boheme.

Sinto falta de Ana
das mil noites.
Na Lapa ela me espera
para o drinque que tomaremos,
entre tantos mais,
a um só menos.

Quem dera, fosse agora,
minha última espera.
Quem dera, o Jarro quebrado
lavasse meu Fado.
Quem dera, a janela quebrada
testemunhasse a jura trocada,
a cama desfeita
e a noite perfeita.

Quem dera, só houvesse
depois de amanhã.
E a náusea nem chegasse
ao Espaço onde transito,
no Tempo que habito.

                 Para as poetisas - Ana Lago e Teresa Azevedo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Branco

Um branco de lavadeiras
já habitou a minha paz,
mestre Graça*.
Mas como tu sabes,
tudo passa.
Pois também passou
a paz que eu já tive
e hoje eu vivo,
como se vive,
quando o amor acaba;

cobra-me Yara,
um sorriso na cara.
mas a dor me impede
qualquer falsidade.
Mesmo que fosse
só por bondade.

Leio o poema de **Ana Lago,
engasgo o último trago
e suspiro por um afago.
E pensar que já fui feliz...

Misto de Mestre e de Aprendiz
e "cidadão de bem" por um triz.
O gênio das Minas, porém, obriga-me
a seguir minha Moira
a procura do meu assento,
mas o ato se encerra
sem que eu, como Moisés,
veja a Prometida Terra.

Que, então, um vazio me acomode
para o sono dos justos,
sem fantasmas ou sustos.
É chegada a noite
do meu tempo.

                    * da obra de Graciliano Ramos
                  ** da poética de Ana Lago de Luz

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Olhos de Mar

Poeta de olhos do Mar,
faça-me um verso
com gosto do sal da vida
e do mel de tua boca partida.

Cante a inevitável flecha disparada,
a dura verdade revelada
e a tristeza pela última parada,

mas cante também a inesquecível
rua sem calçada,
a eterna Lua enamorada
e a carícia sem mais nada

e cante o amor que acontece
na cama que não se esquece,
pois é teu esse nobre ofício
de cantar o doce sacrifício.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Filosofia Contemporânea - Círculo de Viena

No final do século XIX e inicio do século XX a chamada “Filosofia Idealista” sofreu vários golpes, dentre os quais o da Corrente de Pensadores que advogavam o chamado “Empirismo Lógico”. Em Viena, Áustria, o grupo de filósofos que contava em suas fileiras com nomes como o de HANS HAHN, PHILIPP FRANK, OTTO NEURATH, MORITZ SCHLICK. RUDOLF CARNAP adotou e pregou tal movimento filosófico, com raízes no velho Empirismo Inglês, que propunha um Sistema de Pensamento baseado, principalmente, na negação da Metafísica e na conseqüente afirmação (quase endeusamento) da Lógica Cientifica (ou materialista, ou física).

O Empirismo ou Positivismo Lógico nasceu a partir dos questionamentos impostos à “velha” Filosofia, oriundos das descobertas e dos avanços científicos da época. Tome-se como exemplo a Filosofia Transcendental de Kant (até então considerada a teoria mais importante sobre os fundamentos [ou bases, ou princípios] da Ciência), e o duro revés que sofreu com a Teoria da Relatividade de Einstein, haja vista que os exemplos que citava para embasar ou explicar os seus argumentos eram advindos da Geometria de Euclides, solenemente enterrada pelo “Pai da Relatividade”.

Ademais, a Filosofia Tradicional trazia em si outro sério inconveniente: a excessiva disseminação dos vários Sistemas que, conflitantes, mais contribuíam para torná-la uma matéria de dúvida insolúvel, que um sistema de estudo que gerasse algumas das certezas que sempre se buscou.

O Positivismo Lógico exigiria do Filósofo, para corrigir a antiga e errada senda (sic), uma postura diferente da que se usara até então. Doravante ele deveria ter o mesmo rigor observado nos estudos científicos e, consequentemente, deveria justificar racional e friamente as suas teses. E que tal fizesse com absoluta clareza de Conceitos (a descrição de alguma coisa, fato, movimento etc.) usando de Metodologia precisa. Conseguintemente, ao Filósofo seria proibido qualquer uso da Metafísica (ou seja, do que se supõe estar ‘por trás’, ou além do concreto, do material, físico) já que a mesma passou a ser considerada pelos integrantes do Círculo – representantes dos demais Materialistas – como um “mero sentimento, ou reles sensação, ou pobre intuição” perante os fatos da vida e que estaria mais bem colocada como objeto de estudo das Artes, e não da Filosofia Cientifica ou da própria Ciência. Diziam que a Metafísica, por ser abstrata, não poderia ser estudada como se estuda um objeto sólido, ou um “ser de carne e osso”. E que a Realidade é composta apenas por este tipo de elemento. Que sentimentos, emoções, ou espíritos, fantasmas, proto-matérias etc. seriam meras superstições a serem exterminadas pela evolução da Ciência.


Nessa linha, o Círculo de Viena publicou um Manifesto chamado de “A Concepção Cientifica do Mundo”, em 1929, em que expunha sua visão antimetafisica e materialista e reforçava seu ponto-de-vista de negar peremptoriamente o Trabalho Filosófico que quisesse (ou pudesse) construir uma Teoria que fosse mais abrangente, profunda e elevada, se comparada com a teoria correspondente produzida pelas Ciências. Para seus integrantes, a Filosofia deveria limitar-se a estudar e esclarecer, segundo a Lógica somente aquilo que já tivesse passado pelo crivo e pelo julgamento cientifico. Para os Empiristas do Círculo, o Discurso Metafísico (ou seja, a defesa da existência e da validade da metafísica), não resistia à menor das análises lógicas, pois não passava de um amontoado de suposições (falsas, na maioria) que não descreviam coisa, ou Ser, algum. Seus erros, ilações, erradas formulações não produziam nenhum Saber efetivo sobre a “essência das Coisas”. Não produzia nenhum Conhecimento que estivesse além ou acima daquele já produzido pelo método cientifico, pela Ciência.

Lembremos que para os Empiristas, todo conhecimento só chega ao cérebro através do que fora captado pelos Sentidos (olfato, paladar, visão, audição, tato); e como esses só conseguem captar o que é material, tentar formular uma tese, ou uma teoria sobre o pós-vida, por exemplo, seria uma mera especulação sobre o que poderia haver após o fim do corpo físico. Idem sobre o quê precede a Matéria. Ou sobre o que pré-existe e que permitiu que a matéria se formasse.
  
Assim, o Materialismo que imperava no Círculo de Viena, a exemplo do Empirismo antigo, negava a própria existência de tudo que não pudesse ser captado pelos Sentidos e analisados pelo cérebro, pela Razão. Mas se antes a negação se baseava exclusivamente na insuficiência dos Sentidos e no confronto com a Filosofia Idealista (como a de Platão, por exemplo, que pregava existirem “projetos” ou Idéias que orientavam a construção e a existência de tudo que é material. Haveria, por exemplo, uma “Idéia Cavalo” a partir da qual todos os cavalos são feitos, diferindo os indivíduos apenas em detalhes), agora o Pensamento Empírico se baseava nos avanços científicos, como já se disse, e na crença de que tais progressos explicariam todos os segredos do Mundo, do Cosmo, da Vida etc.

O apego ao rigor científico, numa época que endeusava a Ciência, tornou o Círculo mundialmente famoso, mas o grupo que o compunha teve que se dissolver com a ascensão do Nazismo ao Poder. A partir de então seus integrantes aderiram às várias correntes materialistas, ou mudaram seu pensamento e se engajaram em outros movimentos filosóficos de tendências diversas, pois obedecendo ao contraditório, que é o cerne da Filosofia, outras correntes se insurgiam contra a frieza do Positivismo que limitava o Homem a um mero títere das condições físicas do Mundo e da Vida. Na seqüência dessa obra veremos alguns dos mais importantes filósofos dessas outras correntes, tais como Bérgson, Husserl, Croce e outros.



São Paulo, 10 de Fevereiro de 2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Ponte

Sei das esperas.
Das infindas esperas.
Sei das pequenas humilhações
nos cotidianos sufocantes.
Dos inofensivos *Moinhos
feitos medonhos Gigantes.

Sei do orgulho ferido,
do preconceito sofrido
e do escárnio doído.
Sei-me caído,
quase vencido.

Mas te sei
moça do sorriso farto.
Sei-te longo pergaminho
do novo caminho.
Sei-te mão estendida
e desvio para a vida.

E porque te sei, seguro haverei
de novamente cruzar a Ponte,
que certo dia cruzei.
E seguro me verei
para sonhar
o sonho que
já sonhei.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não Ainda

Ainda não será
desta vez.
Preciso dizer-lhe dos meus
amores reclusos
e dos meus poemas
inconclusos.
Falta-me ainda,
organizar minha escrita
e conhecer a Alma
que me agita.

Ainda preciso ver o
filho que fiz,
navegar os Oceanos
dos seus planos.
Quero, antes, revisitar
as mulheres que amei,
as utopias que sonhei
e as ruas que andei.

Que a Parca
exercite a paciência.
Que Caronte repouse
seu funesto barco.
Recuso-me a morrer agora.
Não antes da próxima Aurora.

Só depois de satisfeitos
os meus desejos
é que colocarei um
ponto final em minha sentença.
Só, então, deixarei de
ser uma presença.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Febre

Como ave-liberdade
que foge do laço,
sinto a Palavra
fugir noutro espaço.

Consigo ela leva
o Poema que eu faria
se não fosse essa febre
que me angustia.

Por ela eu perdi
o mágico momento
em que a Palavra
vira Sentimento.

Agora, sou poeta em vão.
Ultrapassado cantante
da vida distante.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Quimioterapia

Eis que se troca a Esperança
pela Espera.
A dor me desespera
e a vida me onera.

O frio me entorpece,
a comida não me apetece
e a maldita "quimio" que nunca desce.
O que foi riso desaparece
e do resto, a gente esquece.

Inútil pensar no carinho que enternece.
Na voz que antes me excitava e agora aborrece.
E no outro corpo que já não me aquece.

Ao meu lado outra vida desaparece.
Um anjo que fenece,
um lírio que falece
(eu queria rezar, mas não sei a prece).

Voltei para a conhecida Estrada.
Caminho do Nada
e sem alivio d'alguma parada.
Tento lembrar da moça bonita
e dos planos que sonhamos
(e que nunca realizamos).

E pensar que ela,
ao entrar em minha vida
compensou esse caminho
de pedra não polida.
Neo, novo, Neolítico...
que me anda qual paralítico.

Aumentam-me a dose e a inconsciência.
Mas ainda masco a impotência
que me sobrou de tua ausência
(favinho de mel,
se tu soubesse o quanto houve de Céu
nos momentos em que me tirastes do Léu...).

Atrás do vidro
revejo meu reflexo moído.
E o quão doído
é esse sofrer sem sentido.

Noutro poema escrevi
que muita vida já comi.
Agora, é chegado o momento
de findar o sofrimento.
De chorar o último lamento,
de sorrir o penúltimo contentamento
e de fingir que nada foi em vão.

Tomei a vida por usucapião
e vivi meu o quinhão.
Agora, eu queria breve
o derradeiro não.