GRAMSCI, Antonio - Revisado
1891 – 1937
A Teoria da Hegemonia, ou
“O Bloco Hegemônico”.
Quarto, dos sete filhos
que Francesco GRAMSCI gerou, Antonio passou a infância em várias comunidades
de sua Sardenha natal, até que um prêmio recompensou-lhe o esforço nos estudos
e o levou para Turim, onde ele
estudou Literatura na Universidade local.
Seu pai teve contínuos
problemas com a Polícia e nunca foi capaz de oferecer boas condições materiais
para a família. Dessa sorte, a penúria desempenhou um papel preponderante em
seu Ideário e em sua inclinação à Esquerda
Política, onde atuou primeiramente através do Partido Socialista Italiano
- PSI.
É certo que também
contribuiu para sua tendência Socialista o meio ambiente em que ele viveu na
época de Universitário, pois Turim experimentava na ocasião um vigoroso
desenvolvimento industrial e as fábricas da Fiat
e da Lancia recrutavam operários em
várias regiões do País e até nos Países pobres, que fortaleceram sobremaneira
os Sindicatos que, então, passaram a promover Manifestações anticapitalistas e, claro, favoráveis ao Marxismo.
Assim, vivendo nesse “caldo de cultura”, GRAMSCI participou
ativamente de Manifestações, associou-se a vários “Círculos de Estudos Políticos” e cerrou fileira com os migrantes sardos, seus conterrâneos.
Durante e após a
Graduação – tanto por Idealismo, quanto por necessidade financeira – trabalhou
como Jornalista e acabou sendo publicado em quase todos os Órgãos da Imprensa
Esquerdista, como, por exemplo, o jornal “Avanti (órgão oficial do PSI)”.
Especializando-se em “Teoria Política”, foi um autor
prolífico e, também, como Editor de diversos jornais Comunistas, contribuiu
efetivamente para a divulgação das Ideias da Esquerda, tanto em quantidade,
quanto em qualidade.
A propósito, é oportuno
registrar que lhe coube à missão de fundar o “L’ORDINE Nuovo” – em conjunto com Palmiro Togliatti, em 1919. E também mencionar a valiosa
contribuição que prestou para a criação do “La
Cittá Futura”.
Quanto à prática
política, registre-se que pouco tempo após a fundação do “L’ORDINE Nuovo”, ele e o grupo que o fundou e aqueles que se tornaram
colaboradores e/ou simpatizantes do Jornal, aliaram-se a Amadeo Bordiga e à facção “Comunista
Abstencionista” do PSI e
fundaram o Partido Comunista Italiano – PCI
– em 21 de Janeiro de 1921.
Graças à sua importância
junto à Intelectualidade e aos correligionários, logo foi elevado à condição de
um dos lideres do Partido recém-fundado, mas até 1924 foi mantido como
subordinado a Bordiga em razão de detalhes formais.
Com a queda de Amadeo, no
citado ano de 1924, assumiu de fato e de
direito a Direção e a partir daí as suas ideias prevaleceram e as suas
teses passaram a ser oficialmente adotadas pelo PCI a partir do Congresso Partidário realizado em 1926.
Antes, porém, um fato
marcou a sua vida pessoal. Estando na Rússia como representante do Partido,
conheceu a jovem violonista Giulia
Schultz que lhe deu dois filhos.
Outro fato ocorrido nesse
mesmo ano também teve importância capital em sua vida, embora naquele momento
não se tivesse a exata noção do que representaria o advento do Fascismo
na Itália.
GRAMSCI, de fato,
desdenhou o Movimento Ultra Direitista
e o classificou como mais um estertor sem
importância da Burguesia.
Contudo, na URSS, a visão sobre o fato já era mais
sombria e realista e foi por isso que ele recebeu da Internacional a missão de
juntar as Forças Esquerdistas em uma Frente Ampla – preferencialmente sob a
liderança dos Comunistas – para dar combate sem trégua ao novo inimigo.
Desse modo, coube-lhe não
só uma missão, mas, duas, haja vista que além de combater as hordas de Mussolini ele deveria levar o PCI à liderança da Frente Ampla e com isso desbancar o Partido Socialista de sua sólida posição
de supremacia– que já durava um largo tempo – dando aos Comunistas o status de: A Nova Força Política.
E como não poderia ser
diferente, é claro que tal pretensão encontrou feroz resistência em todo o leque
das Forças Progressistas. Inclusive,
dentro do próprio PCI, pois
alguns de seus membros temiam acabar sendo subordinados aos Socialistas, não obstante o esforço que fizessem para que tal não
ocorresse.
Mas apesar das
divergências, GRAMSCI prosseguiu em sua tarefa e em 1924 foi eleito Deputado
pela região de Vêneto e com isso
ganhou uma tribuna importante para lançar seus ataques ao Fascismo que, então, já ensaiava um galope rumo ao Poder.
Paralelamente ao Legislativo, trabalhava na fundação de
mais um jornal a serviço da Causa, o “L’Unitá” (que seria o órgão oficial de
Imprensa do Partido Comunista); e
mantinha estreita colaboração com Moscou, quer através dos caminhos oficiais,
quer através dos contatos feitos por sua família que ali ficara residindo por
questões de segurança e de afinidade ideológica, enquanto ele se transferira
para Roma.
Em 1926 outros dois
acontecimentos importantes sacudiram sua rotina e marcaram sua atuação política.
O primeiro foi a carta que enviou ao Komiterm criticando as manobras da Ala Esquerda do Partido Bolchevique (representada por Zinoviév e
por Lev Davidovitsch Bronstein, mais conhecido por TROTSKY) em oposição a Stalin; mas,
também, apelando a esse último para que não castigasse aqueles opositores.
Porém, essa missiva foi
interceptada por Togliatti, por
motivos não revelados, que estava em Moscou representado o Partido. A
interceptação iniciou um duradouro desentendimento que nunca foi totalmente
resolvido entre GRAMSCI e Togliatti.
NOTA do AUTOR – Togliatti após a morte de GRAMSCI cuidou da edição de suas obras, mas
nem por isso aceitou fazer qualquer comentário sobre a suposta simpatia do companheiro
a Trotski, tampouco sobre a
desavença entre ambos.
O segundo episódio
marcante ocorreu em 08 de Novembro quando a Policia o prendeu. Após o
julgamento, GRAMSCI foi condenado a cinco anos de reclusão na remota ilha de Ustica e no ano seguinte a mais vinte
anos, na cidade de Turi, na região de
Púglia.
Certamente que essas
condenações agravaram seu estado de saúde, que já vinha debilitado há algum
tempo. E a evolução rápida e continua de suas enfermidades fez com que lhe fosse
concedida Liberdade Condicional, em
1934, mas ele pouco desfrutou dessa semiliberdade, pois algum tempo depois,
morreu aos 46 anos de idade.
As Obras
Geralmente a obra de
GRAMSCI é dividida em “Pré” e “Pós” prisão.
No primeiro período, o
Filósofo escreveu Ensaios sobre Literatura e Teoria Política que, como já se
disse, foram publicados em diversos órgãos da Imprensa. Principalmente naqueles
dirigidos aos Operários e aos adeptos e/ou simpatizantes da Esquerda Política.
NOTA do AUTOR - aqui, no Brasil, uma parte desses textos foi compilada e publicada em
um único livro intitulado de “Escritos
Políticos”.
No período em que esteve
encarcerado, GRAMSCI produziu duas obras essenciais para o Pensamento Moderno:
- As Cartas do Cárcere –
coletânea de suas missivas aos amigos e familiares, com relatos de seu dia-a-dia na prisão e com reflexões
políticas e filosóficas.
- Cadernos do Cárcere – obra
volumosa, dividida em trinta e dois volumes, ou cadernos, e com um total
de 2.838 páginas. Originalmente esses textos não estavam destinados à
publicação e o conteúdo dos mesmos aproxima-se ao das “Cartas”, mas trata daqueles assuntos de forma mais profunda.
Foi sua cunhada, Tatiana
Schucht, quem os enumerou, porém sem atentar para a ordem cronológica
dos mesmos, o que reduziu, em um primeiro momento, o impacto que causaram entre
os Intelectuais e o Público.
Posteriormente, após o
fim da Guerra, Felice Platone os revisou e a Editora Einaudi os
publicou, juntamente com as “Cartas”,
em seis volumes que foram chamados de:
- Il
Materialismo Storico e La Filosofia de
Benedetto Croce, 1948.
- Gli
intellettuali e La Organizzazione della Cultura, 1949.
- Il
Risorgimento, 1949.
- Note sul
Machiavelli, sulla política e
sullo Stato moderno, 1949.
- Letteratura
e Vita Nazionale, 1950.
- Passato
e Presente, 1951.
Em 1975, por iniciativa e
obra de Valentino Gerratana, a obra foi publicada na devida sequência
cronológica.
Também foram publicados
em um só volume todos os demais Escritos que GRAMSCI havia publicado nos
jornais “Avanti”, “Grido Del Popolo” e “La Ordine
Nuovo”.
A Teoria
A
influência do Pensamento de GRAMSCI ainda é importante. Não são raras as
consultas às suas obras, pois nelas – principalmente em “Cadernos da Prisão” – está contida a quase totalidade de seu
Ideário, desmembrado nos seguintes tópicos:
- Hegemonia Cultural
- A Ampliação da Concepção Marxista de Estado
- A Necessidade de Educar os Trabalhadores e
Formar Intelectuais oriundos das Classes
Obreiras (a quem
o Filósofo chamou de “Intelectuais
Orgânicos")
- A diferenciação entre a Sociedade Política e a
Sociedade Civil.
- O Historicismo Absoluto.
- A Crítica do Determinismo Absoluto.
- A Crítica do Materialismo Filosófico.
- A Análise do Americanismo e do “Fordismo (a
produção em série)".
Na
sequência adentraremos nesses Conceitos, analisando brevemente o cerne de cada
qual.
Hegemonia Cultural
Propôs o Filósofo que os “Aspectos Culturais” da Sociedade – a
célebre “Superestrutura” do Marxismo
– constituem o ponto inicial a partir do qual se pode realizar uma “Ação Política”, pois é através do mesmo
que se cria e se reproduz a “Hegemonia”,
ou a “Ideologia Hegemônica ou Dominante”
que é utilizada por uma Classe Social
para explorar outra Classe.
Segundo GRAMSCI, o poder
da Elite, ou da Classe Dominante sobre o Proletariado (e/ou outras Classes) Não está escorado apenas na
força das Armas, pois se assim fosse, bastaria que as Classes Subjugadas montassem Forças Armadas equivalentes ou superiores.
NOTA do AUTOR – é claro que a montagem de tais “Forças Armadas Proletárias” seria
extremamente difícil, bem como o sucesso da empreitada, mas nenhum dos dois
seria impossível, haja vista que o sucesso bélico pode ser alcançado graças à
habilidade, à motivação dos combatentes, à tática empregada (como, por exemplo,
a de “Guerrilha”) etc. É sabido que o indivíduo que luta para defender sua
casa, sua família, sua liberdade e a sua própria vida, combate com muito mais
empenho que o Mercenário que é pago para defender Tiranos e interesses que não
são os seus. O exemplo mais conhecido desse fato é a vitória do Vietnã sobre a
superpotência estadunidense, nas décadas de 1960 e 1970.
Assim, para ele, o que
garante efetivamente o Poder de que desfruta a Classe Burguesa é a Hegemonia Cultural que ela impõe aos
subjugados através do controle que exerce sobre as Instituições que compõe a Sociedade
Civil; ou seja, as Religiosas,
os Meios de Comunicação (ou Imprensa)
o Sistema Educacional etc.
Usando ardilosamente
esses instrumentos, a Elite “adestra” a Classe Dominada para a obediência política, civil e servil. Amestra seus componentes para que
aceitem o jugo e a canga como se fossem inevitáveis e naturais. E vivam em
permanente e resignada submissão, reprimindo (e talvez até se esquecendo do
mesmo) seu potencial revolucionário.
Em nome de coisas
abstratas como “Nação” ou “Pátria”, cria na Classe Subjugada o falso sentimento de “união sagrada” entre todos os Indivíduos que habitam o território.
Como se entre “Exploradores” e “Explorados” houvesse um vínculo
efetivo.
E cria, por consequência,
o “Inimigo externo”, que a todos
ameaça, fazendo com que se esqueça de que o inimigo real e verdadeiro
do Homem é aquele que o
explora; e não o estrangeiro que em nada o molesta.
Em nome de um falacioso e
ilusório “Destino Nacional”, de uma “Dignidade Patriótica” e outros chavões
similares, a Elite monta a farsa de
que existe uma Sociedade concebida como um “todo”,
livre de antagonismos sociais, isenta de privilégios (falcatruas como, por exemplo, o “direito à herança”), de sórdidas combinações,
de miseráveis injustiças socioeconômicas e outras tantas iniquidades.
Cria, pois, um “Bloco Hegemônico” – e falsamente Homogêneo - que amalgama
todas as Classes em torno de um
projeto burguês. Em todo do seu projeto.
As Classes Subalternas,
ou Exploradas.
A partir da constatação
indubitável de que existe uma Classe
Dominante e uma Classe
Subjugada, os estudos de GRAMSCI mudam o foco e se passa a investigar
os motivos dessas existências e os meios que sejam capazes de alterar as
posições, levando o Proletariado a se
tornar a Classe Dominante. Estuda-se
a maneira de tornar possível que ele, o Proletário,
conquiste o Poder e se torne a Classe Hegemônica.
Sabe-se que
tradicionalmente as Classes Exploradas
(anteriormente, os escravos, os párias etc. Atualmente,
o Proletariado urbano e rural, o subproletariado, a pequena burguesia) são desunidas. E que a sua
união só acontece quando excepcionalmente convertem-se em “Estado”, ie, quando chegam a dirigir um “Estado”.
Mas, mesmo nesses casos,
a união é precária, como se viu, por exemplo, na França após a Revolução e a
tomada do Poder. Logo, Jacobinos
contra Moderados lutavam entre si e
contra outros grupos, facilitando a derrocada do Movimento.
E o que leva a esse
comportamento?
Para GRAMSCI, a causa
principal está localizada nas intenções e nas práticas que as Elites impõem à Sociedade.
Primeiramente através da
restrição aos bens materiais. Concedendo-lhes apenas o mínimo necessário à
sobrevivência (pois lhe interessa
manter o Proletário vivo para que trabalhe como semiescravo em suas fazendas,
em suas fábricas etc.) torna mais aguda a rivalidade entre os Indivíduos que, desse modo,
enxergam o Outro apenas como seu
concorrente direto pelos parcos recursos e, portanto, seu “inimigo visceral”, a quem deve, no mínimo, evitar.
Secundariamente,
sufocando qualquer possibilidade de Conscientização
Individual e de Classe através da Cultura e da Educação, sonegando-lhes o
acesso às opções reais de ambas.
Em relação à Cultura
oferece, quando muito, selvagens, toscos e rudes espetáculos catárticos (a reedição do “Circo Romano” através dos rodeios, das touradas, das
vaquejadas, das lutas etc.) e/ou medíocres entretenimentos (programas
de televisão, telenovelas, músicas (?) indigentes, literatura primaria etc.) como se fossem “Eventos Culturais”.
Na verdade, esses tristes
arremedos são apenas mais um instrumento que amplia a alienação do indivíduo,
embrutecendo cada vez mais a sua sensibilidade, a sua inteligência e o seu
poder de sentir-se um Homem, na extensão do termo.
Quanto à Educação, têm-se
duas situações que aparentemente são divergentes, mas que no fundo produzem os
mesmos maus resultados.
Em primeiro lugar vemos (a exemplo do que acontece em nosso País), ilhas de excelência em algumas Universidades Públicas e nalgumas
Escolas Particulares. Mas essas não são suficientes para compensar o caos
absoluto que reina nas Escolas Públicas.
Nos Países com boas
Escolas e Universidades Públicas, a grade de Ensino é toda voltada para o “adestramento” e não para o “Conhecimento”. Adestra-se a criança para que ela se torne um adulto que produza
bastante em beneficio do Capital e
não para que se torne um adulto possuidor de sabedoria.
NOTA do AUTOR - portanto, mesmo que o Brasil resolva sua situação educacional
vergonhosa, em termos de “saber real”
pouco adiantaria. Pois, certamente, só se imitaria o que ocorre nos Países ricos.
Dessa sorte, sem Educação
e sem Cultura, resta ao Proletariado
arrastar o seu cotidiano miserável sem qualquer perspectiva de que venha a
criar uma “Consciência de Classe” que
possa congregar os seus interesses e fazer frente à Ideologia Dominante que é imposta pela Elite.
Usando, pois, o principio
de Maquiavel (1469-1527) “Dividir para Governar”, a Classe Dominante separa, divide, os
componentes da Classe Explorada e
esses, por não serem capazes de se articularem, seguem dissolvidos em um só rebanho ao qual é ofertada a ilusão de
que faz parte de um Conjunto Hegemônico
(e repetindo, falsamente Homogêneo).
A Eventual Ascensão da
Classe Subjugada.
Contudo, essa hegemonia,
por vezes, é rompida e tais crises acontecem quando as Classes Dominantes não conseguem mais dirigir todas as outras. Não
é mais capaz de resolver os problemas da coletividade e tampouco impor a sua
vontade.
Nessas ocasiões, quando a
Classe Subalterna se mostra pronta a
resolver as dificuldades que a Elite não
solucionou, ela assume o posto de Dominante
e com isso cria um novo “Bloco Hegemônico
(mas também, não homogêneo)”.
Para GRAMSCI, este é o “Momento Revolucionário”, o qual se
inicia no nível da Superestrutura (no sentido marxista, ie, nos aspectos morais, culturais, políticos,
ideológicos etc.) e passa rapidamente a abarcar também os aspectos Econômico, Material,
abrangendo, pois, todo o “Bloco
Histórico”; ou seja, o conglomerado
da Estrutura (os aspectos materiais, físicos) e da Superestrutura (as ideias, a moral, a cultura etc.).
Consciência de Classe
Tomando a sua Itália
natal como referência, GRAMSCI alude ao fato de que às vezes a Hegemonia pode ser apenas parcial, como
acontece com a da Igreja Católica, a
qual, ainda que lute tenazmente para manter a sua unidade, tem que conviver com
a ruptura existente entre os “Fiéis
Simples (talvez simplórios)” que aceitam seus dogmas sem questioná-los e os
“Fiéis Intelectualizados” que os questionam
abertamente. É uma ruptura que ela não pode evitar, mas somente controlar para
que não se aprofunde ao ponto de ameaçar sua própria existência enquanto Classe ou Grupo Dominante.
NOTA do AUTOR - A ruptura entre os “Simples” e os “Intelectuais” não se restringe,
claro, ao campo da Religião, mas o exemplo da Igreja é importante por
demonstrar uma das artimanhas que a Elite usa para se manter no Poder: ceder os anéis para preservar os dedos.
Mas no terreno da
Política, da vida prática, a divisão entre as pessoas é mais ostensiva e a
disputa mais acirrada, fazendo com que o controle não seja suave como o
exercido pela Igreja Católica. Aqui,
o convencimento e a violência coercitiva são usados pela Classe Dominante de modo rotineiro.
Por isso, a tarefa primeira que o Marxismo
(ou a Filosofia da Práxis, como GRAMSCI a chamava) se atribui é
justamente a de elevar o “Proletariado
Simples” ao maior patamar possível de Conscientização, para que ele se
conscientize de sua condição de explorado.
NOTA do AUTOR – mesmo que a principio essa elevação de patamar seja desarticulada, o
simples fato de um operário pensar sobre a miséria em que vive – e saber que
ela não é natural, que não é um “castigo de Deus” – já é um avanço
significativo.
E para que isso ocorra é
necessário que haja uma aproximação entre Intelectuais
e Proletários, pois o Processo de Conscientização segue
necessariamente o da elevação mental e cultural, já que é a ignorância que
enseja a dominação, como se pode observar no Operariado que em geral não tem consciência de seu potencial
revolucionário, do papel que poderia desempenhar no Processo de eliminação da
injustiça que lhe causa a própria miséria e servidão.
Segundo GRAMSCI:
o Proletariado não tem uma clara Consciência Teórica de sua forma de trabalhar,
que é também um (des) conhecimento do Mundo enquanto o transforma. Assim, sua
rudimentar “Consciência Teórica” pode até rebelar-se contra a indigência em que
vive, mas será uma revolta estéril, sem resultados práticos e, quase sempre,
dirigida para “inimigos irreais” como, por exemplo, os fãs de outro time de
futebol. Ou então, a sua rebeldia assume a forma do crime comum, ou em
violência contra familiares (especialmente contra as mulheres e as crianças) e
outras inúteis formas de protesto.
A verdadeira compreensão
sobre si mesmo só ocorre através da participação na luta entre “Ideologias Políticas” adversárias.
A “Consciência (ou a Conscientização) Política” é, pois, o primeiro
degrau para uma posterior e progressiva “Autoconsciência”
que redundará na “Consciência de Classe”,
ou na “Conscientização” de que se
pertence a uma Classe e que esta pode
se transformar numa força capaz de atuar politicamente para corrigir as
injustiças.
Porém, para que tudo
aconteça é imperioso, como se viu, que exista uma junção entre Proletários e Intelectuais, pois para que o Primeiro se organize e seja efetivo
em sua luta por independência, é necessário que se Conscientize e se organize o
que demanda o concurso dos Segundos.
O Partido Político
GRAMSCI, seguindo o
espírito da época e as suas convicções marxistas, creditava ao Partido
a suprema importância de ser o organismo capaz de aglomerar elementos
dispersos e assim formar a Sociedade justa que se quer.
Citando Maquiavel (Nicólo, 1469-1527) afirmava
que o célebre Príncipe nos dias
atuais não poderia ser equiparado a um Indivíduo, a uma pessoa física, até pela
própria caducidade do Sistema Monárquico Absolutista.
Destarte, as funções
clássicas do Príncipe (ie, a tomada e manutenção do Poder), só podem acontecer através de um órgão, de um
organismo, de um conglomerado de pessoas. De um Partido Político.
NOTA do AUTOR – dentro da organização chamada de “Partido Político” é possível
verificar alguns dos aspectos descritos pelo sábio italiano, pois ali os
membros do Partido competem pela tomada e manutenção do Poder Partidário (como,
aliás, se verifica em outras organizações, sejam elas familiares, sociais,
religiosas ou comerciais, em que cada um busca para si a maior fatia de poder e
das benesses que lhes são inerentes).
É o Partido (que já é o resultado do
desenvolvimento histórico) que assume a tarefa de ser o depósito onde se reúnem as “vontades iniciais” (que de individuais se tornam coletivas por afinidade), que pretendem se tornar
Universais, ou seja, aceitas pela
totalidade do Grupo Social.
Cabe ao Partido atuar como o “Reformador Intelectual e Moral” da
Sociedade, tarefa que expressa através do chamado Programa, o qual se subdivide em vários assuntos pertinentes à vida
em sociedade.
A partir dessa “Lista de Intenções” sobre a Economia,
sobre a Saúde, sobre a Educação etc. estipulam-se os objetivos a serem
alcançados e geralmente o cronograma a ser trilhado para a realização de tais
intenções.
Conforme as palavras de
GRAMSCI: “O Partido, expresso no Programa, é à base de um laicismo moderno e de
uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costumes”.
Ou seja, através de sua
existência e das normatizações que propõe e depois promulga, substitui as
normas que antes eram ditadas pela Igreja.
E devolver ao Homem o
comando do próprio Destino, libertando-o do Determinismo
religioso, talvez seja para o Filósofo – e para muitos outros – a maior realização
do Partido para a evolução da humanidade.
Contudo, para que exerça
plenamente essa função é imperioso, segundo GRAMSCI, que seja formado pelos
seguintes segmentos:
- Um
aglomerado de homens comuns, medianos, cuja importância repousa na
lealdade e obediência dos mesmos, pois sem elas será impossível que alguém
os centralize e os conduza, sendo nula a sua participação política. Será
dispensável que possuam espírito de liderança, capacidade de organização
e/ou outras virtudes. A importância efetiva desse segmento está naquelas
qualidades citadas anteriormente.
- É
absolutamente necessária a presença de um Elemento capaz de exercer a
liderança no sentido lato do termo. Alguém que seja capaz de aglutinar as vontades, as forças e as habilidades
individuais que estão dispersas no primeiro segmento. É claro que a
simples presença dessa liderança não será suficiente para que o Partido exista em sua plena
significação, porém é muito mais fácil arregimentar indivíduos a serem
comandados do que conseguir quem possa comandar.
- Por fim,
para GRAMSCI, é necessário que exista um elemento capaz de fazer a ligação
entre a base e o topo da pirâmide. Alguém que disponha de características
que o tornem próximo dos dois segmentos, transformando as ideias em
realizações concretas.
NOTA do AUTOR – o modelo citado por GRAMSCI não traz novidade como o (a) leitor pôde
perceber, haja vista que essa constituição é comum na Sociedade. É uma
adaptação das funções do próprio corpo físico, onde o cérebro e as mãos fazem
os papéis de Planejadores e Executores. Outro ponto a ser observado é que
GRAMSCI tinha em mente os Partidos que existiam à época. À Direita, o Fascismo e à Esquerda, o Comunismo, nos quais fica clara a
disposição apresentada.
Os Intelectuais e a
Educação
Para GRAMSCI todo homem é
um intelectual, posto que todos sejam dotados de Raciocínio e doutras
atividades mentais. Porém, nem todos são reconhecidos no âmbito social como Intelectuais
e essa distinção acaba servindo para criar uma categoria, tanto ao nível
Profissional quanto Social, a parte.
Categoria, aliás, que em
dadas situações é olhada com simpatia, respeito e veneração, enquanto que em
outras é vista com desprezo e desdém. Nessa última condição é comum que lhe
seja assacada a pecha de alienada, parasitária, consumidora do trabalho e do
sacrifício braçal exercido por outros etc.
Atualmente esse tipo de
censura cala mais fundo, inclusive pelo desprestigio em que se encontra o
ascetismo romantizado que vigorou até o fim da década de 1970, quando o
movimento hippie, a música, a
dramaturgia e outras formas de arte, influenciadas pela Cultura hindu, pregavam
o desapego aos Bens Materiais.
Bem diferente do que se
vê na atualidade, em que a importância é medida, sem qualquer pudor, pelas posses
do indivíduo perante a Sociedade. Deixou de ser importante que alguém seja “um gênio”, pois o importante é que “seja rico”.
Dessa sorte, pressionados
pelas condições atuais, os chamados Intelectuais
buscam inserir-se cada vez mais nos assuntos cotidianos da Sociedade.
A figura do artista misantropo,
do escritor recluso, do pintor solitário perdeu todo encanto e não resta aos
mesmos outra via que não seja a de buscar dinheiro para manter-se em destaque.
E para consegui-lo colocam suas habilidades a esse serviço e para essa
finalidade.
São habilidades
especificas e que os levam a militar naturalmente na área do Saber, da Educação, onde se deparam com realidades que ultrapassam as suas
teorias.
E foi justamente esse
descompasso entre a Realidade e a Teoria que fez GRAMSCI dividir a categoria em
duas partes, como segue:
- A Intelectualidade
Tradicional que geralmente se aliava à Classe Dominante em um processo simbiótico que favorecia a
ambos. A Intelectualidade criava
as bases teóricas que “legitimavam”
o Poder usufruído pela Elite e esta, como se fosse
mecenas, assegurava a existência física dos Intelectuais através de pensões, subsídios, etc. permitindo-lhes
exercitar a sua arte sem o ônus de ter que ganhar o próprio sustento
através do trabalho braçal.
- A Intelectualidade
Orgânica composta pelos Pensadores que estudavam a vida social
desprezando parcialmente a rígida sisudez das “Regras Científicas” e dando valor e voz às experiências e
sentimentos das Massas Proletárias,
vez que essas Massas pouco ou
nada propunham por lhes faltar os recursos de Linguagem que são necessários.
Observa GRAMSCI que o Intelectual Tradicional, ie, o Literato,
o Filósofo, o Artista passa a ser substituído pelos indivíduos com “Formação Técnica”, os quais constituem
a nova Categoria de Intelectuais cuja
função atende aos requisitos do Materialismo
predominante na atualidade.
Assim sendo, compete aos
mesmos o papel de “Construtor,
Organizador, Administrador” que elevará a “Técnica Trabalho” para a “Técnica
Ciência”.
Busca-se criar outra
forma de Intelectualidade Tradicional
sem, no entanto, descuidar da formação de uma “Intelectualidade Menor” que ficará ao nível da técnica e da
ciência como “especialistas”, enquanto
que a Liderança ficará ao encargo dos
novos Intelectuais Tradicionais.
E esses Intelectuais Orgânicos (tanto aqueles da “técnica” e da “ciência”, quanto os que formam a nova
Intelectualidade Tradicional e Superior) operam na Sociedade
Civil e na Sociedade Política, ou
no Estado.
Na primeira, criam
ideias, concepções e noções necessárias à intermediação entre as Massas e o Grupo Dominante. Já na segunda, ou no Estado, traçam as linhas que formatam o Governo.
Todavia, para além das
classificações, a presença dos Intelectuais
é indispensável no Processo Político
emancipatório e por isso GRAMSCI faz insistentes alertas sobre a
necessidade de criar uma “Cultura Própria
dos Trabalhadores”.
Um tipo de educação que
permita o surgimento de mais Intelectuais
Orgânicos, pois serão eles – através do compartilhamento que fazem com as Massas – que darão consistência
ideológica às Revoluções que acontecerem.
NOTA do AUTOR – esses alertas de GRAMSCI encontraram forte eco no Brasil e suas
ideias foram largamente utilizadas pelo Professor Paulo Freire.
A Crítica a Croce
Nesse trecho veremos as
restrições de GRAMSCI ao Pensador Benedetto
Croce (1866-1952, Itália) que,
segundo ele, deu à Burguesia italiana
(representativa da mundial) os mais sofisticados
instrumentos para demarcar os territórios ocupados pela Intelectualidade e Artistas
de um lado e o Proletariado (Operários e Socialistas) de outro.
A censura tem inicio a
partir dessa demarcação já que ela teria consolidado a sua posição de maior
representante da Hegemonia Cultural que a Elite impõe ao conjunto da Sociedade
em geral e, especialmente, ao Proletariado.
E prossegue para rebater
as afirmativas de Croce de que o Marxismo
comete equívocos graves em um dos elementos mais sensíveis para qualquer Corrente de Pensamento: a Economia.
Segundo GRAMSCI, Croce afirma que a obra “O
Capital” de Karl Marx não pode ser considerada como um livro “Científico”, mas apenas como uma obra “Moral”, cujo objetivo seria
caracterizar a Sociedade Capitalista
como perversa e injusta, ao contrário da Sociedade
Comunista que concretizaria o Ideal de plena justiça social.
E que a carência de
cientificidade no Ideário de Marx já é demonstrada pelo conceito da Mais
Valia*, haja vista que só por uma perspectiva moralista se pode falar
de “Mais Valia”, pois através do
rigor de um ponto de vista lógico e
cientifico tal noção não se sustenta.
Mais Valia* é um dos conceitos básicos do Marxismo e com ele se expressa a
usurpação que o Capitalista pratica contra o Proletariado ao não remunerar a
produção suplementar que ele realizou.
GRAMSCI (e vários outros Eruditos, diga-se) reagiu a essa afirmativa de Croce taxando-a de
sofisma, posto que os Conceitos de “Mais
Valia” e de “Valor” são idênticos; ou seja, é a diferença entre o valor da Mercadoria Produzida e o valor da “mão
de obra”.
O fato é que a tese de
Marx derivou diretamente da Teoria do Economista Davi Ricardo (1772-1823, Inglaterra) que não enfrentou qualquer
censura ao publicá-la porque à época ela não representava nenhum perigo à Burguesia, já que não havia a menor
conscientização do Proletariado sobre a exploração que sofria.
Na ocasião foi
considerada apenas como uma “constatação
puramente objetiva e cientifica de uma Realidade econômica”.
Outro ponto da Filosofia
de Croce que GRAMSCI criticou foi a
sua noção de que a história é a do Espírito
(ou mente) e, portanto, puramente
abstrata, idealista, relativa à liberdade, à cultura e quejandos. Sem qualquer
vínculo com a história concreta, física, das Nações e das Classes Sociais.
Essa visão suave sobre a
história se repete na Filosofia propriamente dita do mesmo. Se a Dialética de Hegel é um embate entre contrários (o choque
entre tese e antítese que produz a síntese) a de Croce seria uma “Dialética dos diferentes” onde a noção de embate, de anulação era
substituída pela ideia de “atenuação”. A proposição expressa em uma Tese seria
apenas atenuada e não anulada pela antítese.
Para GRAMSCI, essa ideia
de “atenuação” pode ser vista
nas obras de Croce como, por exemplo, em “História
da Europa” onde ele ignora a Revolução
Francesa e o Império Napoleônico
e atenua a importância de
ambos como detonadores do Processo
Revolucionário que se espalhou por toda a Europa, sacudindo-a com as lutas
entre os exércitos napoleônicos contra as Armas
das antigas monarquias, as quais, se não caíram imediatamente, tiveram minadas
as suas bases ancestrais num processo de corrosão que durou até meados de 1870.
Assim, ao invés de ver
que um Sistema Político é eliminado
para que outro o substitua; que um Sistema de Relações é derrubado para que
outro se levante, Croce insistia em ver a história como um contínuo, pacífico e
plácido movimento cultural e político, sem atentar para a tensão (e a
violência) que permeia tais substituições.
Materialismo Histórico
Por acreditar que a
história humana e o cotidiano de uma coletividade é que determinam o que é importante,
ou não, GRAMSCI opôs-se ao Materialismo
Determinista com rigor.
Não aceitava a concepção
de que todas as condições e circunstâncias ocorrem independentemente da atuação
do Homem.
Por isso, para ele, o “Marxismo Superior” é absolutamente
correto porque não admite uma Realidade que existe em si e para si,
desvinculada da humanidade.
Afirmava, a propósito,
que a crença num Universo separado da história e da práxis* humana equivale à crença em Deus.
A sua oposição às
concepções Fatalistas (ou seja, que tal fato irá acontecer imperiosamente de uma maneira e não
de outra) e Positivistas (cientificistas, materialistas) já lhe era própria desde os anos da Universidade e
por isso lhe foi natural opor-se às mesmas.
Ainda que ambas
permeassem o Marxismo mais ortodoxo,
o qual já argumentava desde o Velho
Partido Socialista, por exemplo, que seria imprescindível que o Capitalismo
se autoextinguisse, vitima de suas próprias contradições, para que os Comunistas
chegassem ao Poder.
Porém, essa mentalidade,
em sua ótica, só disfarçava a incapacidade do Partido para tomar a iniciativa de derrubar o Regime da Burguesia e conquistar o Poder.
*Práxis – do grego “práxis” = ação.
Atividade prática. Ação, exercício. No Marxismo, o conjunto das atividades humanas
tendentes a criar as condições indispensáveis para a existência da Sociedade e,
principalmente, para a atividade material, para a produção física, concreta.
Ao se colocar contra essa visão Positivista e Fatalista
GRAMSCI colidiu, entre outras, com a opinião de Nikolai Bukharin que em sua obra “A Teoria do Materialismo Histórico, Manual Popular de Sociologia”,
de 1921, argumenta a favor de certo “Positivismo
Evolucionista”, segundo o qual as leis
da Evolução humana (sic) são as mesmas que regem as outras formas de
Evolução.
Para GRAMSCI, essa “base” da Sociologia despreza o “Principio
Dialético”, onde o embate entre a tese
e a antítese produz a “forma evoluída chamada” de Síntese.
Outra censura referia-se ao desprezo de Bukharin
sobre o desenvolvimento da “Quantidade
para a Qualidade”, previsto na Filosofia de Hegel.
Por todos esses dados, para GRAMSCI, a Realidade é o desenvolvimento da história
humana. E só é possível compreendê-la utilizando-se a “Dialética Marxista”, porque só através dela é possível captar o sentido
das vivências humanas, sua efemeridade, sua historicidade enquanto
deflagradoras das Ações Políticas que
transformam a Sociedade.
Por si mesmas as Sociedades não se transformam e o
próprio Marx já anotara que nenhuma
Sociedade enfrenta as questões que a levarão a se modificar se já não possuir,
ou estiver prestes a obter, as condições para solucionar essas questões.
Tampouco se desfaz uma Sociedade sem que primeiro
tenham se esgotado as formas de vida que nela coexistem. Cabe, portanto, ao Revolucionário analisar corretamente o
relacionamento entre a Infra e a Superestrutura (os aspectos
material e ideológico respectivamente)
que existe naquele período para prever com acerto o momento de deflagrar a
Revolução, comprovando, novamente, que é ação do Homem que promove a Evolução da Sociedade.
Por fim, encerrando o tópico, observa-se que para o
Filósofo, o Materialismo seria “Metafísico”,
pois a opinião de que a Realidade é independente do Homem provém da afirmativa
que “Deus a Criou”.
Logo, para se confirmar a falsidade desse Sistema basta que se coloque em dúvida a
veracidade de existir um Ser Supremo.
Negar essa concepção só demanda o exercício de ateísmo. É necessário apenas
negar a existência de qualquer Demiurgo.
O Estado e a Sociedade Civil
Voltamos a este tópico para complementar a análise
sobre o Pensamento de GRAMSCI relativo a este tema.
Quando o Filósofo elaborou a sua “Teoria da Hegemonia” baseou-se na
concepção de “Estado Capitalista”
que, como se disse, exerce o Poder
tanto pelo uso da violência coercitiva quanto pelo convencimento.
O Estado,
também como já se viu, não pode ser visto apenas como o aparato Governamental,
pois se compõe de várias outras Instituições (Igreja, Escolas, Forças Armadas, Associações etc.) que se abrigam
sob o nome de Sociedade Civil.
Desse modo, GRAMSCI nomeia essas esferas de:
- Sociedade
Política – o
terreno das Instituições Políticas (Partidos,
Legislativos, Judiciários etc.)
e do Controle Legal, Constitucional. O terreno da força, da violência
coercitiva.
- Sociedade
Civil – a chamada
“esfera privada” ou “não estatal”, que inclui a Economia. É onde as
diretivas são impostas através do convencimento.
Contudo, segundo GRAMSCI, essa divisão ou separação
é mais formal que real, já que ambas se mesclam continuamente. Essa amalgama é
que produziria o seguinte quadro:
No Capitalismo
moderno, a Burguesia pode manter-se
no controle da Economia permitindo que a “Esfera
Política” atenda algumas demandas menores do Proletariado (como, por exemplo, as reivindicações salariais que
fazem através de seus Sindicatos).
Assim, ela faz uma espécie de “Revolução Passiva” que consiste em abrir mão de uma parte de seus
interesses econômicos para conservar a sua hegemonia no Poder.
Por isso, aliás, ela teria permitido o surgimento de
Regimes como o Fascismo, ou a Administração
Cientifica e os métodos de “Linha de
Montagem” que Henry Ford (1863-1947,
EUA) introduziu no cenário industrial.
Vemos então, novamente, GRAMSCI recorrer a Maquiavel para argumentar que o Príncipe Moderno, ie, o Partido Revolucionário é a
força que permitirá ao Proletariado desenvolver os seus Intelectuais Orgânicos (aqueles atrelados à vida prática,
ao cotidiano) que se incumbirão de
criar uma “Hegemonia Alternativa”
capaz de combater a da Burguesia (já então
fragilizada por aquelas concessões que precisou fazer para manter-se no topo), logrando o êxito final de instaurar o Socialismo, cuja consolidação, em um
tempo futuro, eliminará o próprio Estado
já que a Sociedade Comunista será
plenamente capaz de se autogovernar.
Historicismo
Tal como o jovem Marx, GRAMSCI defendia enfaticamente o Historicismo, que como se
sabe é a doutrina que estuda os objetos, os Seres, os fatos sob o prisma de
suas origens e desenvolvimentos;
considerando que a história dos mesmos é suficiente para explicar a sua
natureza (o
que é, porque é daquela maneira etc.)
e o seu valor, a sua importância.
A partir dessa perspectiva, o significado de tudo é
oriundo da ligação entre as nossas atividades praticas, a nossa vida cotidiana,
e o Processo Social do qual fazemos
parte.
Por isso, as ideias, as noções, os conceitos não podem
existir fora do contexto em que o Homem
vive. Estão necessariamente atreladas ao Indivíduo
e ao Grupo Social, independentemente
da origem e do conteúdo das mesmas.
Os conceitos que usamos para organizar o nosso conhecimento
do Mundo não derivam da nossa relação com as coisas, com os objetos, mas, sim,
da ligação existente entre os usuários desses mesmos conceitos. Por isso, não
há uma natureza humana imutável, mas
apenas um pálido esboço de certa “essência
humana” que se altera no correr da historia a partir das influências que
sofre dos outros Homens.
A própria Filosofia, secundada pela Ciência, não
afirma existir uma Realidade que
esteja além, ou aquém, ou ao lado do Ser Humano. Ao contrário, propõe como “Verdadeira” a Realidade que retrate o Processo
Histórico que o Homem percorre em uma época determinada.
Por tudo isso, segundo GRAMSCI, apenas o Marxismo é “verdadeiro”, pois ao articular a “Consciência de Classe” do Proletariado
expressa a “verdade” de sua época
melhor que qualquer outra teoria. Apenas a obra de Marx associa a história e o Homem de modo indiscernível.
Sua posição, porém, foi considerada por alguns como anticientifica e antipositivista e até mesmo como uma influência direta do
Pensamento de Croce em seu Ideário.
E ainda que GRAMSCI rejeitasse essa hipótese, a
versão ficou para os registros, somando-se a tantos outros que tratam das
controvérsias havidas entre ele e seus opositores. Aliás, nada mais natural
para quem, como ele, aliou a sua cultura e inteligência com a ousadia de buscar
novos caminhos dentro do vasto campo que o Marxismo
oferece.
Epilogo.
Não obstante sua filiação à tendência esquerdista, e
mais especificamente ao Marxismo, o
Pensamento de GRAMSCI é constantemente visitado por eruditos das mais diversas Correntes, graças à superior qualidade
do mesmo.
Sua obra é considerada de suma importância para os
estudos relativos à Teoria Critica e
aos assuntos Culturais, com destaque
para as análises referentes à “Cultura
Popular”, pois nelas estão os elementos de resistência ideológica e
política à “Classe Dominante”, que os
Acadêmicos pinçam para uso em seus discursos.
“Teóricos
Políticos”, de todos os matizes
ideológicos, ainda são inspirados por seus conceitos e a sua “Teoria da Hegemonia” é constantemente
citada quando se aborda, por exemplo, o atual predomínio do chamado “Pensamento Liberal ou Neo Liberal”.
A influência que exerce e que ganhou o nome de “Neo Gramscianismo” certamente reafirma
a sua elevada posição e torna o seu nome um sinônimo de erudição, cultura e
saber.
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