Autoria
– Verdi
(Giuseppe Fortunino Francesco – 1813-1901
– Itália)
Libreto
– Temistocle Solera
Personagens:
Nabucco* – Rei da Babilônia –
interpretado por um Barítono.
Fenena – filha
de Nabucco. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Abigail – filha
de Nabucco e de uma escrava. Interpretada por uma Soprano.
Ismael –
sobrinho de Zedekia, rei de Jerusalém. Interpretado por um Tenor.
Zacarias–
Grão Sacerdote hebreu. Interpretado por um Baixo.
Grão Sacerdote de Baal –
interpretado por um Baixo.
Abdallo –
Oficial de Nabucco. Interpretado por um Tenor.
Anna –
Irmã de Zacarias. Interpretada por uma Soprano.
Nota do Autor – Nabucco*, contração de Nabucodonosor, o sucessor de Nabopalassar, no trono da babilônia.
Graças às suas virtudes guerreiras, ele expulsou os egípcios da Ásia,
conquistou a Síria e subjugou os hebreus em 586 AEC, queimando o Templo, o
Palácio principal e vários outros edifícios. Seu nome original, Nabú-Kudúrri-Úsur, significa: “o
defensor das fronteiras”.
Local e Época:
Assíria, 586 AEC.
Prefácio
Aos amigos, Verdi,
contou que o desânimo que vinha sentindo em virtude de seus fracassos anteriores
e das tragédias pessoais que enfrentara, terminou no dia em que leu no libreto,
que o Editor tinha insistido em lhe entregar, a seguinte sentença: “Và,
Pensiero, Sull´Ali (vai,
pensamento, sobre as asas douradas)”.
Após a emoção inicial, notou que eram os versos
iniciais de um poema repleto de saudade de um povo pela sua pátria perdida; e
não pôde deixar de comparar a situação daqueles hebreus, com a de sua amada
Itália, então, sob o jugo da Áustria. Era, de certo modo, a história de seu
próprio povo.
O patriotismo falou mais alto que qualquer mágoa e
desalento e, então, ele soube que “precisava” fazer aquela Ópera como um
tributo à sua terra natal.
E com a chama do nacionalismo, acendeu-se a ardente
inspiração que gerou o núcleo temático da obra.
Pouco depois, um novo fator chegou para incrementar
o impulso inicial: o estímulo que recebeu da consagrada cantora lírica Giuseppina Strepponi, que assumiu o
papel de “Abigail” na obra e o de sua fiel companheira por mais de meio século.
Um romance que durou até o fim da vida de ambos.
Para ele, um novato, receber aquele incentivo foi a
brisa que afastou qualquer dúvida que eventualmente tivesse restado; e à partir
daí, com “Nabucco” e com outras obras de viés patriótico, Verdi acabou se tornando um dos pilares do sentimento nacional
italiano, durante o período em que os austríacos dominavam o norte do país e
noutras ocasiões em que a pátria enfrentou dificuldades.
Por isso, enquanto o restante da humanidade sorve,
extasiada, a beleza de sua arte; a
Itália não deixa de reconhecer e agradecer esse seu outro grande mérito.
Enredo
Assim
que as cortinas sobem iniciando o primeiro ato, a plateia sente-se envolvida
por um clima místico, religioso (no sentido lato do termo),
como se estivesse dentro do próprio cenário que imita o Templo de Salomão, na
derrotada Jerusalém.
Ali,
os rabinos e o povo em geral choram e lamentam as derrotas de seu exército
frente às forças babilônicas e rezam fervorosamente para que Jeová os salve do
horror da escravidão a que serão condenados por Nabuco*, o vitorioso imperador.
E
pouco demora a que o conquistador adentre a cidade. É um clima pesado, tenso e
amargurado que não poupa nem a plateia, que, geralmente, demonstra seu desconforto
e sua aflição através de expressões faciais e gestuais.
Porém,
a situação experimenta um ligeiro alivio quando o Grão Sacerdote hebreu, Zacarias, exige energicamente que a fé
seja exercitada, enquanto recorda que eles ainda possuem um trunfo valioso para
ser usado: ninguém menos que Fenena,
a bela filha de Nabuco. Mantendo-a como refém, brada o Rabino, poderão usá-la
como “moeda de troca” para evitar o cativeiro.
Em
seguida, após certificar-se de que ela está devidamente aprisionada, sob os
cuidados de Ismael, Zacarias deixa o
Templo, acompanhado pelos demais.
A
sós, Fenena e Ismael entoam um dueto onde relembram como se conheceram: ao
servir na Babilônia, Ismael não demorou a se apaixonar pela beleza e pela graça
da moça; sendo correspondido com tal intensidade, que ela não hesitou em
arriscar a própria vida para libertá-lo quando a guerra foi declarada, ainda
que isso lhe tivesse custado o rapto que sofre no presente.
Um
jovem e puro amor que arde em ambos os corações e que, agora, predispõe Ismael
a protegê-la e a libertá-la.
Nesse
momento, disfarçada de hebreia, Abigail
adentra a cena. Como a sua irmã Fenena, ela também é apaixonada pelo jovem
israelita e propõe salvá-lo, desde que ele abandone Fenena e fique consigo. Porém,
o jovem se recusa a abandonar sua amada e antes que ela possa insistir, o
prédio é invadido pelas forças babilônicas.
O
Supremo Sacerdote Zacarias, que retornara há pouco, ameaça lançar sobre elas a
“ira de Deus”, mas os babilônicos apenas zombam dessa bravata e se põe a blasfemar
contra Javé, chamando-o, inclusive,
de covarde por ter-se recusado a combater.
Diante
de tamanha blasfêmia, Zacarias não se contem e ameaça matar a jovem filha do
Imperador da Babilônia. Nabuco, ante a ameaça feita à sua filha favorita,
explode em ira e ordena que o Templo seja completamente destruído e que os
combatentes hebreus sejam trucidados.
Então,
entre destruições, mortes, saques e incêndios, numa montagem cenográfica
magnífica, termina o primeiro ato.
§§§
O
segundo ato tem como cenário o Palácio Real de Nabuco, na Babilônia.
Lá,
escravizados, os hebreus sobreviventes à queda de Jerusalém estão sob o domínio
de Fenena que foi elevada à Governança da Cidade-Estado,
enquanto seu pai participa doutras incursões guerreiras.
A
posição de “Princesa Regente”, que a jovem desempenha com grande sabedoria,
incomoda sobremaneira à sua irmã Abigail, já que ela é a primogênita a quem
deveria ser confiado o cargo, como reza a tradição.
E
a sua revolta e inveja mais aumentam quando ela se apossa de um documento de
seu pai e vê que não tem o sangue totalmente real, pois a sua mãe era uma
escrava que foi abusada pelo imperador. É mais um motivo para se sentir
inferior a Fenena, a quem passa a odiar com todas as forças.
E
junto a esse ódio, cresce-lhe a determinação de que a sua origem bastarda nunca
seja revelada, mesmo que para tanto ela tenha que matar a irmã, o pai e a si
mesma.
Enquanto
Abigail destila o seu ódio, entra no aposento o Grão Sacerdote do deus
babilônico/assírio “Baal” para lhe comunicar que Fenena planejava libertar os
judeus escravizados; e que, para evitar que tal acontecesse, ele tomou a
iniciativa de espalhar o falso boato de que Nabuco teria morrido em combate, permitindo,
assim, que ela assumisse o trono com base no Direito sucessório.
Simultaneamente,
entre os israelitas capturados, Zacarias e outros Levitas* se preparam para excomungar
Ismael, acusando-o de traição pela tentativa anterior de libertar Fenena.
Porém, ao saberem da conversão da Princesa ao Judaísmo, cessam os funestos
preparativos e absolvem Ismael.
No
lado babilônico, Abigail aceita os argumentos do Sacerdote de Baal e à frente
de poderoso destacamento militar exige que a meia-irmã abdique do trono em seu
favor, com base no Direito de Primogenitura.
Fenena,
contra-argumenta e não se deixa intimidar, dando início a uma áspera discussão
entre ambas que só é interrompida com a chegada inesperada do próprio Nabuco,
que, então, reassume o governo sem contestações.
Porém,
o comportamento errático do Imperador, logo evidencia que ele sofre de graves
transtornos mentais. Seus discursos misturam propostas exageradas, ameaças
absurdas e, até, a autoproclamação como o único deus babilônico, já que,
segundo diz, o deus Baal é “um triste engodo”.
Proclamar-se
“Deus”, ainda que pagão, é uma blasfêmia inaceitável para o Sacerdote hebreu
Zacarias e, por isso, ele clama aos céus por um castigo severo ao soberano
pecador. Então, um poderoso relâmpago atinge a Nabuco e o choque faz a sua coroa
cair e rolar até os pés de Abigail, que, sem qualquer pudor, a toma para si,
declarando que em virtude da visível insanidade do pai, assumirá o governo do
império, prometendo que “nela, viverá a
glória da Babilônia”.
E,
assim, as cortinas se fecham encerrando o segundo ato.
§§§
O
terceiro ato também é encenado no Palácio Real de Nabuco.
Após
ter-se autocoroada, Abigail decreta o afastamento de Nabuco de todas as funções
oficiais e passa a reinar sozinha, contando apenas com os conselhos do Grão
Sacerdote babilônico.
Cabisbaixo
e preso nos labirintos da insanidade, Nabuco vaga inutilmente pelo Palácio.
Contudo, a sua assinatura ainda é necessária em certos documentos para validar
alguns atos de governo e, por isso, em certo dia próximo, a filha usurpadora o
engana, pedindo-lhe que assine alguns papeis que diz serem rotineiros, mas que,
na realidade, constituem a sentença de morte contra os hebreus cativos e contra
a sua própria meia-irmã Fenena.
O
velho imperador assina-os, mas num lampejo de consciência percebe que acabou de
assinar a sentença de morte de sua própria filha querida. Desesperado, ele
tenta desfazer a ordem ignominiosa, mas Abigail sequer lhe dá ouvidos; e como
ele ameaça revelar a origem plebeia da mesma, ela rasga o documento que
comprovaria a sua condição inferior e o condena ao cárcere.
Com
isso, encerra-se a primeira cena.
Logo
no início da segunda cena, a plateia ouve, deslumbrada, o célebre “Coro dos
Hebreus”, que se tornou um dos ícones do mundo das óperas. Entoando
melancolicamente a triste ária, os cativos hebreus lamentam a perda da terra
natal, enquanto trabalham acorrentados às margens do rio Eufrates.
Zacarias,
o Grande Sacerdote dos judeus, recebe o mesmo tratamento cruel que os demais,
mas está sempre pronto a consolá-los repetindo a profecia que prevê a
destruição da Babilônia e o fim de seu cativeiro.
E,
assim, encerra-se o terceiro ato.
§§§
Ainda
no Palácio Real, o quarto ato se desenrola na representação dos famosos
“Jardins Suspensos da Babilônia”, uma das sete maravilhas do mundo antigo.
Aprisionado
por sua própria filha, Nabuco assiste da janela de sua cela, a jovem Fenena ser
levada entre duas fileiras de soldados.
Tomado
pela insanidade, acredita que ainda está no exercício do Poder e ao ouvir o
urro da massa sanguissedenta, que aguarda a execução dos hebreus e da princesa,
imagina que são os brados guerreiros de suas legiões. E a sua paranoia aumenta
a cada segundo, até que, inesperadamente, um brilho de razão acontece em sua
mente e ele retoma a consciência, percebendo, então, o quanto errou ao blasfemar,
declarando-se “Deus”.
Arrependido,
faz uma sincera oração ao “verdadeiro
Deus dos hebreus” e pede-Lhe misericórdia e auxílio para salvar a sua filha
e o “povo eleito”, que ele havia aprisionado.
E
tal é a sua sinceridade e fé, que o auxílio divino não demora. Logo após sua
prece, o fiel capitão Abdallo
consegue chegar até ele e lhe oferta uma espada e a ajuda necessária para
reagrupar as forças leais e, dessa forma, retomar o trono que lhe pertence.
E
das palavras à ação, pouco tempo é passado. Logo, poderosos batalhões derrotam
as forças insurgentes e devolvem o governo a Nabuco, cuja primeira medida é
libertar sua amada Fenena e os hebreus.
Em
seguida, declara que doravante apenas o “Deus dos hebreus” será venerado em
Babilônia, pois apenas Ele é verdadeiro.
E
para que não restem resquícios pagãos, ordena que as estátuas de Baal sejam
destruídas. Mas antes que a ordem seja cumprida, a maior e mais importante
delas, cai espontaneamente de seu pedestal e se despedaça completamente.
A
queda é vista por todos como um sinal dos céus de que Nabuco voltou a governar
por “ordem de Deus”. De novo os súditos o saúdam como “O escolhido pela Vontade Divina” para ser o Imperador da Babilônia.
Enquanto
isso, os judeus libertados se preparam para voltar para Jerusalém entoando um
conhecido hino de louvor a Jeová.
Pouco
depois, uma dupla de soldados trás aprisionada uma arrependida Abigail, que,
ciente da extensão de sua maldade, há pouco ingeriu um poderoso veneno, na
esperança de escapar da dor do remorso. Agora, junto ao pai, roga-lhe o seu perdão,
assim como o de Fenena, e recomenda Ismael a Nabuco, dizendo ser ele o marido
ideal para sua irmã. Em seguida reza ao “Deus dos hebreus” pedindo sua salvação
e fecha os olhos para sempre.
Uma
grande tristeza se espalha pela cena e contagia a plateia, mas logo depois,
como se fosse um bálsamo celeste, uma atmosfera de paz e de concórdia alivia os
corações. Então, o Grão Sacerdote hebreu, Zacarias, faz um eloquente discurso
de saudação a Nabuco e as cortinas se fecham deixando na plateia o sentimento
que sempre sucede aos momentos de maior elevação.
Nota de Autor* – Levitas – os descendentes de Levi, que
constituíam a classe dos sacerdotes.
Histórico
Nabuco
foi a terceira Ópera composta por Verdi, aos vinte e nove de idade, e a
primeira que obteve sucesso.
Suas
composições anteriores tiveram tantos percalços, quanto a sua própria vida
privada, pois, embora ainda fosse muito jovem, já sofrera a perda de um filho e
da esposa.
Mas
como gostava de se autodefinir, era um “camponês de rija têmpera” e essa força
interior foi o que o levou a suportar e a superar as dores e os fracassos para,
depois, tornar-se uma dos “Pais” do gênero operístico.
Todavia,
para que a justiça se faça, é preciso registrar que além de sua própria força,
Verdi contou com o apoio inestimável de seu Editor – que apesar do início
duvidoso, continuou apoiando-o – em todos os aspectos.
No
caso presente, “Nabuco”, ele entregou-lhe o libreto escrito pelo poeta Temistocle Solera, sem exigir qualquer
contrapartida. E, realmente, Verdi pouca atenção lhe deu no início.
Porém,
o amigo sabia (ou esperava) que, assim como ele, Verdi enxergaria na história
dos hebreus capturados, uma válida metáfora para a situação vivida pelos
italianos, então, sob o jugo das Áustria.
E
foi exatamente essa faceta que fez com que o compositor sacudisse a tristeza e
o desânimo, para compor uma das obras mais conhecidas, executadas e admiradas
em todos os tempos.
Sabidamente
nacionalista, o caráter patriota da opera atingiu-o em cheio e, nela, ele pôs o
máximo de seu talento e o melhor de seus esforços.
São Paulo, 01 de abril de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
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