Libreto
– idem.
Personagens:
Elsa de Brabant – Protagonista
feminina – interpretada por uma
Soprano.
Lohengrin – protagonista
masculino. Interpretado por um Tenor.
Rei Henrique – Interpretado
por um Baixo.
Conde Telramund – interpretado
por um Barítono.
Ortrud
– interpretada por uma Mezzo Soprano.
Local e Época:
Antuérpia,
região de Flandres, Bélgica - século X.
Prefácio
Ao
contrário doutros compositores do gênero, Wagner não delegava a outrem a
elaboração dos libretos de suas óperas, pois se valia de seu talento de poeta e
dramaturgo para executar a parte literária da obra e, com isso, centralizava em
si toda a criação do espetáculo.
Em
suas obras, Wagner mescla elementos da mitologia nórdica e germânica com o seu
esplêndido poder criativo e o resultado é um enredo denso, complexo, rico em
simbologia e sempre exposto em uma linguagem superior e corretíssima que em
nada fica a dever ao esplendor de suas composições musicais; as quais, aliás,
segundo a maioria dos entendidos, atingiram o patamar máximo em termos de
beleza e de reforma estética. Para eles, a “renovação wagneriana” ensejou o
renascimento do drama lírico de uma maneira totalmente distinta do que havia,
até então, no mundo da Ópera.
E,
realmente, a sua música é uma incentivadora, uma reguladora e uma definidora
das emoções, já que são melodias que se equiparam a “personagens” capazes de
despertarem os mais variados sentimentos e sensações. As vozes humanas e as
instrumentais formam uma só sinfonia, ininterrupta e superlativa, capaz de
atingir os mais elevados estados que o teatro lírico pode oferecer.
Ao
público leigo, que não pode admirar tal maravilha de modo técnico e didático,
resta o sempre abundante aplauso com que homenageia o compositor; tornando-o, desde
a sua ascensão, um símbolo da grandeza alemã, idolatrado por seus compatriotas
de todas as classes e saberes e, também, pelos cidadãos de outros sítios, que
não lhe negam a mais sincera veneração.
Na
sequência desses Ensaios dedicaremos o merecido espaço para o genial teutônico,
apresentando primeiramente a Ópera presente, “Lohengrin”, depois “Parsifal” e,
por último, o grande ciclo, “Anel dos Nibelungos”, constituído por
O ouro do Reno (prólogo), A Valquiria,
Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses.
Enredo
O
cenário inicial reproduz um local ritual de “julgamentos” ou “juramentos”, às
margens do rio Scheldt, arrabaldes de Antuérpia.
Ali,
o Rei Henrique e a sua corte aguardam
sob uma frondosa árvore, as partes envolvidas em uma grave questão que demanda
a sua autoridade para ser solucionada com a máxima justiça.
De
um lado estão Elsa e seu irmão Gottfried de Brabant, filhos do falecido governador daquele principado; do outro, o Conde Telramund e sua esposa Ortrud, que haviam ficado como os guardiões
e tutores dos órfãos.
Porém,
influenciado pela esposa, o Conde passou a desejar a morte das crianças para
lhes usurpar o governo e se apossar de sua herança; e com essa sórdida intenção, o casal acusou Elsa pelo desaparecimento
do irmão, denunciando-a como a assassina do mesmo para herdar o Direito
Sucessório que a ele pertencia.
Assim,
para seguir os trâmites da legislação do lugar e da época, ele convoca a
presente reunião e na presença da maior autoridade do país, o próprio rei Henrique, exige que ela se defenda de
acordo com o costume, que prevê um duelo entre o acusador e o acusado, ou
outrem que ele indique, ficando o vitorioso na refrega com a sua versão aceita
e estabelecida.
Elsa
entra em cena cabisbaixa e chorosa, na companhia de suas damas. O Conde
mostra-se confiante, pois sabe que ela não poderá se defender sozinha e nem
conseguirá alguém que lhe tome as dores.
E,
de fato, ela declara a sua impossibilidade de vencer uma luta como aquela, bem
como a inexistência de algum cavaleiro que o faça por ela, exceto, diz, se por
um milagre, o cavaleiro de reluzente armadura que frequenta os seus sonhos se
materializasse inesperadamente e a amparasse.
Nesse
ponto acontece um dos ápices da Ópera, pois ao descrever os seus sonhos, Elsa
entoa uma das mais lindas Árias da obra, na qual descreve o heroico cavaleiro
que defenderia a sua honra ultrajada.
Porém,
a realidade da situação volta com toda força quando a fanfarra toca o “Dobrado”
convocatório para que o acusado apresente o seu defensor e nenhum dos presentes
se mostra disposto a enfrentar a prova mortal.
Instala-se
um silêncio perturbador, mas quando a banda faz a terceira e última chamada, um
murmúrio perpassa a multidão, que vê, com certo assombro, a chegada pelo rio de
um cisne atado a um pequeno bote, por uma corrente de ouro.
Dentro
do barco, um cavaleiro de armas reluzentes prepara-se para desembarcar e tão
logo pisa em terra, apresenta-se ao Rei como o defensor da jovem acusada. Em
seguida, pede-lhe a devida permissão para casar-se com ela, assim que vencer o
duelo. À jovem promete fazê-la a mais feliz das esposas; mas, alerta, ela, ou
qualquer outra pessoa, nunca deverão perguntar-lhe o nome e a origem.
Radiante
de alegria, Elsa concorda com essa exigência e começa a sonhar com a sua
felicidade futura.
Na
sequência, o Rei Henrique faz uma prece e roga a Deus para que a Justiça seja
feita plenamente. Todos os demais o acompanham na oração e no desejo de
equidade.
Finda
a reza, o espaço para o combate é delimitado e o toque das trombetas sinaliza
que após o Rei Henrique arranhar o escudo por três vezes, o duelo terá início.
Os
lutadores iniciam a troca de golpes, mas em pouco tempo e com muita facilidade
o desconhecido (Lohengrin) derruba
Telramund, sem, no entanto, matá-lo, como poderia fazer.
O
público delira com aquela performance e com a queda do malvado Conde, enquanto
Elsa e o cavaleiro saboreiam o triunfo e a dádiva do amor.
No
outro lado, Telramund e Ortrud amargam a derrota humilhante e a frustração de
seu plano de usurpar o poder e a herança dos jovens.
E,
assim, entre a glória e o ressentimento, termina o primeiro ato.
§§§
O
segundo ato é encenado na reprodução de um pátio, delimitado por três
edifícios. Ao fundo, a residência dos cavaleiros, à esquerda a vivenda das
damas e à direita, uma catedral.
A
baixa iluminação simula uma noite tranquila; porém, pouco depois, as vozes
iradas do Conde e da Condessa quebram o silêncio ao discutirem asperamente
sobre a culpa pelos últimos insucessos, que, eles sabem, resultará nos seus
banimentos.
Apoiada
em uma supersticiosa crença, Ortrud diz a Telramund que se ele tivesse conseguido
tirar ao menos uma gota de sangue do desconhecido, o seu encantamento seria
quebrado, mas como nem isso ele logrou fazer, ela terá que seguir um novo caminho
para desvendar o nome e a origem do mesmo, pois “tem certeza de que tal revelação interromperá a magia que ele possui”.
A perspectiva de poderem vingar-se do odiado casal os reconcilia e tacitamente
eles se colocam a espera do momento para agirem.
Nesse
momento, Elsa surge na janela e exprime toda a alegria que sente através de uma
bela e terna ária.
Ortrud
afasta-se do marido e aproveita o aparecimento da jovem para se mostrar “muito arrependida” pelos males que ela
e o esposo causaram aos órfãos. E prossegue com a sua farsa, dizendo-se amiga
de Elsa, a quem deseja toda a felicidade no casamento e na vida. Por último,
como se estivesse preocupada com o seu bem estar, insinua que talvez o noivo da
jovem seja um malvado feiticeiro, já que ele tanto oculta sua origem e identidade.
Porém,
a despeito da gravidade da insinuação, Elsa não lhe dá importância e continua a
viver a felicidade de quem encontrou o amor. Assim, pede licença a Ortrud e se
recolhe, enquanto a pérfida Condessa invoca as deusas pagãs Odin* e Freia*, clamando pela ajuda de ambas.
Passados
alguns momentos, Elsa volta à cena e ingenuamente convida a sua dissimulada
inimiga a acompanhá-la nos preparativos para o casamento.
Nisso,
amanhece e o pátio começa a ser ocupado por vários cavaleiros, soldados e
cortesãos enquanto um arauto proclama o banimento de Telramund e, também, o
casamento de Lohengrin e Elsa.
Por
algum tempo, os acontecimentos seguem a marcha esperada, porém a caminho da igreja,
Elsa e suas acompanhantes são rispidamente abordadas por Ortrud, que, dentre
outros impropérios, grita que não mais se curvará ante sua ex-tutelada e a
desafia a dizer o nome de seu futuro marido.
A
noiva mantém o comportamento digno e responde que o seu noivo é um cavaleiro
livre de pecado, dono de uma moral ilibada e muito bondoso, como bem prova o
fato de ele ter poupado a vida de Telramund, quando podia tê-lo matado ao
vencer o duelo.
A
lembrança desse último fracasso acirra o ódio de Ortrud que, então, volta à
carga com mais ressentimento. Como se estivesse presa a uma obsessão ela
insiste em desafiar Elsa, exigindo que ela confesse desconhecer quem é, na
verdade, o seu futuro marido. E prossegue sua ladainha, repetindo que ele é um
perigoso feiticeiro que trará a desgraça para todos.
Elsa
se mantém dentro da civilidade, mas o escândalo da Condessa não passa despercebido
ao Rei Henrique, que tendo chegado naquele instante, não tem alternativa que
não seja a de expulsar a litigante mulher de Telramund.
Isso
feito, a cerimônia tem início, mas logo é novamente interrompida, agora pelo
Conde Telramund que exige ser ouvido, apesar dos protestos dos cavaleiros. Seu
discurso, porém, é uma mera repetição das acusações de sua esposa contra Lohengrin
e não causa nenhuma comoção.
Lohengrin,
responde que a sua honra não pode ser questionada e que é responsável apenas
por Elsa, não podendo responder pela felicidade e prosperidade do reino ou de
terceiros. É uma contra argumentação parcial, haja vista que, novamente, ele
não declina sua identidade, mas, ainda assim, é satisfatória para o Rei e para
os cavaleiros, que, aproveitam a ocasião, para decretar o banimento definitivo
do casal de nobres decaídos.
Todavia,
Ortrud e Telramund, apesar do rigor do castigo que sofreram, saem da igreja
contentes, pois sabem que semearam o germe da desconfiança na mente e no
coração da jovem esposa.
E,
de fato, a dúvida foi instalada, como bem sabe Lohengrin, pois ele percebe que
ela passou a temê-lo.
Enquanto
isso, o cortejo caminha e quando estão às portas da catedral a orquestra toca a
música que servirá para Elsa perguntar o que antes prometerá não indagar: o
nome de seu amado.
É
o fim do segundo ato.
§§§
O
terceiro ato é encenado na representação da câmara nupcial.
Logo
de início, o público é brindado com o famoso e sublime “Prelúdio” que embeleza
a cena. Em seguida o Coral entoa a tradicional “Marcha Nupcial” e, na
sequência, os nubentes cantam um apaixonado dueto, repleto de amor e de
ternura.
Uma
atmosfera de paz e de harmonia envolve o ambiente, mas, nem mesmo esse clima
benfazejo é capaz de impedir que a angústia cresça no coração de Elsa. Os
mistérios de seu marido não permitem que ela usufrua a felicidade do momento.
Assim,
presa a um turbilhão de dúvidas e incertezas, ela pressente a volta do cisne
que havia trazido Lohengrin, para levá-lo em definitivo. Tomada, então, de
irresistível aflição, não consegue manter a promessa e em prantos pede que o
marido revele toda a verdade.
É
um momento doloroso e difícil, mas antes que ele possa dizer qualquer coisa,
Telramund entra em cena com a espada em punho. Repetindo as acusações contra
Lohengrin, atira-lhe outra espada e o desafia para novo duelo.
Todavia,
como da primeira vez, Lohengrin não encontra qualquer dificuldade em dominar o
combate e como num passe de mágica, Telramund é trespassado pela espada do
herói. Contudo, para ele não há motivos de júbilo, pois ele sabe que o sangue
derramado impedirá que continue com Elsa e, pesaroso, diz-lhe que a felicidade
de ambos terminou junto com a vida do maldoso desafiante.
Esse
sombrio vaticínio encerra a primeira cena.
A
segunda cena é novamente ambientada nos arrabaldes da cidade, no “sitio dos
julgamentos”, sob a copa da grande árvore.
Ali,
enquanto o corpo de Telramund é velado, o Rei e os cavaleiros confabulam
rapidamente e proclamam que Lohengrin agiu em legítima defesa e, portanto, não
se pode imputar-lhe qualquer culpa naquela morte.
A
absolvição comove o herói que, então, dispõe-se a revelar sua identidade. Conta
que é de Monsalvat, a terra dos “Cavaleiros do Santo Graal”, filho de Parsifal (que protagoniza outra Ópera de
Wagner) e se chama Lohengrin.
Nesse
momento, o cisne que lhe trouxe reaparece e é recebido com tristeza pelo filho
de Parsifal, já que é o sinal de que chegou a hora de partir. Amargurado,
despede-se de Elsa e entrega-lhe o anel, a trompa e a espada, pedindo-lhe que
as repasse ao seu irmão Gottfried, caso ele retorne algum dia. Em seguida,
ajoelha-se e faz uma oração silenciosa, enquanto uma pomba branca pousa no
barco puxado pelo cisne.
Ao
perceber o pequeno pássaro, Lohengrin desata a corrente que prendia o cisne e
este mergulha nas águas escuras para dela emergir transformado em um jovem
príncipe, luxuosamente trajado. E Lohengrin apresenta-o como o legítimo governante
da região.
O
entusiasmo toma conta de todos e Elsa reconhece, emocionada, que aquele jovem é
o seu irmão, Gottfried, que voltou para reassumir o trono dos Brabant.
A
festa ganha, então, mais entusiasmo e o jovem herdeiro relata que seu
desaparecimento foi causado pela bruxaria de Ortrud, que o transformou naquela
ave e, depois, acusara a sua irmã de tê-lo assassinado. Mas, agora, tudo estava
acabado e os dias venturosos estavam apenas começando.
Entrementes,
Lohengrin embarca no pequeno barco e a pomba o leva de volta ao lar. Dele, fica
a justiça restabelecida e a saudade que invade o sofrido coração de Elsa.
Histórico
Wagner
começou a trabalhar nessa Ópera em 1845 e confecção da mesma apresenta uma
curiosidade, já que ela foi iniciada pelo fim.
Com
efeito, Wagner fez em primeiro lugar o trecho que viria a ser o terceiro ato;
e, após observar que seria necessário descrever algumas situações anteriores,
compôs o segundo e, por fim, ainda insatisfeito, decidiu escrever o aquele que
seria o primeiro ato, para narrar as circunstâncias que dão ensejo às ações
posteriores.
Pode-se
dizer, a propósito, que esse processo singular confirmou a lei da matemática
que determina que “a ordem dos fatores
não altera o produto”, pois a resultante de seu trabalho foi essa preciosidade
que ainda hoje encanta a todos os públicos.
Nela,
Wagner se utilizou da mesma matéria-prima de suas outras produções, ou seja, a
mescla de lendas nórdicas, germânicas e medievais com a grandiosidade de seu
talento.
E
usando, direta ou indiretamente, o mote do “Santo Graal (para alguns, o
vaso de esmeralda em que José de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus, ferido
pelo Centurião romano)” ele fez de seus personagens, na
presente Ópera e em “Parsifal”, os guardiões da relíquia que ainda hoje suscita
acalorados debates acerca de sua real existência.
A
escolha desses temas e personagens calou fundo na alma germânica, que pôde se
reconhecer em cada um deles. Em outras terras, o espetáculo é apreciado pela
beleza, pelo vigor e pela grandiosidade, sem, no entanto, deixar-se de admirar
o amor do compositor pelas coisas de sua pátria e cultura.
Rio
de Janeiro, 17 de abril de 2015.
Nota do Autor – Odin e Freia – a deusa Freia é uma das mais antigas divindades
da mitologia nórdica e germânica. É uma divindade associada ao sexo, ao amor, à
luxuria, ao ouro, à guerra e à morte. Odin,
na verdade, é o supremo deus pagão da mitologia nórdica, popularizado como o
pai do super-herói de HQ e cinema Thor.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
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