Autoria
– Haydn
(Franz Joseph – 1732-1809 - Áustria)
Libreto
– Carlo Francesco Baldini
Personagens:
Orfeu – o
mítico poeta e cantor da Grécia clássica. Interpretado por um Tenor.
Eurídice – a
bem amada musa de Orfeu. Interpretada por uma Soprano.
Creonte– o pai de
Eurídice. Para alguns eruditos, o rei de Tebas. Interpretado por um Barítono.
Gênio –
interpretado por uma Soprano.
Plutão – o
Rei dos infernos. Interpretado por um Barítono.
Arideo
– personagem oculta e sem voz.
Época
e local
Grécia – idade
mitológica.
Enredo
Dando vazão ao seu
imenso talento musical, Haydn acrescentou à célebre história de amor entre Orfeu e Eurídice uma série de melodias que colocaram ainda mais beleza ao
que naturalmente já era belíssimo.
Dessa sorte, o Ensaio a
seguir será recheado com os títulos das principais intervenções musicais, numa
sugestão de que o (a) leitor (a) busque ouvi-las durante a leitura do mesmo,
pois o efeito será extremamente prazeroso.
A história é ambientada
inicialmente na réplica de uma praia rochosa, no litoral grego, margeado por
uma densa e escura floresta.
Sozinha em cena, Eurídice lamenta a sua má sorte, já que
foi prometida em casamento por seu pai Creonte
ao rude, perverso e indesejado apicultor chamado Arideo (ou Eristeus,
segundo Virgilio).
E tal é a sua amargura
e desespero, que ela cogita fugir da casa paterna, embrenhando-se na temível
floresta próxima.
Nesse ponto, o Coro –
como nas representações tradicionais das “Tragédias Gregas” – adverte-a sobre
os riscos existentes na mata, povoada por animais ferozes e por Seres malignos.
Porém, as advertências
do Coro não lhe amedrontam e entoando a ária “Filomena Abbandonata”, diz ser
preferível lançar-se à sorte de que se conformar com o horrível matrimônio a
que foi destinada.
Assim, tão logo termina
a canção, passa da intenção à ação e entra resolutamente no sombrio bosque, mas
a sua jornada pouco prospera, pois logo alguns Seres malignos agarram-na.
Dois Coristas que a
seguiam assistem apavorados ao ataque e gritam por socorro e, presto, chega ao
local o célebre Orfeu que, ante a
fúria dos raptores, saca de sua lira – sonoramente representada por uma harpa
barroca – e através de seu canto sedutor, “Rendete a questo seno”, consegue
amansar os instintos diabólicos das nefastas criaturas que, então, libertam Eurídice.
O Coro volta à cena e
enquanto presta justa homenagem à coragem do jovem poeta, o casal se dirige ao
Palácio de Creonte em busca de sua
benção e de seu consentimento para namorarem e se casarem, haja vista que o
amor os tocou, desde aquele primeiro encontro.
E assim se encerra a
primeira cena.
A segunda cena é
encenada na réplica do salão do trono, no Palácio de Creonte.
Ali, ansioso, o
soberano pergunta aflito sobre a sua filha, pois não a vê há algum tempo. Um membro
do Coro se adianta e relata a amargura da moça com o casamento forçado, o seu
desespero, a sua fuga para a floresta, o ataque que sofreu e, por fim, relata
como ela foi salva pelo nobre Orfeu. Em seguida, também narra a paixão que os
atingiu tão logo se viram.
Ainda que lhe custe
descumprir a promessa feita a Arideo, o soberano sente-se tocado pelo amor do
casal e através da ária “Il Pensier Sta Negli Oggetti” diz que nada pode mudar
os desígnios do Destino, concordando, portanto, com as núpcias de sua amada
filha com o belo Orfeu.
Assim, após
abençoá-los, retira-se com o resto da Corte e Eurídice e Orfeu ficam sós em
cena, entoando um romântico Dueto que encerra o primeiro ato.
§§§
O segundo ato é
encenado em um bosque florido onde um Coro de “Amorini Divini”, angélicas figuras
assemelhadas ao Cupido, circundam os jovens noivos que trocam juras de amor
eterno.
É um momento de paz e de
felicidade, mas um súbito estrondo quebra a harmonia reinante, fazendo com os
“Cupidos” fujam apavorados, enquanto Orfeu deixa a sua amada e vai investigar a
origem daquele som estranho.
Nesse momento,
aproveitando de sua solidão, um cúmplice de Arideo tenta raptar Eurídice, já
que o apicultor não consegue admitir ter sido preterido por outrem e busca
vingar-se a qualquer preço.
Contudo, não obstante o
susto e o medo, a jovem consegue escapar da primeira investida e corre desesperadamente
pela floresta, mas, então, por obra do azar, pisa em uma víbora peçonhenta que
lhe pica e inocula um veneno letal.
A ação do veneno não
demora e em poucos segundos ela cai ao solo e antes de expirar pela última vez
entoa a magnífica ária que se inicia com os famosos versos “Del mio core”.
Ao regressar, Orfeu se
depara com a horrenda visão de sua amada morta e toda a angústia que lhe assalta
fica patente na sentida ária “Dove quel alma andace” que ele, tristemente,
entoa.
Nesse ponto, a segunda
cena volta a ser ambientada no Palácio de Creonte, onde um integrante do Coro
informa ao soberano o trágico acontecimento, arrancando-lhe doloridos suspiros,
típicos de um pai arrasado. Num segundo momento, porém, ao tomar conhecimento
da culpa de Arídeo para o infausto desfecho, jura vingar-se do mesmo, através
da vigorosa ária “Mai non sai inulto”, que é soberbamente acompanhada por um
naipe de trompetes.
E com isso o segundo
ato é encerrado.
§§§
O terceiro ato tem como
cenário o prado onde fica o túmulo de Eurídice.
Um Coro de homens e de
donzelas lamenta o desaparecimento da bela princesa, enquanto em um dos lados,
Orfeu expressa com um choro sofrido a enorme amargura e o infinito desespero
que lhe dilaceram a alma.
E tamanha é a sua dor
que o próprio pai Creonte se compadece de seu estado e busca consolar-lhe através
de uma suave ária.
Assim, fecha-se a
primeira cena.
A segunda cena é
encenada na réplica de uma caverna.
Ainda tomado pela dor e
pelo desespero, Orfeu se queda frente à entrada do negro abismo, disposto a
descer ao “Mundo Inferior” para resgatar a sua inesquecível amada.
Delirante, clama aos
deuses e invoca Sibila – a deusa dos abismos – a quem implora o necessário
auxílio para chegar à “Última Morada”.
Nesse momento, ouve-se
um grande estrondo no interior da caverna e logo depois aparece um Gênio do
“Reino da Morte”.
Orfeu conta-lhe a sua
desventura e o seu desejo de resgatar Eurídice e o faz com tamanha sensibilidade
que comove até ao Gênio; que, admirado de sua coragem e da extensão de seu
amor, oferece-se, através da belíssima ária “Al tuo seno fortunatto” para
guiá-lo em sítios tão sombrios. Todavia, antes que a jornada de ambos se inicie,
ele aconselha ao amante fervoroso que se conforme com os desígnios do Destino,
pois até os deuses são subjugados por suas diretivas.
Mas nada pode
interromper a ânsia de Orfeu e enquanto eles se preparam para a longa descida,
o Coral entoa o célebre hino “La Giustizia”, em louvor à justiça que é feita a
quem soube amar de modo tão puro e sincero, cativando, com isso, até a compaixão
dos entes divinos.
E desse modo o terceiro
ato é encerrado.
§§§
O quarto ato é encenado
inicialmente na réplica de uma das margens do famoso rio infernal, o Lete, onde
os mortos esquecem-se da vida terrena.
O Coro entoa o
lamentoso hino das almas penadas, “Infelici ombre dolenti” que conta o
sofrimento dos mortos que penam durante um século antes de serem aceitos na
outra margem.
É um quadro triste,
pesado e é nesse lúgubre ambiente que chegam Orfeu e o Gênio que lhe guia.
Instantes depois embarcam na canoa de Caronte (Charon, para alguns autores)
e atravessam da “margem dos (semi) vivos” para a “margem dos mortos”.
Ao chegarem são
brutalmente atacados pelas “Fúrias”, que entoando o fero Coro “Urli Orrendi” impedem
que desembarquem.
Todavia, apesar de todo
o horror que vem enfrentando, Orfeu não se intimida e sacando de sua lira
produz uma música tão doce e suave que até as Fúrias se acalmam e, contrariando
a tudo que já se viu no Inferno, louvam as virtudes do Amor.
E como se tal não
bastasse, todos os outros Seres malignos se rendem àquela sedução. Por fim, o
próprio Plutão, deus dos Infernos,
acaba sendo convencido por Orfeu a libertar Eurídice e, assim, consente que
ambos saiam do “Reino das Sombras”, desde que Orfeu se comprometa a não olhar
os olhos de sua querida até que assomem à superfície.
Um breve balé é dançado
pelos “Espíritos” e dentre eles, Orfeu reconhece a sua Eurídice. Retirando-a do
grupo, narra-lhe parcialmente os acontecimentos e a jovem, feliz por ignorar a
sua real situação, adianta-se pelo caminho à frente do amado. Seguem, pois, por
algum tempo, mas um descuido leva Orfeu a mirar-lhe os olhos e por quebrar a
promessa, o gênio os abandona à própria sorte.
Na sequência imediata,
Eurídice perde o brilho dos olhos e desfalece. Orfeu, então, compreende que
agora a perdeu definitivamente e só lhe resta a imensa amargura que expressa ao
entoar a ária “Perduto un altra volta”, encerrando a primeira cena.
A segunda cena volta a
ter como cenário a rochosa praia do primeiro ato.
Após retornar à
superfície, Orfeu refugiou-se de todos e tudo naquele sitio afastado, onde
amarga a sua solidão e a sua imensa tristeza.
Perdido nesses tristes
pensamentos e sentimentos, ele custa a perceber a aproximação de um grupo de “Dionisíacas (Bacantes, segundo o plagio romano)”
que insistem em levá-lo para participar de uma de suas orgias.
Mas Orfeu se recusa a
segui-las com certa rispidez, pois além de Eurídice nenhuma outra mulher pode
lhe interessar.
Porém, tal recusa não é
aceita pelas mulheres que se sentem insultadas pelo Poeta. Ardilosamente
disfarçam a ira que passaram a sentir por ele e matreiramente ofertam-lhe uma
beberagem, que ele toma com visível prazer sem perceber o gosto do veneno que
nela foi adicionado.
Pouco tempo depois,
está morto o “Sedutor das Feras e dos Homens”.
Em histérico frenesi as
Dionisíacas festejam a vingança concretizada, mas, como um castigo do Olimpo,
uma violentíssima tempestade desaba, afogando a todas elas e formando uma
poderosa corrente que leva o corpo inerte do “Cantor dos deuses” até a Ilha de
Lesbos, onde, enfim, encontrará paz.
É o fim da Ópera.
Histórico
Haydn
é mais conhecido como compositor sinfônico e instrumental e até chegou a ganhar
o epíteto de “Pai da Sinfonia”.
Mas ele não escapou da
sedução do gênero operístico e além das mais de cem sinfonias que compôs,
também são de sua lavra cerca de doze óperas, ou, em suas palavras: “músicas
para ação teatral”.
A presente obra, “Orfeu
e Eurídice”, de 1791, foi a sua última Ópera, mas a estreia da mesma foi barrada
por uma série de contratempos.
Encomendada pelo famoso
empresário Johann Peter Solomon,
sofreu com uma vasta gama de intrigas e outros empecilhos que impediram o evento;
e que o próprio Haydn a assistisse, já que ele morreu antes de sua apresentação
completa e acabada.
Apenas em 1950, cinco
anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, é que musicólogos e pesquisadores da
“Haydn Society”, de Boston, EUA, sob a liderança de H.C. Hobbins e do Dr.
Hellandon M. Wirth compilaram os diversos fragmentos alocados na Biblioteca
do Estado da Prússia; nos Arquivos Esterházy de Budapeste, Hungria e trechos
avulsos da Casa Breitkopf e Hartel, Alemanha; e resgataram a grandiosa unidade
da obra original.
A recuperação e a
reconfiguração da Ópera foi um trabalho inestimável para o Mundo da Arte e da
Cultura e uma reafirmação da magnificência da grande “Tragédia Grega”.
Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.
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