Autoria: Bellini,
Libreto: Felice Romani
Personagens
Norma
– Grã Sacerdotisa Druida. Interpretada por uma Soprano.
Pollione
– Pró Cônsul romano. Interpretado por um Tenor.
Adalgisa
– Virgem do Templo. Interpretada por uma voz Contralto.
Oroveso
– Sacerdote Supremo Druida. Interpretado por um Baixo.
Flavio
– Centurião romano. Interpretado por um Tenor.
Clotilda
– confidente de Norma. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Local
e Época
Gália (França atual) c.
50 AEC.
Enredo
O primeiro ato é
encenado na reprodução do “Bosque sagrado dos Sacerdotes Druidas” que exercem o
governo espiritual dos Gálios (atuais franceses), então sob o
domínio da Roma Imperial. Ao centro, avista-se o majestoso “Carvalho Sagrado” e
sob ele o “Altar Ritual”. Também se vislumbra a presença de inúmeros parasitos
nos galhos da árvore, os quais serão expurgados em cerimônia mística, que só
ocorrerá quando as profecias se realizarem.
A baixa iluminação
indica ser noite, mas mesmo entre as sombras é possível vislumbrar a inquietação
do povo em sua ânsia de se libertar do jugo romano. Apenas, o respeito que tem
à liderança dos Sacerdotes, a quem caberá decidir o início da revolta, é que
lhes impede de agir.
Pouco depois, uma
solene procissão avança pela cena, tendo à frente os orgulhosos guerreiros
gálios e logo atrás os Druidas, liderados pelo Sumo Sacerdote Oroveso.
Chegando ao centro do
altar, ele ordena que seus auxiliares subam as colinas próximas para avisarem do
surgimento da Lua, o sinal que dará início ao ritual de expurgo dos parasitas
da árvore sagrada e da profecia em relação ao destino da Gália.
Inicialmente ele invoca
o deus “Irminsul”, rogando-lhe ajuda
para expulsar os invasores. Em seguida, finaliza o ritual preliminar vibrando o
grande escudo de bronze, que representa aquela divindade, e a cena se esvazia.
Nela, pouco depois,
dois jovens romanos adentram furtivamente: Pollione,
o Pró Cônsul (governador da ocupação)
e o seu fiel amigo Flavio,
centurião. Ambos se movem pelo local com cautela, pois Flavio insiste que Norma – a alta sacerdotisa Druida –
avisou-os que o bosque é um local sagrado e que a entrada no mesmo é
considerada um sacrilégio, passível de ser punido com a morte.
Pollione, casado
secretamente com essa mesma Norma, não desconhece o perigo que corre, mas aos
riscos ele está habituado, já que além de seu casamento proibido com Norma, ele
é o pai de seus dois filhos. Ao perigo, pois, está exposto tanto por ter
“traído” Roma, quanto por ter desposado uma “Alta Sacerdotisa”, tornando-a
“impura”.
Norma, obviamente,
também corre sérios riscos, pois além de ter quebrado seus votos, casou-se com
o inimigo odiado.
É, em suma, um amor que
venceu grandes desafios, mas que surpreendentemente está prestes a ruir, pois
Pollione confessa ao amigo Flavio que se apaixonou por outra mulher, a bela Adalgisa e que já não ama a esposa, a
quem nada contou por temer que ela se vingue cruelmente da jovem.
Nisso, os vigias nas colinas
dão o sinal de que a Lua surgiu e como os dois romanos sabem que os Druidas
retornarão ao bosque, apressam-se em fugir.
Na sequência, uma Marcha
religiosa indica que os oficiantes da cerimônia estão próximos. À frente vem a
Grã Sacerdotisa Norma trazendo uma foice de ouro para que sejam cortados os
ramos infestados no “Carvalho Sagrado”.
É uma cena
deslumbrante. Efeitos de luz simulam os raios de luar incidindo em sua fronte,
enquanto ela entoa a mais célebre ária da Ópera, “Casta Diva”, e anuncia solene:
“O destino de Roma está nas mãos dos
deuses e quando Roma chegar ao fim não o terá chegado pelas forças externas, e
sim pelas forças de destruição geradas dentro da própria Roma”.
Depois, anuncia ao povo
que quando chegar a hora da revolta, ela, pessoalmente, dará o sinal. A massa
grita com entusiasmo e jura vingar-se primeiramente de Pollione, o detestado
Governador romano.
Logo depois desse
momento de catarse, a cena se esvazia, exceto pela jovem Adalgisa que se
ajoelha em frente ao altar e implora que os deuses a libertem do amor que sente
pelo Pro Cônsul e que julga equivocado. Em seguida, Pollione abandona o esconderijo
em que estava e, enlaçando-a, jura-lhe amor eterno e propõe fugirem juntos.
A princípio ela o
repele, mas vencida pela paixão, aninha-se em seu peito e diz que o seguirá
incondicionalmente. Ambos, então, cantam o romântico Dueto “Vieni in Roma” e
combinam escaparem na noite seguinte.
É o fim da primeira
cena.
A segunda cena se
desenvolve na tosca habitação de Norma: uma despojada caverna, revestida com o
couro de animais selvagens.
Ali, acompanhada por
seus dois filhos, ela conta a Clotilda
de sua preocupação com o chamado que Polônio recebeu de Roma, pois teme que ele
a abandone, assim como teme que o casamento e os filhos sejam descobertos por
seu povo, o que ocasionará terríveis consequências para todos.
Nesse momento um vulto
assoma à porta e ela só tem tempo de pedir que Clotilda esconda as crianças.
É Adalgisa, que oscila
entre o entusiasmo do amor e a culpa que sente por ter quebrado os votos. Veio
para se confessar com a Grã Sacerdotisa e pedir-lhe a dispensa do sacro
juramento.
Norma, tendo em mente o
seu próprio amor, acolhe-a com bonomia e a absolve de toda culpa, desejando-lhe
êxito em sua partida para outras terras, com o homem amado. Por fim, indaga-lhe
quem é o escolhido e quando Adalgisa vê Pollônio chegar, diz que é ele, sem
sequer imaginar que se trata do marido da outra.
A surpresa desfigura o
semblante de Norma e, ensandecida, ela acusa Pollônio de trair-lhe e, também,
aos filhos. Depois, selvagemente, volta-se contra Adalgisa e diz que o marido é
um crápula, duplamente culpado por ter traído a ambas.
A jovem, por sua vez,
aos poucos se recupera do choque que também experimentou e assegura a Norma que
diante dos fatos, o seu amor por Pollônio foi substituído pelo mais profundo
ódio e desprezo.
Pollione desespera-se
com a atitude de Adalgisa e implora que ela não o deixe. Tenta segurá-la, mas
ela se lança nos braços de Norma, que, no auge de sua fúria, expulsa o Procônsul
entoando a vigorosa ária “Vanne, si mi lascia, indegno...”.
Todavia, do alto de sua
arrogância de conquistador de terras e de mulheres, ele não se dá por vencido e
cinicamente desafia a ex-esposa, mas, nesse momento, ouve-se tocar o “Gongo de
Irminsul” convocando os Druidas ao Templo.
Abraçadas, Norma e
Adalgisa seguem para o ritual enquanto Pollônio, transbordando de rancor, deixa
a cena.
É o fim do primeiro
ato.
§§§
O segundo ato começa na
réplica de um aposento da caverna onde Norma reside.
Dormindo o sono dos
inocentes, as crianças não despertam com a chegada da mãe, que traz expressa no
semblante toda a dor que lhe corrói a alma.
Após olhá-las
longamente, num misto de ternura e de tristeza, ela saca um longo punhal e
dirige-se aos filhos dizendo: “melhor
para eles morrerem, que viverem como escravos em Roma”.
Porém, antes de lhes
dar o golpe fatal, o amor materno grita mais alto e a impede de cometer o bárbaro
infanticídio. Então, como se saísse de um transe horrendo, ela se ajoelha e
pede perdão aos deuses e às crianças pela insanidade que esteve prestes de
cometer.
Nisso, ouvindo o seu
choro convulsivo, os pequenos despertam e ela pede que Clotilda traga-lhe
Adalgisa a quem pede que entregue os filhos a Pollônio, o pai.
Adalgisa pressente que
por trás daquele pedido está a intenção de Norma cometer suicídio e, por isso,
recusa-se a cumprir a solicitação e roga-lhe que não consume mais uma tragédia.
Contudo, Norma insiste para que ela se vá e, novamente, Adalgisa retruca,
cogita ir ao acampamento romano para pedir que Pollônio volte para a esposa e
filhos e, por fim, coloca à sua frente os filhos ajoelhados, enquanto é entoando
o Dueto “Mira, o Norma”, que roga à mãe que contemple os pobres meninos e poupe
a sua vida por eles.
É um apelo por demais
dramático e Norma não consegue resistir-lhe, abandonando o seu mórbido intento.
E, desse modo, a
primeira cena é encerrada.
A segunda cena é encenada
na reprodução de uma caverna onde estão reunidos vários guerreiros Gálios,
ansiosos para lutarem contra os romanos. Ali se reuniram para planejarem a
expulsão dos odiados invasores e só aguardam a autorização dos Sacerdotes
Druidas, para tanto.
Pouco depois, chega
Oroveso, o Sumo Sacerdote, cuja fisionomia carregada indica que porta más
notícias.
E, de fato, a sua
primeira fala é para dizer que o Pro Cônsul Pollônio foi chamado de volta a
Roma e que o seu sucessor será ainda mais cruel.
Os guerreiros se agitam
e perguntam-lhe o que a Sacerdotisa Norma falou a esse respeito, mas Oroveso só
tem a lhes dizer que, por hora, ela ainda não autorizou o ataque, malgrado todo
o ódio que sente pelo maldito invasor. Pede-lhes, depois, que mantenham a falsa
aparência de resignada submissão, pois isto é que lhes dará a vantagem da surpresa,
quando for o momento de liquidar e expulsar o estrangeiro infame.
É o fim da segunda
cena.
A terceira cena é
ambientada na reprodução do Templo do deus Irminsul. Nele, Norma aguarda
ansiosamente o retorno de Adalgisa que foi tratar com Pollione da guarda das
crianças e, indiretamente, da reconciliação do casal.
Porém, quem primeiro
chega é Clotilda que lhe conta do insucesso da jovem Sacerdotisa em sua
tentativa de reaproximá-la do marido, já que ele tornou a jurar-lhe eterno
amor, implorando que ela o acompanhasse a Roma. Chegou até a forçá-la
fisicamente e só a muita custa, ela conseguiu escapar e refugiar-se noutra
dependência do Templo.
O comportamento de
Pollione decepciona e enfurece Norma ainda mais. Tomada por extremo ódio,
deixa-se levar pela impulsividade e ordena que o “Gongo de Irminsul” seja
vibrado por três vezes, conclamando todos os Gálios para a guerra contra os
invasores.
E uma grande massa
belicosa atende ao seu chamado, tendo Oroveso à frente. Está armado o cenário
para a bestialidade.
O Sumo Sacerdote indaga
a Norma o motivo da convocação e ela confirma que é chegada a hora de se
guerrear. O povo responde exaltado, sedento por sangue e vingança.
Oroveso também se
inflama, mas com um resto de racionalidade, lembra-lhe que ainda não se fez o sacrifício
ritual no altar, o que é indispensável em momentos tão grave quanto aquele.
Norma aceita a
observação e diz que será feito no momento adequado. Do lado externo a malta aguarda
inquieta a ordem final.
Nisso, Clotilda entra
no Templo e avisa que o “Bosque Sagrado” fora profanado por Pollione e que ele,
nesse momento, está sendo conduzido preso à presença da Sacerdotisa.
Pouco depois, os
guardas introduzem-no no átrio e ele, arrogante como de hábito, livra-se das
amarras guardas e se posta em frente a Norma, numa atitude de claro desafio.
Oroveso saca o punhal
ritual e dirige-se a ele com a intenção de matá-lo, mas Norma o detém e avança
pessoalmente contra o seu ex-marido; porém, antes de atingi-lo faz uma pausa
dramática e pede que todos se retirem, pois ela quer interrogar o cativo acerca
de seus objetivos e motivos para profanar o “Bosque”.
A sós, ela diz que se
ele jurar que nunca mais procurará Adalgisa ela o libertará, mas ele recusa a
oferta, deixando transparecer na voz embargada todo o amor que sente pela
jovem. Em seguida, parcialmente recomposto, diz, altivo: “Não! Nada lhe prometerá, mesmo que ela ameace matar aos filhos de
ambos!”. Depois, todavia, mostrando-se mais pai que guerreiro, implora-lhe
humildemente que não faça mal às crianças, pois elas são vitimas inocentes. Que
ela se contente em assassiná-lo e poupe os pequenos.
Humilhada por ter se
rebaixado de novo e pela postura digna de Pollônio, Norma ainda tenta uma ultima
cartada e lembrando-o de sua condição de Grã Sacerdotisa, diz que deverá
realizar o sacrifício ritual e que a vitima será Adalgisa.
Pollônio sente o golpe
terrível e volta a implorar que ele mate apenas a si e deixe que todos os
outros inocentes continuem a viver, mas Norma recusa, dizendo que assistir à
morte de sua amada ser-lhe-á mais doloroso e que, assim, ela se sentira melhor
vingada.
Na sequência, entoa-se
o Dueto “In mia man alfin tu sei (Enfim estás em minhas mãos)”
e ela volta ao Altar, onde permanece em atitude vingativa e cruel, enquanto o
povo atende a sua nova conclamação.
Com voz solene e
postura marcial, ela anuncia que a vitima do sacrifício já foi escolhida, sendo
uma “sacerdotisa que foi falsa em seus votos”.
Iracunda, a multidão
pede que ela identifique a traidora e Pollione, submerso em angústia, suplica
que ela tenha clemência de Adalgisa. Que não seja tão vingativa.
Nesse momento, a
plateia é surpreendida com uma reviravolta inesperada, pois Norma atira longe
as suas insígnias de Grã Sacerdotisa e diz ser ela a “Sacerdotisa Pecadora”.
O espanto é geral e
atinge a todos, já que o seu comportamento anterior não sinalizava que ela fosse
ter uma atitude tão digna.
Jogando por terra a
“Grinalda Cerimonial” ela pede que seja feita a fogueira para o seu sacrifício
e dirigindo-se a Pollônio diz que ainda o ama, como sempre amou.
Ele, por sua vez,
responde-lhe dizendo que agora consegue ver que o seu sentimento por Adalgisa
foi apenas um encantamento passageiro, um deslumbramento momentâneo e que ela,
Norma, é, sim, o seu amor verdadeiro.
Entrementes, Oroveso e
outros Druidas do alto escalão tentam convencer Norma de que a sua atitude foi
irracional, motivada apenas pelas pressões e que, por isso, ela deve voltar
atrás em suas decisões, já que nela reside a reserva moral, patriótica e
libertária que faz dos Gálios, o povo altivo que é.
Norma, porém, não lhes
dá atenção e insiste em assumir a culpa, haja vista que os seus atos contrariaram
a todas as Leis do Sacerdócio Druida e à confiança dos galeses. Que ela,
portanto, arque com os merecidos castigos. Em seguida implora que Pollônio
cuide dos filhos que tiveram, mas ele, ao contrário, diz que a acompanhará na
morte, pois a culpa também é sua.
Nesse ponto a pira
sacrifical é concluída. Norma abraça e despede-se do pai Oroveso e aceita que
lhe cubram a cabeça com uma negra mortalha, enquanto os Sacerdotes entoam
fúnebres cânticos e hinos, que celebram o fogo que haverá de purificar o Templo
Sagrado.
Então, abraçados, Norma
e Pollione caminham resolutamente em direção ao fogo e sem qualquer hesitação
entregam-se às chamas devoradoras. Já não são inimigos, apenas um homem e uma
mulher que viveram e morreram por amor.
É o fim da Ópera.
Histórico
Vincenzo
Bellini viveu apenas trinta e quatro anos, mas a sua breve
existência foi altamente produtiva, como bem atestam as onze magníficas óperas
que compôs.
“Norma” foi a oitava e,
seguramente, a que mais glória e reconhecimento lhe trouxe, desde que estreou
no Teatro Alla Scala, de Milao, em 1831.
A profusão de elementos
melódicos sublimes - especialmente as Fanfarras guerreiras e os Coros dos
Sacerdotes Druidas e os dos Guerreiros gauleses; os belíssimos efeitos do Coral
e os cenográficos e o empolgante enredo conquistaram desde o primeiro minuto a
simpatia do público e as graças da Crítica, que logo a classificou com uma das
mais belas “Tragédias Líricas” que já haviam sido produzidas.
O libreto de Felice Romani, que tanto contribuiu
para esse sucesso, foi feito a partir de uma peça de Alexandre Soumet, que estreara um ano antes, 1830, e que contava as
ânsias e as lutas dos Galos (gálios, gauleses, franceses)
contra o invasor romano; tema de apelo universal, pois não há quem não
simpatize com as lutas pela liberdade e pelo fim da opressão.
Atualmente a Ópera
conserva a sua condição de favorita o público e, por isso, é encenada com a constância
adequada a sua grandiosidade.
São Paulo, 26 de Agosto
de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno
de 2015.
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