Autoria
– Leoncavallo (Ruggero – 1857-1919 – Itália).
Libreto
– idem
Personagens:
Cânio – o
proprietário e Palhaço principal de um pequeno circo. Interpretado por um
Tenor.
Nedda – a
esposa de Cânio. Interpretada por um
Soprano.
Silvio –
aldeão que mantém um romance clandestino com Nedda. Interpretado por um
Barítono.
Tonio – outro
palhaço do circo. Interpretado por Barítono.
Beppe –
artista do circo. Interpretado por um Tenor.
Época
e local
Montalto, aldeia na
Calábria, meados de 1870.
Prefácio
É possível ser moderno
utilizando-se uma técnica de milênios atrás?
No caso dessa Ópera,
sim! Afinal, o que é clássico transcende o tempo.
E foi com essa genial
intuição que Ruggero Leoncavallo
inseriu em sua obra um recurso utilizado pelos antigos dramaturgos gregos: o
prólogo.
Antes que as cortinas
sejam descerradas, um integrante do circo apresenta-se à plateia e se autonomeando
de “Prólogo” diz textualmente: “venho
trazer uma explicação e uma advertência... os risos e as lágrimas que vereis
são verdadeiros, embora pareçam falsos... esqueçam as vestes da história e
tenham presente na alma, o sentimento que os invade... o conceito vos disse, e
agora ouvi como se desenvolve”.
Como se disse, um
recurso milenar que o autor do libreto e das músicas usou para quebrar a monotonia
do padrão vigente e, por isso, moderno. E, clássico, por atuar como provocador
e fomentador dos mais profundos sentimentos humanos.
A grandiosidade da
obra, aí se inicia.
Enredo
Quando as cortinas são,
enfim, abertas, não é raro que a plateia sinta-se transportada duplamente: tanto
para o local que o cenário reproduz, quanto pra a sua própria infância, já que
o Circo, em geral, é a primeira impressão artística que se fixa na mente
humana, mesmo que atualmente haja uma enxurrada de diversões virtuais e
eletrônicas, pois estas ainda recorrem costumeiramente à magia dos picadeiros,
com seus herois acrobatas, voadores, cômicos etc. para urdirem os seus temas e
enredos.
Assim, o espetáculo já
se inicia com sua característica principal: a emotividade em máxima escala. E
essa mesma carga emocional realça e acentua os outros encantos do espetáculo,
cujas apresentações são constantes em todos os países, assim como os aplausos
que a saúdam. É, realmente, um espetáculo patético (ie. que toca, enternece o coração)
e que faz jus ao apreço que lhe é dispensado.
E o primeiro ato se
inicia com a chegada do circo à aldeia calabresa, que logo é inundada por sua propaganda.
Anuncia-se com música e vestes coloridas a grande estreia para aquela mesma
noite.
Pouco depois, avista-se
o carro em que vive a estrela da companhia, a bela Nedda, esposa de Cânio. Em
seguida, ela aparece junto à escada e o palhaço Tonio apressa-se em lhe oferecer a mão para ajudá-la a descer.
Um gesto que poderia
ser classificado como elegante e gentil, mas que Cânio julga insolente e mal
intencionado, recriminando asperamente a Tonio, pelo “atrevimento”.
Os populares que
acompanham a montagem do espetáculo riem da cena, imaginando que é uma galhofa
entre eles; porém, entre dentes, o palhaço ressentido jura vingar-se das
humilhações que o diretor sempre lhe impõe.
Cânio, por seu lado,
dirige-se aos populares que riram d cena e os adverte da enorme distância que
existe entre a ficção e a realidade.
Depois, estando
sozinha, Nedda entoa uma ária belíssima na qual exprime o temor que sente pela
personalidade violenta do marido. Contudo, a sua paúra é logo substituída pela
contemplação da esplêndida e calma tarde ensolarada, que lhe traz uma sensação
de calma e de felicidade inabituais.
Tonio, ainda ressentido
com Cânio, ouve-a extasiado e cautelosamente deixa o esconderijo em que se
ocultara e declara o grande amor que lhe tem.
Ela, no entanto,
limita-se a zombar do sentimento do infeliz e lhe diz para guardar seus
arroubos românticos para a representação teatral de logo mais.
Mais que as ofensas de
Cânio, o desprezo de Nedda o fere e ele jura vingar-se também dela,
afastando-se em seguida.
Sozinha novamente,
Nedda recebe, alegremente assustada, a visita do aldeão Silvio e finge censurar-lhe
a imprudência de procurá-la ali. Porém, o amor que ela lhe dedica logo afasta
qualquer preocupação e toda cautela e, entre beijos e carinhos ardentes, ambos
ultimam os planos de fugirem, logo após o espetáculo dessa noite.
Todavia, o descuidado
comportamento dos amantes tem um preço, pois Tonio os vigia e escuta os planos
que urdiram. Assim, desejoso de vingar-se do desprezo com que Nedda o tratou,
não hesita em chamar Cânio, para ele também presencie a traição que está sofrendo.
Afobados, ambos se
apressam, mas ao chegarem Silvio já se fora e não é possível ao marido comprovar
a infidelidade da esposa.
Para o palhaço
rejeitado resta a frustração por não ter podido retaliar e para o marido
enganado sobra a dor e a amargura de se saber rejeitado. E a elas, sobrevém uma
imensa raiva e um insano desejo de se vingar.
Contudo, já se aproxima
a hora do espetáculo e ele tem que sufocar a dor e o ódio que lhe dilaceram a
alma e fingir uma serena felicidade. É, então, que entoa a celebérrima ária
“Vesti La Giubba” com a qual se encerra o primeiro ato.
§§§
O segundo ato é
encenado na réplica do circo, momentos antes de a função ter início.
Como de hábito, Nedda
cuida da bilheteria e entre um e outro pagante, confirma com Silvio a fuga de
ambos, logo após o espetáculo.
Instantes depois tem
início a pantomima onde Nedda representa uma Colombina; Cânio, o Palhaço, seu
esposo; Beppe, um Arlequim e Tonio, um pajem chamado Taddeo.
No decorrer da
representação, Taddeo oferece uma rosa à Colombina e declara o amor que lhe
tem, mas ela o repele sarcasticamente, dizendo que o seu coração já pertence ao
galante Arlequim, que está ao seu lado. Nisso, o Palhaço, marido da Colombina,
entra em cena e ao perceber a fuga do Arlequim exige que a esposa revele a sua
identidade e qual a relação entre eles. Ela, porém, recusa-se obstinadamente e
a tensão domina o ambiente.
Uma trágica história
ficcional que repete pari passu os
tristes momentos que a troupe vem vivendo na vida real. Uma mescla de realidade
e ficção que abala Cânio de tal modo que ele acaba confundindo as situações e
ao invés de se ater ao texto original, deixa as suas emoções fluírem com tal
intensidade que o público o aplaude com singular intensidade, crente de estar
presenciando a uma magnífica performance teatral.
E nesse crescendo de
exaltação, ciúme, mágoa e fúria, Cânio não se contém e atinge Nedda com um
golpe brutal, prostrando-a mortalmente.
Então, os aplausos do
público se transformam em gritos de pavor e do meio do tumulto eleva-se a voz
de Silvio que brada contra o assassino enquanto corre para o picadeiro na
tentativa de socorrer a sua amada. Mas o seu esforço é vão, pois Cânio o mata
com a mesma arma utilizada em Nedda.
Há um momento de
estupor e o silêncio povoa todo o teatro. Prostrado, Cânio deixa-se à
disposição de quem o queira punir e enquanto olha para o vazio, exclama: “La Commedia é finita!”.
É o fim da Ópera.
Histórico
Segundo a tradição, o
tema central da Ópera é derivado de um caso real, contado pelo pai do autor,
que durante algum tempo foi Juiz de Direito numa pequena vila e presidiu o
julgamento de um proprietário de circo que matou a esposa infiel, após flagrar-lhe
com um habitante local.
Essa característica
contribuiu enormemente para que a obra se tornasse uma das mais significativas
da chamada “Corrente Verista (de vero, verdadeira)”,
cujos argumentos sempre trazem fatos reais, ainda que sejam duros, cruéis,
amargos.
Leoncavallo escreveu o
libreto dentro dos parâmetros dessa tendência e teve no editor Sonzogno o seu primeiro incentivador,
cuja admiração foi fundamental para que o espetáculo se materializasse.
A estreia aconteceu no
Teatro Dal Verme, em Milão, dois anos depois do enorme sucesso da “Cavalleria
Rusticana (ver
ensaio)” de Mascagni.
E tal como a
antecessora, “Pagliacci” logo obteve um grande êxito de Crítica e de público,
tanto em suas apresentações solos, quanto nas ocasiões em que foi apresentada
em conjunto com a obra de Mascagni, sob o argumento de serem ambas da “Escola
Verista”.
Atualmente, é uma das
mais conhecidas e continua a desfrutar de muito prestígio em todos os segmentos
sociais, pois além de sua própria grandiosidade, o seu tema é particularmente
caro a todos com um mínimo de sensibilidade.
Rio de Janeiro, 15 de
julho de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.
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