Autoria
–
Donizetti, (Domenico Gaetano Maria – 1797-1848 –
Itália).
Libreto
– Salvatore Cammarano.
Personagens:
Lucia di Lammermoor – Protagonista.
Interpretada por uma Soprano.
Edgardo de Ravenswood –
Protagonista. Amado de Lucia. Interpretado por um Tenor.
Lorde Enrico Ashton
Lammermoor – irmão e tutor de Lucia. Interpretado
por um Barítono.
Raimondo
– Capelão. Interpretado por um Baixo.
Lord Arturo Bucklaw
– Rico e poderoso nobre, escolhido para ser o marido de Lucia. Interpretado por
um Tenor.
Normano
– chefe da guarda florestal. Interpretado por um Tenor.
Alisa
– companheira de Lucia. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Época
e Local
Escócia, século XVIII.
Enredo
O primeiro ato tem como
cenário a réplica de um campo nas proximidades do arruinado castelo da outrora
poderosa família Ravenswood, cuja
visceral inimizade com a família Lammermoor
é proverbial. Pelas imediações, vaga o jovem Edgardo, o único sobrevivente do clã, após a morte do patriarca que
faleceu em negra miséria por ter sido despojado de seus bens por políticas de
Estado.
Noutro ponto da cena, já
em sitio dos Lammermoor, o público vê um
grupo de caçadores sendo comandado por Lorde
Enrico Ashton Lammermoor, por Normanno
e pelo capelão Raimondo, que goza de
especial consideração de Enrico, por ter sido o seu tutor, assim como, o de sua
irmã, chamada Lucia.
Ali estão para
surpreender um homem estranho que foi visto rondando o local nos últimos dias.
Porém, apesar da busca cuidadosa, nada encontram e decidem retornar ao castelo,
falando sobre o assunto que vem lhes preocupando seriamente nos últimos tempos:
a dificílima situação financeira que todos os nobres veem enfrentando por conta
das disposições da Corte, em Londres.
Para a família
Lammermoor, a crise chegou a tal proporção que apenas o casamento de Lucia com
o milionário e influente Lorde Arturo
Bucklaw pode evitar a bancarrota completa. Um casamento por conveniência,
conforme o hábito da época.
O capelão Raimondo tem
consciência da necessidade do matrimônio, mas não deixa de argumentar que
talvez ainda seja cedo para que a jovem dê aquele passo, pois a recente morte
da mãe dos irmãos, seguramente, ainda abala o estado de espírito da donzela.
Normanno, todavia,
discorda do religioso e de modo zombeteiro e cínico, diz que o luto não a tem
impedido de gozar as delicias do amor. Enrico percebe a ironia e agastado pelo
tom que o guarda-florestal empregou, interpela-o rispidamente, exigindo que ele
conte todos os pormenores que souber a respeito do tema.
E Normanno não se faz
de rogado para revelar que Lucia mantém um romance com o pior dos inimigos de
sua família: o jovem Edgardo. A revelação deixa Enrico transtornado. Cego de
ódio ele jura matar o último Ravenswood, malgrado os apelos que o capelão
Raimondo faz para que ele se acalme e não cometa crime tão hediondo.
E, assim, encerra-se a
primeira cena.
A segunda cena é
ambientada na reprodução de uma fonte nos jardins do castelo Lammermoor.
Sentadas à beira do
chafariz, Lucia conversa com sua amiga e confidente, Alisa, enquanto aguarda a chegada de seu amado Edgardo.
Alisa não esconde da
amiga o seu temor de que Enrico descubra aqueles encontros secretos, pois sabe
que a sua fúria provocará uma tragédia.
Lucia diz sentir o
mesmo medo, principalmente quando está ali, já que o lugar lhe parece lúgubre
desde que ela foi assombrada pelo fantasma de uma mulher da família dos Ravenswood,
que fora assassinada pelo próprio marido. Entoando a ária “Regnava nel
Silenzio”, ela recorda que naquele grande silêncio, apenas a aparição reinava.
Foram momentos de terror, que só terminaram com a chegada de seu querido Edgardo:
“Quando rapito in estasi”.
Pouco depois entra em
cena o jovem Ravenswood que conta à amada de sua breve partida para Paris a fim
de tratar de assuntos do governo escocês.
Uma triste noticia para
Lucia, que já sente uma antecipada saudade. Porém, nada deve impedir que os
interesses do Estado fossem negligenciados e ele a consola lembrando a
exiguidade da separação.
Também diz que se
fartou desses encontros ocultos e tomou a decisão de falar com Enrico Lammermoor
para pedir o seu consentimento para que eles se casem o mais breve possível.
Apesar de ser exatamente
o que a jovem apaixonada desejaria, ela sabe que Enrico jamais faria tal concessão
e que, ao contrário, isso colocará Edgardo em situação perigosíssima. A brutalidade
do irmão lhe é bem conhecida e ela se empenha em fazer com que o amado abandone
aquele nobre intento, pois sabe inexequível qualquer consentimento.
Resta-lhes viver a
felicidade temporária dos encontros furtivos e esperar que um milagre os
favoreça. Resta-lhes confirmar as juras de amor e de fidelidade e celebrar o
mutuo afeto, entoando o belíssimo Dueto “Verrano a te Sull´aure”, que encerra o
primeiro ato.
§§§
O segundo ato é
encenado na reprodução de uma sala do castelo dos Lammermoor. Alguns meses já
se passaram desde a partida de Edgardo para a França.
Fora de cena, Lucia
lamenta a falta de noticias de seu amor, sem imaginar que as cartas que ele lhe
enviou foram interceptadas por seu irmão.
Em cena, Enrico Ashton
Lammermoor conversa com Normanno, o chefe da guarda, sobre o seu plano de casar
a irmã com o nobre e milionário Lorde Arturo Bucklaw, cuja fortuna, importância
social e influência na corte são reconhecidas por todos.
Ele espera, é claro,
que tal cunhado possa franquear-lhe portas importantes, das quais surgirão oportunidades
e meios para que ele resgate a fortuna e o prestígio que a sua família perdeu.
Porém, para que o
matrimônio aconteça será preciso convencer Lucia, que não demonstra ter-se esquecido
de seu amado, nem demonstra disposição para obedecer ao irmão.
É um impasse que Enrico
terá que solucionar com rapidez e para tanto o abjeto e servil Normanno sugere
que se falsifique uma carta, na qual Edgardo comunicaria à Lucia ter-se casado
em Paris e que ela deve esquecê-lo, pois, agora, ele teria encontrado o
verdadeiro amor de sua vida.
Para Enrico o plano é
perfeito e o sórdido Normanno se apressa em redigir o falso texto. Enquanto
isso, Ashton fiscaliza os preparativos para a chegada de Lorde Arturo Bucklaw.
Momentos depois, Lucia
entra na sala. Traz um semblante pálido e visivelmente sofrido.
Enrico não nota esses
sinais de angústia e falsamente gentil elogia o seu porte, a sua elegância, a
sua erudita cultura, a sua beleza e, principalmente, a sua retidão de caráter.
Diz que ela é uma dama que representa dignamente toda a grandeza de sua família
e que, justamente por isso, deverá se casar com um cavaleiro de igual talante,
como lorde Arturo Bucklaw.
Ela compreende que o
seu futuro marido já está escolhido, mas não se conforma e protesta vigorosamente,
apesar das ponderações do irmão, que, ao cabo, implora para que ela concorde
com aquele arranjo, haja vista que apenas dessa maneira será possível evitar a
ruína total.
Por fim, vendo que não
conseguiria convencê-la, ele lança mão da falsa carta, repassando-a a irmã. A
angústia de Lucia só aumenta na medida em que vai lendo. Ao final, a sua
decepção e tristeza transformam o seu semblante em uma máscara de dor.
Nisso, o capelão
Raimondo toma ciência do ocorrido e se põe a consolar a sua tutelada,
aconselhando-a a casar-se com Lorde Arturo, pois um “amor perdido, apenas outro amor cura”.
Entrementes, um toque
de campanhia anuncia a chegada do futuro marido da jovem e os homens vão
recebê-lo. Sozinha, Lucia tenta compreender o porquê da traição de Edgardo.
É o fim da primeira
cena.
A segunda cena
inicia-se com Lorde Arturo sendo recebido com toda pompa, no suntuoso salão do
castelo.
Feliz pela afetuosa
recepção, o ilustre pretendente pergunta a Enrico – que lhe chama de irmão, tentando
estreitar os laços – acerca dos rumores que ouviu sobre um relacionamento entre
Lucia e Edgardo de Ravenswood. O anfitrião responde-lhe que, de fato, o mancebo
tentou cortejar a sua preciosa irmã, mas que foi imediata e vigorosamente
repelido. Diz-lhe, ainda, que não se preocupe com a tristeza estampada nos
olhos e na face de Lucia, pois a sensível donzela, ainda não se recuperou da
perda da mãe de ambos. Que ele não pense que a melancolia da irmã seja
relacionada com o casamento.
Bucklaw dá-se por
satisfeitos com as explicações e ambos trocam algumas amenidades até que Lucia
irrompe em cena, totalmente vestida de branco, amparada por Alisa e pelo
capelão Raimondo.
Disfarçadamente o irmão
ordena-lhe que se controle e que se mostre afável com o seu futuro marido, pois
ela bem sabe o quanto aquele enlace é importante para toda a família. Abúlica,
ela concorda e com a mão trêmula assina o contrato nupcial.
Nesse instante,
escuta-se um grande alarido vindo do fundo da cena. Ao chegar ao procênio,
vê-se que é causado pela entrada de Edgardo, acompanhado por um grupo de amigos
armados.
Ao ver o contrato de
casamento, os trajes de Lucia e os demais preparativos, o jovem Ravenswood
compreende o que aconteceu; e sem saber
que o comportamento de sua amada foi produzido por uma falsidade execrável,
sente reacender o antigo ódio aos Lammermoor em geral e, agora, por Lucia, em
particular.
Nesse instante é
entoado a célebre “Chi mi frena in tal momento (Quem me impede nesse momento?)?”
que acentua o seu desejo de matar Lucia, sem, no entanto, conseguir, porque uma
força indefinida o impede.
Lucia, por outro lado,
também demonstra toda a amargura que sente, pois também se acha traída por ele,
já que acreditou na falsa carta.
É um momento dramático,
pois dois jovens corações são impedidos de viverem as delicias do amor. E a
dramaticidade do momento contagia a Enrico que se vê tomado pelo remorso,
enquanto Alisa, Raimondo e até Bucklaw lamentam os infortúnio da moça.
Nesse ponto, todas as
vozes que estão em cena – criados, guardas, testemunhas etc. – juntam-se na
ária que deplora o sofrimento de Lucia Lammermoor, criando um clima tão tocante
que, não raro, provoca lágrimas e suspiros na plateia.
Contudo, apesar do
clima emotivo, Edgardo pede que Lucia devolva-lhe o anel que sinalizava o comprometimento
de ambos. É a ruptura definitiva.
Ela entrega-lhe a joia
e ele atira o anel violentamente ao solo, cobrindo de maldições à mulher que
julga tê-lo traído.
Enrico, então, toma as
dores da irmã e desembainha a espada. Edgardo não se amedronta e nem recua e um
trágico combate só não ocorre graças à enérgica intervenção do capelão, que só
a muita custa consegue serenar os ânimos.
É o fim do segundo ato.
§§§
O terceiro ato é
representado inicialmente em uma torre do arruinado castelo dos Ravenswood. A escuridão
da noite só é interrompida pelos relâmpagos da tempestade que cai com
violência.
Em um dos despojados
aposentos da vivenda, Edgardo remoi a sua amargura e a sua ira. A fúria dos
elementos corresponde à agitação que lhe vai à alma e que ele expressa ao
entoar a bela ária “Orrida è questa notte”.
Ao findar a ária, ele
ouve baterem à porta e ao atender depara-se com Enrico, que não pôde suportar
as ofensas que ele e a irmã sofreram e, agora, veio desafiá-lo para um duelo
mortal, ao amanhecer.
O clima de ódio entre
ambos chega a ser palpável e após trocarem pesadas ofensas e duros insultos,
Enrico sente o perverso prazer de contar a Edgardo que Lucia e Arturo em breve consumarão
o seu casamento e que ele a perdeu em definitivo.
Era a gota que faltava
e Edgardo não hesita em aceitar o desafio. Estabelecem, então, que a luta aconteça
nas primeiras horas do dia, no cemitério dos Ravenswood.
É o fim da primeira
cena.
A segunda cena volta a
ser ambientada no grande salão dos Lammermoor.
Novamente encena-se a
festa de casamento, mas essa comemoração é muito breve, pois logo surge o
capelão Raimondo que do alto da escada pede silêncio e anuncia que uma tragédia
aconteceu.
Ante a estupefação
geral, ele conta que Lucia assassinou Lorde Arturo Bucklaw num provável ataque
psicótico, já que após o crime ela continua segurando o punhal, enquanto
balbucia frases desconexas, em evidente sinal de demência.
Nisso, a narrativa do
capelão é interrompida pela entrada da própria homicida em cena.
Andando vagarosamente,
pálida como um fantasma e ainda vestida inteiramente de branco, ela desce a escadaria
dizendo estar imensamente feliz.
Sua presença aterroriza
os convidados que não hesitam em franquear-lhe o caminho, mudos de pavor.
Acontece, então, um dos
ápices melódicos da obra com a famosa “Cena da Loucura”, na qual a Soprano Coloratura (ver quadro sinóptico)
a todos encanta com uma magnífica demonstração de sua capacidade vocal.
E assim se encerra a
segunda cena.
A terceira cena é
ambientada no cemitério dos Ravenswood.
Sem poder conciliar o
sono, Edgardo dirige-se ao “campo santo” bem antes do amanhecer para aguardar o
momento do duelo. Junto com a ansiedade pelo embate que em breve travará contra
Enrico, sente-se invadido pela tristeza e pela solidão.
Ignorando a tramoias
aplicadas contra Lucia, pensa nas juras de amor que ela teria traído; lamenta
sua solidão extrema, sem amigos, família e fortuna; concluindo que lhe falta
motivos para viver.
São terríveis e
sombrios pensamentos que só cessam quando ele escuta alguns camponeses comentarem
o acesso de loucura de uma mulher da nobreza que matou o futuro marido e que,
por conta da comoção causada pelo surto, encontra-se agonizante.
Edgardo sente o coração
congelar, adivinhando tratar-se de Lucia e, intempestivamente, aborda o grupo e
confirma que se trata de sua bem amada.
Sim! É a sua adorada
que, agora, está à beira da morte.
Sem esperar, parte a
pleno galope para o castelo de seu inimigo e sem temer coisa alguma avança pelo
caminho íngreme, pois tudo o que pensa e deseja é que Lucia o perdoe. Tudo o
que quer é dizer-lhe que, dela, será sempre o seu coração.
Contudo, a sua
desabalada carreira é interrompida pelo capelão Raimondo que lhe diz: “de nada adianta tua pressa, Lucia já não é
mais deste mundo”.
Olhando para o céu,
Edgardo entoa a melancólica ária “Tu Che a Dio Spiegasti L´ali”, expressando o sofrimento
que lhe dilacera a alma. Tudo está acabado e só lhe resta juntar-se ao seu
grande amor na Eternidade.
Raimondo pressente a sua
intenção suicida e tenta impedi-lo, mas é em vão.
Ante o horror de todos
os presentes, ele vibra um poderoso golpe de espada contra si próprio e parte para
o Além, em busca do amor que não pôde viver nesse mundo.
Então, as cortinas são
baixadas e a Ópera é encerrada.
Histórico
Geralmente, o público
atribui a originalidade do argumento de dois jovens que se apaixonam mesmo
sendo de famílias inimigas, ao grande William
Shakespeare, que soube, como raríssimos,
utilizar o tema em sua imortal composição “Romeu
e Julieta”.
Porém, em verdade, esse
argumento remonta aos antigos Escritores Clássicos Gregos, que o utilizaram em
algumas de suas célebres Tragédias.
A partir deles, o mote
passou a ser frequente nas Artes de forma geral e na literatura dramatúrgica,
em especial.
E foi dessa maneira que
a temática chegou até Sir Walter Scott
que escreveu “A Noiva de Lammermoor”,
integrante da série “The Waverley Novels”,
considerada clássica.
Baseando-se nesse Romance
(ou
“Novela”, para o público leitor em espanhol) o libretista Salvatore Cammarano escreveu a parte
literária da peça, que Gaetano Donizetti
musicou de forma esplêndida, numa inequívoca confirmação de que os temas superiores
nunca deixam de serem atraentes, quando bem remontados.
A estreia da Ópera
aconteceu quando Donizetti tinha apenas trinta e oito anos de idade, em 1835,
na cidade de Nápoles, Itália, e desde então passou a ser constante nas
temporadas das grandes companhias do mundo todo.
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