quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Amanhecer



Já soam inválidos os versos pálidos
que a noite te escreveu,
pois eis que a luz primeira
agora te banha de alvorada.

Será preciso reescrever o poema
com nova rima e outra métrica,
pois eis que o Sol te revela
e a vida entra pela janela.

É tempo, moça bonita,
de se fazer outra escrita.
E cantar os cantos da vida,
pois em ti, a promessa é cumprida.



Para a moça bonita.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Comunicação, Rio de Janeiro, inverno de 2014.

terça-feira, 9 de setembro de 2014


O passarinho que voa soberano,
seguro de poder caminhar pelo Céu,
talvez se pergunte,
que pecado cometeram os homens
para que os deuses
tirassem-lhes as asas?
O passarinho engaiolado,
nada pergunta.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Comunicação. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Areia


A moça e a Lua trazem
a noite recém nascida.
É chegada a hora
de seguir o encanto da Sereia,
em busca da Musa
vestida só de areia.


Para a moça de Botafogo.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Comunicação social. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

sábado, 6 de setembro de 2014

O Dia da Independência - 7 de Setembro (Revisado)


Em 1.500 dC. certo marujo teve a primazia
de avistar essa terra de Santa Maria.
Juntos chegaram capitães, soldados e padres em romaria.
Acharam-se no El Dourado, lugar d`ouro, prata e especiaria.

Assim, com a primeira missa,
proclamou-se a primeira intenção:
pilhar nunca seria em demasia.
À segunda, seguiu-se a ação:
domar os nativos e extinguir a selvageria.

Então, domados e reduzidos a lacaios daquela confraria,
viram os brasileiros que nem Tupã escaparia.

Mas como isso não bastava na terra da Sesmaria,
rumaram para África
e foi a vez do negro pagar por sua heresia.

Qual heresia?
Aquela de ter um deus que lhe sorria (ora pois).

Então, tomaram-lhe a liberdade, a dignidade e o que mais havia.
Mudaram-lhe até o deus, pois Olorum já não se lhe permitia.

Porém, certo dia, certo Napoleão, colocou a Corte em correria
e para cá mudou-se a realeza. A contra gosto todavia.
Contudo, sem opção, estabeleceu-se o reino nessa freguesia,
até que Bonaparte também passasse.
Alguns ficaram. Talvez à revelia.

Nas Minas, certo dentista perdeu a cabeça por ousadia.
Sabia o gajo, que Liberdade não condiz com Mais-Valia.
E como tantos outros ousaram essa doce utopia,
não nos queixemos,
pois sempre houve quem lutasse contra a tirania.

Rolaram cabeças e amores,
mas veio o que tanto se queria:
declarou-se a Independência,
ainda que olvidassem da efetiva alforria.

Então, instalaram-se Governos diversos, Ditadura perversas
e até um arremedo de Democracia.
Mas, olvidou-se de acabar com a triste fantasia
de esconder o horror da miséria
e fingir a falsa alegria dos bobos das Cortes
em simplória miopia.
Para alguns, somos os reis da folia...

Quem sabe? Talvez um dia...

E assim vamos indo nesta triste calmaria.
Patética travessia!

Armada a lona, o palhaço autêntico,
que há tempos não se via, pergunta:
tem Marmelada?
Têm sim sinhô!
É a corrupção que propicia.
Têm latifúndio?
Têm sim sinhô!
É uma mania.
Têm prostituição infantil?
Têm sim sinhô!
Turistas gostam de pedofilia.
Têm injustiça social?
Têm sim sinhô!
É de Deus. É de serventia.
Têm nepotismo?
Têm, sim sinhô. Mas não fale, moço.
Sabe como é... era a ele que eu me vendia.
Têm trabalho escravo?
Têm...
Mas não fale, moço.
Ainda lembro da “Otoridade” que me batia
e nem sei o quanto lhes devia.
E político que se julga patrão e não funcionário público?
Tem,
por causa da nossa covardia.

E agora, seleta platéia, têm solução?
Sei não! Quem sabe alguém nos auxilia?
Já se fala em CPI, em Rigoroso Inquérito,
para acabar com esta aleivosia.


Não adianta caro Palhaço que se chama Eu. É só mais uma hipocrisia.
É que são tão poucos os que exercem a quase extinta cidadania.

Até eu, inepto aprendiz de poeta, submeto-me à nova tirania
chamada de Globalização;
aquela que uniformiza a minha história, a minha poesia
e que rouba a minha identidade.
O que sou e por onde ando já nem sei.
Também ignoro aonde, porque e como errei.
E o diabo é que ao pensar no “7 de Setembro”,
pego-me dizendo que é o “Independence Day”.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação e de Imprensa. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

Voltaire e o Iluminismo Francês - Parte II - as Obras


Voltaire foi um homem assaz singular e, talvez, essa condição justifique o seu rito de passagem para a idade adulta, já que uma temporada na prisão não é um ritual comum na sociedade de qualquer época.
Contudo, a par de sua singularidade, o seu recolhimento involuntário acrescentou-lhe dotes importantes, tanto no plano intelectual, quanto no nível pessoal, pois, ali, ele conviveu com uma realidade miserável que só conhecia indiretamente.
Essa tomada de consciência não lhe diminuiu a irreverência e a fina ironia, mas acrescentou densidade em suas críticas à Religião e aos Políticos, já que o sórdido resultado das práticas de ambos esteve-lhe ao alcance das mãos. Ele pôde, então, experimentar diretamente o horror que a ignorância e a miséria causam aos homens explorados.
Assim, imbuído de uma visão realista do mundo, tão logo deixou a prisão, em 1718, escreveu suas obras com a gana de quem se utiliza do talento que possui para reverter as injustiças do mundo e promover uma vida mais digna a todos.

Édipo
Sua primeira obra formal foi a peça teatral intitulada Édipo; uma tragédia que bateu todos os recordes de público nas quarenta e cinco noites em que esteve em cartaz. Seu enredo básico constituía-se em reflexões e questionamentos sobre as incongruências sociais e teológicas, seguindo o cenário da Grécia clássica.
Fiel ao seu estilo, o texto não poupava o clero, como, por exemplo, nos seguintes trechos:

“Nossos padres não são o que pensam os (homens) simples. (...) Sua erudição nada mais é do que a nossa credulidade”.

(na voz da personagem Araspe):

“Confiemos em nós mesmos, vejamos tudo com os nossos próprios olhos; que sejam estes os nossos oráculos, nossos trípodes e nossos deuses”.

Esse trabalho, além de prestigio, rendeu-lhe uma boa recompensa financeira que ele investiu com sabedoria, o que é raro entre intelectuais. E essa boa gestão financeira acompanhou-lhe durante toda a vida, permitindo-lhe conforto material até nos momentos atribulados que se sucederam com razoável frequência em sua carreira e em sua vida pessoal. Tornou-se, aliás, proverbial a sua sagacidade nas finanças, como na ocasião em que se aproveitou de um descuido nas regras da loteria, comprou todos os bilhetes e ganhou um prêmio muito superior ao valor que investiu.
Porém, o enriquecimento não o tornou mesquinho nem indiferente ao sofrimento alheio. Ao contrário, ele sempre foi pródigo em auxiliar os que necessitados, prática que lhe angariou várias e sinceras amizades e gratidões até o fim da vida.

Artemire

Nessa sua segunda peça teatral, o sucesso não se repetiu e ele se ressentiu enormemente pelo fracasso, pois sempre foi muito sensível e carente da aprovação de terceiros. Ademais, nessa ocasião, ele foi acometido por um grave ataque de varíola. Foram tempos difíceis, mas quando a bonança chegou, ele pôde constatar que o sucesso anterior ainda lhe dava o crédito necessário para ver-se consagrado como grande dramaturgo. E como a modéstia não era uma de suas virtudes, não perdia ocasião para jactar-se de ter elevado a poesia ao centro da ribalta.
Sua presença destacava-se no meio social, sendo a sua companhia disputadíssima nas festas da nobreza. E como esse convívio com as elites refinara-lhe os modos, o prazer de sua convivência, na maioria dos casos, era genuíno.
Assim, durante anos ele brilhou nos salões, mas sem fazer qualquer concessão artística. E a sua intransigência, ou a sua integridade, acabou fazendo com que alguns dos atingidos, passassem a diminuí-lo pelo fato de ele não ser de origem fidalga.
Em uma dessas ocasiões, ele participava de um jantar no Palácio do Duque de Sully, que, após uma de suas as arengas características, indagou: “quem é o moço que fala tão alto?”. Sem hesitar ele respondeu: “Senhor, ele é alguém que não tem um grande nome, mas (que) angaria respeito pelo nome que tem”.
Responder ao “Cavaleiro de Rohan” já era considerado uma impertinência e como a resposta foi naquele tom e com aquelas palavras, soou com uma “blasfêmia” que deveria ser severamente punida. Assim, logo após, o Duque mandou que seus capangas o emboscassem e lhe surrassem, mas, preservando a sua cabeça, pois, em suas palavras: “alguma coisa boa pode sair dali”.
No dia seguinte à surra, do alto de sua indignação, ele foi ao camarote do Duque, no teatro, e o desafiou para um duelo, alegando que a sua honra fora atingida. Em seguida recolheu-se à casa e treinou obsessivamente com o florete com o qual pretendia vingar-se.
Mas o Duque não estava disposto a tal embate e apelou para um primo seu que era Ministro da Polícia. Imediatamente, o Ministro decretou a prisão do erudito e com isso ele viu novamente “o interior da Bastilha”.
Poucos dias depois, foi-lhe oferecida a opção de seguir para o exílio na Inglaterra, ao invés de cumprir o restante de sua pena atrás das grades e ele aceitou, já planejando ludibriar a justiça e permanecer na França. Porém, seu intento foi descoberto e ante a ameaça de voltar para a cadeia, resignou-se em permanecer em Londres por três anos (1726 – 1729) onde escreveu uma de suas obras mais importantes, como veremos na sequência.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O Verso


Escondeu, as asas do colibri,
o verso que não se disse.
Talvez, ao voar,
consigo ele leve o silêncio;
e, então, a poesia libertada
cantará a Musa amada.


Para a moça bonita.

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação e de Imprensa. Rio de Janeiro, inverso de 2014

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Voltaire e o Iluminismo francês - Parte I - Preâmbulo e Notas biográficas


Voltaire e o Iluminismo francês - Parte I - 
Preâmbulo e Notas biográficas

Preâmbulo
Já se disse que muito mais se leu sobre Machado de Assis, do que as obras do mesmo.
Talvez não seja despropositado dizer que algo semelhante ocorre com o “Iluminismo”. Muito frequentemente esse Movimento Filosófico, com ramificações nas Artes e na Política, é citado, mas raramente as suas nuances são devidamente estudadas.
Sendo assim, a proposta do presente Ensaio é aclarar as suas diversas facetas através das obras de seu maior protagonista, o filósofo Voltaire, para que a importância desse momento, especial na história da humanidade, possa ser cada vez mais difundida e apreciada.
Após séculos e séculos de ignóbil obscurantismo religioso, político e artístico, deve-se a esse grupo de homens e de mulheres a ousadia de desafiarem as vetustas superstições e carcomidas instituições para restabelecer a “Verdade” e, através dela, libertar os homens do jugo que lhes foi imposto pelas sórdidas maquinações dos manipuladores da ignorância e do desespero humano.
A eles e a elas se deve o avanço das Ciências, da Ética e da Política, ainda que tal avanço continue a ser alvo dos lumpens sociais e religiosos que temeram e temem o risco de perderem os seus injustos privilégios por força das “Luzes” do esclarecimento.
E por conta desses parasitas é que o perigo de haver algum retrocesso está sempre à espreita e não pode ser subestimado, mesmo que exista certa consolidação de algumas daquelas conquistas, como é o caso, por exemplo, do fim quase geral dos regimes Absolutistas, que atualmente só sobrevivem em determinadas regiões da Terra sem a abrangência hegemônica de que desfrutava no Passado. Ou no caso de experimentações artísticas ou, ainda, em algumas práticas éticas que vedam crueldades como a escravidão, a servidão etc.
São conquistas difíceis de serem anuladas, é certo, mas que podem ser diminuídas ou abaladas por conta do avanço no fanatismo religioso que se observa em adeptos das maiores religiões; e, também, por conta da manipulação que as Elites fazem através dos meios de comunicação, pregando um hedonismo avassalador em detrimento de valores mais substanciais; enquanto promovem, em paralelo, a imbecialização contínua das camadas sociais mais humildes.
É preciso, pois, que todos aqueles que foram afortunados com um raciocínio mais claro e com um estoque razoável de cultura se unam em defesa daquela tábua de valores tão arduamente conquistada, haja vista, que foi no período do Iluminismo que a “Arte da Política” mais se aproximou de seu ideal, sem a mediocridade e a desonestidade que atualmente campeia por essa seara.
Voltaire – Notas Biográficas
François Marie Arouet nasceu em Paris, no ano de 1694, filho de um notário razoavelmente bem sucedido e de uma senhora ligeiramente aristocrática. Do pai, herdou o temperamento forte e da mãe certa frivolidade espirituosa.
François ficou órfão logo ao nascer, pois a mãe não resistiu ao parto e ele foi uma criança frágil e doentia. Fragilidades e enfermidades, aliás, que lhe atormentaram por toda a vida, embora tenha vivido por oitenta e oito anos.
Cresceu na cidade provinciana para onde a família se mudou logo após o seu nascimento. Na primeira infância tinha como ídolo o seu irmão mais velho, Armand, um ardoroso seguidor do “Jansenismo (1)”, pronto a se sacrificar por sua causa, para aborrecimento dos parentes.
Tão logo aprendeu as primeiras letras, compôs os seus primeiros versos, também a contragosto do pai, que dizia ter dois idiotas: um em prosa e o outro em verso (sic). Mas, apesar da discordância paterna, a sua produção poética encontrou admiradores, dentre os quais a famosa hetera (2) chamada Ninon de L’ENCLOS, que ao morrer deixou-lhe uma pequena soma para a compra de livros.
Com esses livros ele teve o primeiro contato com a literatura e com um abade dissoluto, a sua primeira educação formal. O mestre ensinava-lhe as orações e prédicas religiosas e, simultaneamente, as premissas do Ceticismo.
Depois, foi matriculado em um colégio jesuíta e nele lhe foi ensinada a Arte da Dialética. De posse, então, desse valioso instrumento intelectual e de retórica, ele pôde formatar os seus argumentos e as discussões sobre temas profundos que mantinha com os professores tornaram-se a sua marca registrada. Enquanto os outros garotos de sua idade, cerca de doze anos, brincavam ao ar livre, ele discutia Teologia com os “doutores”.
E os vários embates renderam-lhe admiradores, mas, também, adversários. Contudo, apesar dos últimos, formou-se no colégio e quando chegou o momento de prover o próprio sustento, não hesitou em optar pela Literatura, para novo desgosto do pai, que preferia uma profissão mais regular e lucrativa (como ainda hoje é tão comum).
Ele, porém, não desistiu de sua escolha e prosseguiu na Escrita, sem, contudo, encarnar o estereótipo associado ao intelectual: sombrio, introvertido, melancólico, distante do mundo prático. Ao contrário, boêmio por natureza, não perdia qualquer oportunidade de festejar com os amigos e com as amantes, entre mesas fartas e vinhos de primeira qualidade. Vivia intensamente uma juventude despreocupada e perdulária até que o pai, farto de sua inconsequência, enviou-o para um parente residente na localidade de Caen, esperando que ali ele fosse disciplinado. Mas o hospedeiro não resistiu aos encantos do jovem e ao invés de lhe cercear, passou a encobrir as suas aventuras e a estimular o seu espírito de independência e de rebeldia. Diante disso, o pai enviou-o para a cidade holandesa de Haia, rogando ao embaixador francês que o vigiasse com severidade; mas, logo, ele iniciou um romance com uma jovem “Pimpette(3)” e quando o caso veio à luz, o diplomata o devolveu à casa paterna.
Dessa sorte, entre os arroubos da idade, em 1715 ele completou vinte e um anos, atingindo a maioridade. Logo após o aniversario, mudou-se para Paris, onde presenciou a morte do rei Luis XIV e a instalação de uma Regência do trono, haja vista a pouca idade do herdeiro legal, Luis XV.
Na “Cidade das Luzes” ele repetiu seu comportamento desregrado da província e em pouco tempo tornou-se conhecido nos meios boêmios da cidade. Reconhecido por sua inteligência superior e pela imprudência assustadora, assumiu com brevidade o posto de “o critico mais mordaz” dos Costumes, da Política e da Sociedade.
Esse reconhecimento garantiu-lhe vários privilégios, mas, também, graves aborrecimentos, como o que sucedeu quando lhe foi imputada a autoria de dois poemas que sugeriam que o Regente do trono pretendia usurpá-lo em definitivo.
A resposta irada do mandatário tornou-se célebre e aconteceu quando ambos se encontraram casualmente em um dos parques da cidade. Disse-lhe o governante:

- Monsieur Arouet eu aposto que posso lhe mostrar algo que o senhor nunca viu.
- Sim, o que será?
- O interior da Bastilha (4).


Então, em 16 de abril de 1717, Arouet sofreu a sua primeira prisão. Nela, sem que se saiba com exatidão o motivo (5) ele assumiu o nome de Voltaire e se tornou um poeta convicto.
Cumpriu uma pena de onze meses e nesse tempo compôs um longo poema épico, “A Henriade”, que narrava a história de Henrique de Navarra. O poema teve boa aceitação no meio intelectual e o consolidou como escritor.
Ao deixar o calabouço, o mesmo Regente que o condenara decidiu pagar-lhe uma pensão, talvez impressionado por seu talento, ou por ter descoberto a sua inocência, já que os poemas causadores da prisão não eram de sua lavra.
Esses fatos marcaram a primeira fase de sua vida, pois tão logo deixou a prisão, e já como Voltaire, iniciou a vida adulta, a qual se liga intimamente com a sua obra, como veremos na sequência.


Nota do Autor (1) – Jansenismo – doutrina criada pelo bispo holandês Cornellius Jansenius, no século XVII, que, entre outros, combinava elementos do catolicismo com premissas Protestantes, negando a obediência ao Papa e afirmando que a “Graça Divina” era concedida aos predestinados e não aos que fizessem boas ações. Seita e doutrina combatidas pelo Vaticano com ardor.
Nota do Autor (2) – Hetera – denominação dada às prostitutas de luxo na Grécia antiga.
Nota do Autor (3) – Pimpette – termo inglês dado às moças liberais, tanto no agir, no vestir, quanto no pensar.
Nota do Autor (4) – Bastilha – a famosa prisão. Inaugurada em 1383, foi destruída em 1789 dando inicio à Revolução Francesa, da qual se tornou icônica.
Nota do Autor (5) – Voltaire – para o erudito Carlyle, Voltaire seria um anagrama. Para outros, seria um nome que existira na família da mãe do filósofo.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

sábado, 30 de agosto de 2014

Odisseia



Odisseia

Não temas o uivo enraivecido de Cila,
pois ei-lo inerte ante o doce canto da Musa.
Nem temas o nefasto vaticínio de Sibila,
pois a maldade inexiste após o despenhadeiro.
Seguiremos outra Odisseia,
após a Troia que vencemos.
Será breve o caminho, que de azul se mostra;
e breve será a chegada ao novo tempo.
Já se ouve o canto dos delfins
e o coro de deuses e de serafins.
Não tarda, deusa rediviva, a luz que desfaz as dúvidas
e tudo se mostra e tudo se revela.
Tomemos os oráculos e decifremos os arcanos.
À mesa nos espera o pão, o azeite e o vinho.
Bebamos o amor que da lira entorna
e voemos ao encontro da Lua que te brilha.
Caminhemos os caminhos que fizermos
e façamos os versos que sonharmos.
A vida caberá em nossa mãos.
Deixemos que nos escorra.


Para a Moça Bonita.

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação e de Imprensa. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Basta-me


Agora me basta o trilho aberto,
pois os meus moinhos foram vencidos
e os meus demônios saciaram-se hedônicos.
Agora, só quero a majestade do ipê amarelo
ante a cinza amargura dos dias;
apenas o canto do Céu em que brilha
a estrela retornada e a poesia retomada.
Que sigam em paz os outros homens.
Que acumulem o ouro e o sexo que desejam.
Já não quero o salso e argênteo oceano
das heroicas epopeias e tristes melopeias.
E nem desejo o doce mistério de Cassiopeia.
Que outros revejam o passado
e ditem a nova tendência.
Que outros exijam ética e transparência
e que todos surrem o político sem decência,
mas que se compadeçam dos utópicos
que desconhecem a própria demência.
A mim, ave Bandeira, basta
a rude flor de teu cacto,
por tão poucas palavras regado.
Basta-me o silêncio do livro fechado,
o escuro do palco apagado
e a paz de um poema terminado.


Homenagem pouca ao Poeta Grande, Manuel Bandeira.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação Social e de Imprensa, Rio de Janeiro, inverno de 2014.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Spinoza e o Panteísmo - Partes XIII e XIV - O Tratado Político e as Considerações Finais




O Tratado Político

Agora, completaremos as considerações sobre o primeiro livro de Spinoza, Tratado sobre a Religião e o Estado (Tractatus Theologico-Politicus), no quesito relativo aos Estados e aos Governos.
Nesse trecho o filósofo revela-se totalmente amadurecido em seus argumentos e conclusões, os quais, ainda hoje, são plenamente válidos e verdadeiros, revelando, assim, o quão pouco o homem progrediu em sua jornada.
Lamentavelmente continuamos a ser apenas uma mera cópia mal feita de um Ser que insistimos em deturpar ao lhe conferir traços antropomórficos e ao utilizá-lo como justificativa para a ganância excessiva e para a violência bestial.
Ler as considerações de Spinoza sobre o tema é um exercício que nos choca pela fidelidade de nosso retrato, mas, também é a oportunidade de saborearmos a profundidade de seu ideário e magnitude de sua inteligência.
O “Tratado” foi escrito quando o autor já tinha certa idade e ficou incompleto devido à morte prematura do filósofo, mas, ainda assim, seu conteúdo é tão pleno de significação, que embasa vários outros Sistemas políticos e filosóficos.
Membro da mesma geração de Hobbes, que não se furtou em exaltar a monarquia absoluta e a execrar a rebelião dos súditos ingleses; de Milton, que, ao contrário, defendeu vigorosamente o povo rebelado e de Jan de Witts, que foi um ardoroso defensor da república e seu amigo dileto, Spinoza concebeu uma “Filosofia Política” de tal porte, que as suas ideias liberais e democráticas serviram de embasamento para o filósofo Jean Jacques Rosseau e para a ideologia da Revolução Francesa, entre outros.
Para ele, toda Filosofia Política deve ser gerada a partir da diferenciação existente entre a Ordem Natural e a Ordem Moral; ou seja, entre a existência primitiva, anterior à formação da Sociedade; e a existência a partir do acordo entre os indivíduos que formou o primeiro agrupamento social. O famoso Contrato Social de Rosseau.
Segundo Spinoza, no inicio dos tempos, os homens viviam isolados, exceto, talvez, pelas presenças do cônjuge, da descendência e de outros membros da família ou do clã. Viviam sem outra lei que não fosse a “do mais forte” e, obviamente, inexistiam conceitos como “Bem”, “Mal”, “Certo”, “Errado”, “Justo”, “Injusto” etc.
O Poder e o Direito constituíam uma coisa apenas, sendo a força física, guerreira, o único lastro para ambos. Nas palavras do filósofo:

“Em um estado natural, nada pode existir que possa ser chamado de bom ou mau* de comum acordo, já que cada homem que está em estado natural consulta apenas a sua vantagem e determina o que é bom ou mau segundo a sua própria imaginação e na medida em que só leva em consideração a sua vantagem e não se acha responsável para com ninguém, exceto para consigo mesmo, perante lei alguma; portanto, o pecado não pode ser concebido em estado natural, mas apenas em um estado civil, onde aquilo que é bom ou mau* é decretado de comum acordo e cada indivíduo é responsável perante o Estado. (...) A lei e os regulamentos da natureza sob os quais todos os homens nascem e na maior parte vivem não proíbem coisa alguma a não ser aquilo que ninguém quer ou pode fazer, e não se opõem à rivalidade, ao ódio, à raiva, à traição ou, de modo geral, a nada que o apetite sugira”.

Atualmente, esse “Estado de Natureza” pode nos parecer muito remoto, distante e superado; mas, um olhar mais atento nos revela que ele ainda vigora fortemente em nossos dias, embora já não seja praticado pelos indivíduos e, sim, pelas Nações ou Estados.
Nações que agem sem qualquer outra motivação que não seja o seu interesse próprio, direto e imediato, o qual, geralmente, refere-se ao aumento de riquezas, de terras, de recursos minerais e/ou energéticos etc. Aumento de seu Poder, em resumo. Aliás, a esse respeito, tornou-se célebre a sentença do marechal e presidente alemão Bismarck: “Não existe altruísmo entre as nações”.
E com a devida licença do amável leitor (a), eu acrescento: nem decência!
Com efeito, entre os países só existe rivalidade, inveja, preconceito e rancor, do que não resulta um número proporcional de guerras, apenas pelo medo da autodestruição, pois o mesmo instinto de autopreservação que há em todos os seres vivos, também se faz presente em todos os outros organismos ou organizações.
É certo que existem casos de auxilio, bem como se tem alguns órgãos supranacionais, como a ONU, que tentam exercer algum tipo de governança, mas, em essência, a relação entre os países é marcada por disputas e hostilidades, declaradas ou escamoteadas, que reproduzem fielmente a primitiva ordem natural onde o único critério é a força bruta.
E isso acontece porque só é possível existirem a Lei e a Moralidade se também existir uma autoridade que tenha poder efetivo para implantá-las e mantê-las. E como se sabe, essa autoridade mundial inexiste.
Os chamados “Direitos de Estado” são, em verdade, “Poderes (econômico, bélico etc.)”, sendo que quanto maior forem esses últimos, maiores serão aqueles primeiros.
Um comportamento muito próximo, aliás, daquele que se verifica entre os animais, pois como entre as espécies não há qualquer organização, Lei ou regras morais, cada uma se impõe às outras na proporção direta de sua força. Faz, portanto, o que quer, dentro de suas possibilidades.
Em relação aos indivíduos, como se sabe, em certo momento o homem viu que precisava unir-se aos outros para conseguir sobreviver e prosperar em um mundo tão hostil. Dessa sorte, a ordem natural foi substituída pela ordem moral e com isso o poder natural foi sufocado, mas não extinto totalmente; e é por essa razão que o homem continua a agir de acordo com o mesmo, enquanto não é impedido pelas Leis ou até que lhe seja impossível manter o disfarce sob o qual vinha agindo, pois é muito mais comum que o indivíduo dê vazão aos seus instintos primitivos de forma dissimulada e sob uma capa de moralidade, do que enfrentar diretamente as proibições, já que isso poderia causar-lhe efeitos deletérios.
Exceto em casos raríssimos, os homens não são, por natureza, dotados de solidariedade, bondade etc. Embora as manifestações dessas características sejam relativamente comuns, a verdade é que o seu real motivo é apenas a hipocrisia, a covardia e/ou o desejo de manipular outrem ou todo o grupo social.
É uma fraude tão corriqueira que se tornou inconsciente; e de tão comum, acaba sendo esperada e, às vezes, até considerada genuína. Espera-se que aparentando bondade, honestidade, coragem etc. a recíproca seja verdadeira e que tais qualidades possam ser cobradas dos demais.
Mas, ainda que não seja naturalmente talhado para a convivência social, o homem se vê obrigado a tolerá-la, pois depende de outrem para sobreviver. E já que essa imposição é inelutável, o indivíduo é adestrado pela família, pela escola e pela sociedade para dissimular seus reais sentimentos e com isso parecer “amistoso”, “agradável” e tornar-se “querido” pelo agrupamento social. Nas palavras de Spinoza: “o homem não nasceu para a cidadania, mas deve ser preparado para ela”.
Esse preparo, segundo o filósofo, tem inicio tão logo a criança demonstre possuir um mínimo de capacidade de compreensão e prossegue por toda a vida do sujeito, sendo variável apenas o tipo de coerção que o obriga a sufocar seus instintos básicos.
Porém, inobstante, a presença constante desses freios, a maioria da população é constituída por rebeldes contra a Lei e/ou contra o subproduto das mesmas: os “Costumes”.
É uma situação quase irreversível por uma questão de antiguidade e de enraizamento na mente humana, haja vista que os Instintos surgiram muito antes que a capacidade de racionalização, de compreensão das convenções sociais, como, aliás, se pode ver em toda criança que nasce, pois antes de poder compreender qualquer coisa, o bebê age movido apenas pelos instintos.
Assim sendo, ao contrário do que acreditava Jean Jacques Rosseau, seus adeptos e outros, o homem não é “bom por natureza”.
Contudo, a união com outros homens possibilita o surgimento de alguns sentimentos mais brandos, decodificados como “senso de família”, de “clã” etc., pois, segundo Spinoza, o homem desenvolve a capacidade de gostar daquilo que se parece consigo1 e, dessa forma, surge o que ele chamou de “imitação de emoções” e, até, alguma estima verdadeira.
Processo que auxilia a continuidade do estado de “Ordem Moral”, da qual resulta o “Poder Legal e Moral” da sociedade, já que parte da soberania individual é transferida para a Comunidade em troca do auxilio e da defesa que ela pode oferecer. O indivíduo abdica, por exemplo, do “poder” ou do “direito” de surrar quem lhe incomoda, para ter a “garantia (ou a sua presunção)” de que não será surrado por quem ele incomoda.
O “Poder (a capacidade de influenciar, de interferir, de comandar etc.)” ainda continua sendo o lastro do Direito, mas o Poder do “Todo”, da Sociedade, limita o do indivíduo, do homem físico; ao contrário do que acontece entre as Nações, como se disse anteriormente. Essa visão ácida que Spinoza faz do homem parece destoar de sua proverbial docilidade, mas é importante conservar em evidência a natureza belicosa do Ser humano, a qual, per si, justifica a sua tese de que é imprescindível que a Sociedade viva sob o império das Leis, para que os instintos sejam mantidos em níveis toleráveis.
Conforme o seu ideário, a Lei tem para com os indivíduos uma relação semelhante a da Razão para com as paixões; ou seja, é a governança que evita a ruína da Sociedade e, por consequência, a do próprio indivíduo, vez que, sozinho, ele não terá meios para sobreviver.
Na Metafísica a Razão é o percebimento, ou a percepção, da Lei que cuida do ordenamento das coisas; na Ética é o estabelecimento da ordem entre os desejos e na Política é o estabelecimento da organização entre os indivíduos. Mas, se a Lei da Metafísica é perfeita, o mesmo não acontece com a que regula a Política e a Ética, pois o que ela disciplina são valores relativos, mutáveis e transitórios; ao contrário da Lei que atua na Metafísica, onde os valores são absolutos, eternos e inalteráveis, como, por exemplo, os da matemática (2+2=4 é uma ordem eterna e invariável, sejam lá quais forem as circunstâncias em que se dê a equação).
Sendo, então, imprecisas, as Leis que regulam a convivência entre os homens deverão ser constantemente aperfeiçoadas, para que no futuro o Estado atinja o seu ponto ideal; isto é, limitando os poderes individuais só até o ponto em que eles possam comprometer a liberdade de outrem3, o Estado se torna um agente eficaz para o desenvolvimento físico e espiritual dos cidadãos. Nas palavras do filósofo:
“O objetivo supremo do Estado não é (ou não deveria ser – na.) dominar os homens nem contê-los pelo medo, é, isso sim, livrar cada um deles do medo, permitindo-lhe viver e agir em plena segurança e sem prejuízo para si ou seu vizinho. O objetivo do Estado, repito, não é transformar seres racionais em feras e máquinas. É fazer com que seus corpos e suas mentes funcionem em segurança. É levar os homens a viver segundo uma razão livre e a exercitá-la; para que não desperdicem suas forças com o ódio, a raiva e a perfídia, nem atuem uns com os outros de maneira injusta. Assim, o objetivo do Estado é, realmente, a liberdade”.
Mas, e se o Estado sufocar a liberdade e o desenvolvimento do indivíduo? O que deverá fazer o cidadão se o Estado, com a intenção de se fortalecer para se perpetuar, tornar-se uma fonte de opressão? O homem deverá sujeitar-se e obedecer a leis injustas, infames?
Para Spinoza, sim.
Mas, desde que sejam permitidos protestos e discussões razoáveis e se houver liberdade de expressão para assegurar uma mudança pacífica. Nos casos em que tais aberturas inexistirem, ele deixa subentendida a inevitabilidade da sedição. Segundo ele:

“Quanto mais um governo se esforça por limitar a liberdade de expressão, mais obstinada é a resistência a ele; não, de fato, por parte dos avarentos (de inteligência, os incultos) (...), mas por parte daqueles a quem a boa educação, a moralidade íntegra e a virtude tornaram mais livres. Os homens, de maneira geral, são constituídos de tal forma, que não há nada que suportem com tão pouca paciência do que o fato de os pontos de vista que acreditam ser verdadeiros serem considerados crimes contra a legislação. (...) Nessas circunstâncias, não acham vergonho, mas, sim, muitíssimo honrado, repudiar as leis e não deixar de agir contra o governo. (...) As leis que podem ser burladas sem nenhum dano para o vizinho são consideradas apenas motivo de galhofa; e essas leis, longe de restringirem os apetites e a concupiscência da humanidade, só fazem aumentá-los.”.

Spinoza reconhece a importância do Estado, porém não confia no mesmo, pois tem consciência de que o “Poder” corrompe a todos os homens. Além disso, ele não via equilíbrio entre o tamanho da autoridade conferida ao Governo e a “alma” do homem.
E nesse desequilíbrio é que ele buscou os motivos para discordar de que a Educação fosse uma prerrogativa do Estado, mormente nas universidades, por acreditar que o controle governamental restringe os dons naturais do homem, ao invés de estimulá-los. Para ele, a Educação deve ser entregue a particulares4 como já ocorria na Grécia Clássica com Sócrates, Platão e Aristóteles e, até, com os Sofistas.
Em relação à forma de governo, Spinoza não faz uma declaração aberta de sua afeição à Republica, mas deixa sinalizada a sua preferência por regimes liberais, constitucionais. Para ele, qualquer forma de Política pode ser constituída “de modo a que todo homem (...) passe a preferir o “Direito Público” à “vantagens particulares; esta é a tarefa do legislador”.
Nesse ponto, aliás, ele descreveu magnificamente as vantagens do Regime que permite a liberdade, mesmo que nele existam conflitos. Em seus termos:

“Supõe-se que a experiência ensine que é bom para a paz e concórdia atribuir toda a autoridade a um só homem. Porque nenhum domínio ficou tanto tempo sem qualquer alteração significativa a não ser o dos turcos; e, por outro lado, nunca houve um que durasse tão pouco como aqueles que eram populares ou democráticos, nem qualquer outro em que houvesse tantas sedições. No entanto, se a escravidão, o barbarismo e a desolação devem ser chamados de paz, o homem não poderia ter infortúnio pior. Não há dúvida de que, de modo geral, há discussões mais frequentes e mais violentas entre pais e filhos do que entre senhores e escravos; no entanto, não representa um avanço da arte da administração domestica a transformação do direito de um pai em um direito de propriedade, e considerar os filhos simples escravos. A escravidão, então, e não a paz, é a favorecida com a atribuição de toda a autoridade a um só homem”.

O Regime, pois, que permite ao indivíduo a maior liberdade de expressão e de pensamento é a melhor forma de governo, pois nele os indivíduos submetem ao controle social apenas as suas ações e não as suas ideologias. Racionalmente o cidadão controla os seus atos segundo os preceitos da Lei, mas conserva a liberdade de pensar, de estudar, de aprender, de divagar, de sonhar.
Esse Regime deve ter forças capazes de defendê-lo contra os inimigos externos e, principalmente, contra os adversários internos; ou seja, contra as classes de lumpens sociais (herdeiros, agiotas, sonegadores, aproveitadores, vagabundos, manipuladores da fé, do desespero etc.) que por serem adeptas da exploração de outrem para manterem seus privilégios espúrios, necessitam de que a ignorância da população seja ampla, para exercerem o seu jugo com mais facilidade. E para tanto, o “Serviço Militar” deve ser universal; isto é, obrigatório para todos, independentemente de classes sociais, origens, gênero, etnia etc.; sem qualquer tipo de favorecimento.
Em relação aos tributos, Spinoza propõe que haja um imposto único, originário do pagamento que o cidadão faz a titulo de aluguel da casa onde reside e do campo onde trabalha, posto que todas as casas e solos sejam de propriedade estatal5.
Aqui chegados, o leitor (a) já percebeu que o ideário spinoziano possui uma faceta voltada para o liberalismo, mas, também, que não comunga inteiramente com a Democracia Capitalista que vigora em nossa época.
E, de fato, para ele a Democracia é um Regime muito suscetível, frágil, haja vista que, via de regra, é tomada por medíocres, obtusos ou mal carateres. Essa preocupação, diga-se, não lhe foi original, pois Platão já a expressara em “A República”. Posteriormente, ela voltou à baila por obra do filósofo Toquecville (Alexis de, França, 1805/1859) em sua obra “Da Democracia na América”.
Segundo Spinoza e outros (inclusive esse escrevinhador), o homem medíocre, mas ardiloso, após assumir algum cargo representativo, torna-se corrupto, exceto, claro, as raras exceções. Em consequência, as suas ações limitam-se a serem desonestas e/ou equivocadas em prejuízo do “Todo”.
Por isso, para o filósofo, seria imperioso fazer-se uma seleção rigorosa dos postulantes a membros do governo, mas essa seleção esbarra no principio de que aqueles que fazem tal julgamento – via eleições – são semelhantes aos candidatos em termos de ignorância (não necessariamente em termos de desonestidade) e sem a necessária capacidade racional para uma escolha de tamanha importância. Geralmente optam movidos por sentimentalismos, por simpatias superficiais etc. Não é raro que se deixem seduzir por hediondas manipulações, por promessas fantasiosas, por discursos apelativos e quejandos.
Para nós, brasileiros (as), não é difícil concordar com a visão de Spinoza, pois vivenciamos essa nefasta situação em praticamente toda a nossa história; porém, é preciso reconhecer que esse problema aflige a todos os países, mesmo aqueles que se gabam de ter uma população de melhor nível cultural. Também é preciso reconhecer que a Democracia, apesar dos pesares, ainda é a melhor forma de regência que um grupo social pode ter.
No entanto, em razão das dificuldades ocasionadas pela mediocridade e desonestidade que terminam por contaminá-lo, o regime democrático acaba sendo questionado pelos “homens sábios” que, em certo momento, rebelam-se ou se desinteressam pelo processo político e pela coletividade. É quando se observa, por exemplo, o afastamento dos intelectuais.
Então, segundo o filósofo:

“Por isso é que eu penso que as democracias se transformam em aristocracias e, estas, em monarquias (absolutistas, ou hodiernas tiranias - NA.)”.

O populacho, a se ver sem orientação, acaba optando pela Tirania, a qual prefere em relação ao caos. A Ditadura, ademais, traz-lhe o conforto de não ter que pensar (sic). De poder delegar a outrem a responsabilidade pela própria felicidade ou desventura e desfrutar da condição de “pobre vitima” do regime (sic).
Assim sendo, resta aos homens de bem pagar o preço de se lutar contínua e tenazmente para minimizar a mediocridade e a desonestidade associadas à Democracia e rogar aos deuses que as luzes de gênios como Spinoza espalhem-se e iluminem as consciências, já que é sempre preciso selecionar os melhores homens e mulheres que se disponham a governar os demais.
Por fim, deve-se dizer que as ideias de Spinoza foram, posteriormente, consideradas antagônicas já que sugeriam alguma forma de Comunismo e de Democracia simultaneamente. Mas essa opinião crítica carece de valor, haja vista ser resultante de mentes boçais predispostas apenas à dicotomia rasteira. Em seu espírito superior, Spinoza via conceitos como Democracia e Comunismo como se fossem complementares e nunca divergentes, pois ambos visam o mesmo: a felicidade do homem.
Infelizmente ele não pôde explicitar essa síntese porque a morte prematura o alcançou antes de terminar o seu trabalho. Com ele morreu, talvez, a solução do impasse.
No próximo capitulo teceremos as considerações finais sobre o gênio holandês. 
Nota do Autor 1 - essa capacidade de gostar do semelhante seria a explicação para o maior apego que sentimos pelos mamíferos do que pelas serpentes, por exemplo?

Nota do Autor 2 – mau*, mantida a grafia original.

Nota do Autor 3 – posteriormente esse princípio chegou ao grande público através da seguinte sentença: “o seu Direito termina, onde começa o meu”.

Nota do Autor 4 – observe-se a extensão do pensamento de Spinoza, que em uma época na qual sequer se cogitava em “Livre Iniciativa”, ele já a propunha. Pode-se concordar ou discordar de seus argumentos, mas não há como deixar de admirar a sua presciência.

Nota do Autor 5 – observe-se, aqui, a origem do preceito de Karl Marx e da prática comunista que ainda persiste em algumas sociedades, como a cubana, por exemplo.

As Considerações Finais.

Spinoza influenciou diretamente aos mais importantes Pensadores que lhe sucederam e apenas essa constatação já é suficiente para demonstrar claramente a importância de seu ideário para o desenvolvimento do pensamento humano. Segundo Will Durant, ele não fundou nenhuma seita nem qualquer Escola filosófica e, ainda assim, toda a Filosofia posterior partiu de sua ideologia.
Contudo, como é de praxe, durante a sua vida o brilho de sua inteligência não recebeu a mesma consideração que nos tempos posteriores. Figuras importantes questionaram suas ideias, sendo que até o grande filósofo Hume considerou a sua sistemática como uma “teoria hedionda”.
A reabilitação só teve inicio quando o célebre crítico Leasing (Gotthold Ephraim – 1729/1781 – Al.) declarou-se, em 1780, um “spinozista durante toda a sua vida madura” porque “não existe outra Filosofia que não a de Spinoza”. Algum tempo depois, Herder (Johann Gottfried Von – 1744/1803 – Al.) chamou a atenção dos teólogos liberais para a “Ética”, através de sua obra “Einige Ges Prache Uber Spinoza´s System”; e o poeta católico Novalis (pseudônimo de Georg Philipp Friedrich Von Hardenberg – 1772/1801 – Al.), chamou-o de “o homem bêbado de Deus”; ou seja, embriagado pelo poder divino. Simultaneamente, Jacobi (Carl Gustav Jakob Jacobi – 1804/1851 – Al.) apresentou a obra de Spinoza para o grande escritor, poeta e pensador Goethe (Johann Wolfgang Von – 1749/1832 – Al.) que logo na primeira leitura de “A Ética” tornou-se admirador do filosofo holandês e passou a fazer constantes referências às ideias do mesmo, em seu trabalho.
Posteriormente, Fichte, Schelling e Hegel combinaram a Filosofia spinoziana e a kantiana e da fusão retiraram as suas versões panteísticas. Em seguida, Schopenhauer retirou do spinoziano “esforço de preservar a si mesmo” a sua teoria sobre a “Vontade (de viver)” e Nietzsche idem, com sua tese sobre a “Vontade (de poder)”. Mas adiante, foi à vez de Bérgson utilizar a doutrina de Spinoza para embasar o seu “elã vital”.
Nos países de língua inglesa, a influência de Spinoza surgiu com o movimento revolucionário de jovens intelectuais rebeldes como os poetas românticos Coleridge (Samuel Taylor – 1772/1834 – GB.) e Wordsworth (Willian – 1770/1850 – GB.), Shelley (Percy Bysse – 1792/1822 – GB.), Byron (George Gordon – 1788/1824 – GB) que passaram a citá-lo nas próprias obras. Posteriormente George Eliot (pseudônimo da romancista Mary Ann Evans – 1819/1880 – GB) chegou a traduzir “A Ética”, mas não publicou o seu trabalho; e o jornalista, político e socialista Belfort Bax (Ernest – 1854/1926 – GB) disse: “Não existem, nos dias de hoje, homens proeminentes que não declarem que em Spinoza está a plenitude da ciência moderna.”.
Com efeito, deve-se a Spinoza o mérito de ter resgatado e atualizado a ancestral sabedoria hindu, filtrada por Platão, e, com isso, ter dado ao homem um valiosíssimo instrumento para combater o bom combate contra a obscuridade religiosa e política que campeou por toda a Idade Média e que, ainda hoje, em pleno século XXI, nega-se a perecer no lixo da história.
Nada mais justo, portanto, que as palavras que disse o filósofo e historiador Ernest Renan (Joseph – 1823/1892 – Fr.) em 1822, na inauguração de uma estátua de Spinoza em Haia, Holanda:

“(...) Pobre daquele que, ao passar, lançasse um insulto a essa cabeça delicada e pensativa. Seria punido, como são punidas todas as almas vulgares, pela vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, de seu pedestal de granito, apontará a todos os homens o caminho da bem-aventurança que ele encontrou; e, daqui a gerações, o viajante culto, ao passar por este local, dirá em seu coração: ‘a mais verdadeira visão de Deus que já se teve talvez tenha acontecido aqui’.

Assim, encerramos o capitulo relativo à Spinoza. No próximo, discorreremos sobre o grande Voltaire e o Iluminismo Francês.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.