Preâmbulo
Antes de iniciarmos o
capitulo é necessário fazer algumas observações sobre a suposta desvalia de
seus estudos que os seus detratores imputaram-lhes ao afirmarem que a sua Filosofia
seria uma reles adaptação, ou mesmo um plágio descarado, do Hinduísmo e de suas continuações, como o
Budismo, o Jainismo e assemelhados.
É indubitável que o pensamento
schopenhauriano foi fortemente influenciado por essas filosofias, mas não se
deve olvidar que foi graças ao seu talento que a adaptação dos mesmos ao
Ocidente atingiu o patamar de excelência que alcançou.
Por isso, o leitor
livre de preconceitos encontrará em seu ideário muito mais que uma simples réplica,
pois ao longo de seus estudos a marca de sua genialidade é patente; como,
aliás, bem se pode ver na sua coragem em vestir, sem falsos pudores, a toga do
chamado “Pessimismo Filosófico” em
contraponto ao Idealismo enigmático e
otimista de Hegel, cujo predomínio
no cenário erudito era absoluto.
Veremos no correr deste
Ensaio que Schopenhauer foi um jovem de temperamento difícil, em permanente
conflito contra as ideias predominantes, contra a família em geral e
especialmente contra a mãe, uma romancista bem sucedida.
Dono de uma
personalidade melancólica, irritadiça, contestatória e até paranoica em alguma
medida, o filósofo não apresentou grandes transformações com o avanço da idade;
porém, a partir de seu encontro com as doutrinas da Índia – sugerido por amigos
de refinada cultura – ele pôde canalizar as suas iras e frustrações para a
produção das obras que ainda hoje lhe asseguram um destacado lugar no panteão
da cultura alemã.
Schopenhauer e a origem
do Pessimismo.
Quantas pessoas haviam
morrido em busca do sonho republicano? Quantas viveram pela crença que Napoleão
Bonaparte suscitara? E o que restara das lutas e das esperanças?
Um nobre da dinastia
dos Bourbon voltara ao trono da França; a monarquia revigorada pela vitória em
Waterloo mostrou-se mais sólida que antes e todas as riquezas que antes existiam
viraram cinzas, consumidas pelos bombardeios. Foi isto o que restou.
E não apenas isso, pois
também restaram milhões de homens mortos, lavouras destroçadas, desemprego em
massa graças à crescente mecanização e, como corolário, a mais negra miséria,
seguida por suas filhas inseparáveis: a fome, a doença e a violência generalizada.
Restara, em suma, uma
Europa devastada.
E foi esse quadro
sombrio que produziu o “Pessimismo”, enquanto estilo e estética, nas Artes e na
Cultura em geral.
Foi naquela funesta
primeira metade do século XIX que se viu o aparecimento de poetas como Byron, na Grã Bretanha; De Musset, na França; Heine, na Alemanha; Leopardi, na Itália; Pushkin e Lermontof, na Rússia, cujos versos cantavam, sobretudo, o desencanto,
a desesperança, a tristeza. Idem no campo da música com Schubert, Schumann, Chopin e até Beethoven em sua última fase, que compuseram obras eivadas de
melancolia.
E no terreno da
Filosofia, dentre outros, sobressaiu-se Schopenhauer,
cuja pena expôs sem contemplação a desimportância do homem, que, no entanto, nega-se
a admiti-la, buscando desesperadamente ocultar através de falaciosas
composições filosóficas, artísticas e religiosas essa realidade que lhe é
tenebrosa.
E naquela cena de
completa devastação material e degeneração moral, coube à Filosofia de Schopenhauer
o encargo de espelhar a destruição e tentar ser um guia que pudesse auxiliar o
homem a se enxergar completamente desnudo de suas máscaras e atavios. E, mais
importante, através desse despojamento pudesse perceber a insanidade de suas escalas
de valores, ambições e condutas.
É certo que tal meta
pecava pela pretensão, já que milênios de fantasiosas teorias religiosas e filosóficas
inculcaram-lhe uma descabida arrogância; porém, é justo considerar que a partir
de seu advento a Filosofia abandonou a sua pernóstica incompreensibilidade,
tornando-se mais palatável para os leigos e permitindo com isso que o homem
comum passasse a pensar em si próprio sem as quimeras de outrora.
Se os despossuídos de
dinheiro e de cultura ainda encontravam consolo nas fantasias da Religião, aqueles
outros que viviam em patamares intelectuais mais elevados já tinham abandonado
qualquer fé mística e só enxergavam as ruínas que constituíam o seu mundo em
1818. Era, portanto, inevitável que esses mesmos homens comuns se perguntassem:
por quê? Cada túmulo, cada execução por dividas, cada bancarrota era uma
pergunta.
Seria um castigo de
Deus, que assim punia aqueles que ousaram, a partir de Voltaire, a pensar?
Seria o reino de
Lúcifer em pleno gozo com o sofrimento de quem acreditara nas Luzes do Iluminismo,
da Razão e rejeitara a crença supersticiosa?
Alguns acharam que sim.
E a exemplo do poeta Novalis, do
escritor Gogol e doutros, não hesitaram
em voltar para a irracionalidade da religião.
Outros, porém,
recusaram-se a caminhar para o retrocesso e a exemplo de Schopenhauer, Byron, Leopardi, Lermontof etc. reafirmaram o seu ateísmo, a sua descrença em um
Deus que havia permitido todas aquelas mazelas, e enfrentaram com a coragem que
a verdade exige o dilema que tangencia a humanidade: o vislumbre da santidade
contra a bestialidade de nosso cotidiano.
Uma breve Biografia
Filho de um comerciante
famoso pela competência comercial, pela independência de espírito e pelo mau
gênio e de uma Romancista de razoável sucesso, personalidade difícil e vaidade
aflorada, Schopenhauer teve que abandonar a cidade natal logo aos cinco anos de
idade por decisão do pai, que não se conformava com a anexação que a Polônia
fizera do lugar em 1793.
Junto com os genitores,
mudou-se para Hamburgo e cresceu em meio aos negócios paternos, os quais,
aliás, abandonou tão logo foi possível.
Conservou, porém,
alguns saberes típicos do mundo comercial que lhe foram úteis tempos depois, por
lhe permitirem administrar a sua pequena herança e com ela levar uma vida confortável,
ainda que sem luxo. Além disso, os negócios deixaram-lhe um comportamento frio,
rude, altivo e participativo, que o fizeram diferente do estereótipo dos intelectuais,
que geralmente são imaginados como sorumbáticos, melancólicos, introvertidos
etc.
Em 1805, segundo
algumas versões, seu pai cometeu suicídio e como a sua avó paterna também falecera
louca, alguns estudiosos consideram que esses dois episódios trágicos poderiam
ser uma das causas de sua adesão ao estilo “Pessimista”, que imperava nas Artes
e na Cultura da época. Uma aproximação resultante de sua propensão genética.
Tese, porém, que outra corrente de eruditos rejeita com veemência.
Contudo, independente da
causa, o certo é que a sua personalidade influenciou fortemente a sua
Filosofia, tanto no aspecto comportamental, quanto intelectual, pois como ele
próprio dizia “se do pai herdou o
temperamento difícil, foi da mãe que herdou a intelectualidade aguçada”.
Todavia, a liberalidade
em pensar e em agir da mãe, que rompeu vários tabus da época, não contava com a
simpatia do filho; e foi justamente essa maneira de ser, junto com a vaidade de
ambos, o motivo preponderante para o rompimento entre eles, acontecido após uma
áspera discussão, na qual ela chegou a agredi-lo fisicamente. A partir daí, nunca
mais se viram.
Esse desamor na
infância e na mocidade, certamente, cobrou-lhe um preço alto e durante o resto da
vida ele rejeitou compromissos amorosos mais sérios; conservando-se solitário,
amargo, repleto de manias, tiques nervosos, paranoias (como a de que
seria assassinado e por isso dormia ao lado de duas pistolas carregadas; de ser
degolado pelo barbeiro), obcecado pelo silêncio etc.
E à solidão, à amargura,
juntou-se a frustração por não ver a sua autoproclamada genialidade ser devidamente
reconhecida; o que deveria ser natural, em seu modo nada modesto de ser.
Esse conjunto de
fatores negativos levou-o a interiorizar-se cada vez mais, fazendo-o egocêntrico
ao extremo e distanciando-o dos assuntos de seu tempo de forma quase absoluta.
Sempre arisco a
qualquer comprometimento nacionalista, fosse de caráter político ou bélico, só
abriu uma exceção em 1813, quando se deixou influenciar pela arenga patriótica
de Fichte, que propunha uma guerra
de libertação contra Napoleão. Mas o seu entusiasmo pouco durou e ele mudou-se
para a zona rural alegando que: “afinal,
o Corso limitava-se a dar uma vazão concentrada e desimpedida àquela confiança
em si mesmo e àquela ânsia de viver”. Aliás, deste episódio,
posteriormente, ele pinçou essa observação sobre o conquistador francês, citando-o
como um dos mais claros exemplos da “Vontade”, enquanto a real essência da
vida.
Para muitos críticos, a
tese que ele escreveu durante essa temporada no campo, “A quádrupla raiz da razão
suficiente”, não prima pela originalidade, sendo, a rigor, apenas uma
versão da Lei de Causa e Efeito, onde:
1)
Lógica – como a determinação de
conclusão a base de premissas.
2)
Física – com a determinação do efeito
pela causa.
3)
Matemática – como a determinação da estrutura
pelas Leis da Matemática e da Mecânica.
4)
Moral – como a determinação da conduta
pelo caráter.
E como as críticas não
se esgotaram nessa obra, logo os ataques se voltaram contra “O Mundo como Vontade e Representação”,
que além das censuras, nada mais recebeu, sendo relegado ao completo
ostracismo, apesar dos autoelogios que Schopenhauer nunca deixou de se fazer,
acreditando piamente que a sua genialidade só seria entendida pelos homens do futuro,
por estar muito além das mentes “boçais” de seu tempo.
Considerações que podem
parecer arrogantes, mas que se mostraram verdadeiras, pois o aplauso que tanto
custou a lhe chegar é farto na atualidade, apesar das críticas que ainda
enfrenta, como a que lhe fazem aqueles que afirmam que a sua obra posterior ao
citado “O Mundo como Vontade e Representação”
não passa de uma justificação e de uma apologia da mesma.
E o fracasso na
carreira literária repetiu-se na carreira acadêmica. Após o rompimento com a
mãe, ele deixou Weimar com a viva esperança de ser convidado para lecionar em
uma das grandes universidades, mas esse convite só surgiu em 1822 quando ele
foi chamado a ser “Privat Docent” na universidade de Berlim.
Com a excessiva
autoconfiança que lhe era típica e, talvez, com certa arrogância, decidiu que
as suas aulas seriam ministradas nos mesmos dias e horários que as de Hegel, o grande nome do momento, pois confiava
plenamente em desbancar o grande ídolo.
Mas o seu sonho só
durou até ele ver que lecionava para uma sala vazia, pois as suas aulas despertaram
a mesma indiferença que os seus livros. Restou-lhe, então, demitir-se e
reverberar suas criticas e ofensas ao seu odiado concorrente.
Dessa sorte, mal sucedido
em ambas as searas, valeu-se da herança que o pai lhe deixara e dedicou-se
integralmente a uma vida de estudos e de novas produções literárias, as quais,
em certo momento começaram a ser reconhecidas e aplaudidas pelos leigos, que
viam em seu ideário o avesso do indecifrável conteúdo abstrato que outros
Filósofos ofereciam ao público.
Ao contrário daqueles,
ele ofertava aos advogados, aos comerciantes, aos artistas e a outros membros
da classe média uma gama de assuntos diretamente relacionados com a vida
prática, concreta; e essa população desiludida com a Metafísica abstrata e
distante de suas penúrias, aderiu em massa àquele sistema que lhe parecia inovador.
Enfim, a fama
consagradora chegara ao filósofo que, apesar de seus sessenta anos de idade,
não teve o menor pudor em demonstrar o gozo que experimentava pelo
reconhecimento que lhe era prestado.
E foi nesse êxtase que
ele viveu até que na manhã de 21 de setembro de 1860 a sua senhoria encontrou-o
morto à mesa do desjejum, na pensão onde morou por mais de trinta anos,
acompanhado apenas por seus cães, sendo que ao último deu o sugestivo nome de
“Mundo”.
Cronologia:
1788 – nasce em 22 de
Fevereiro, na cidade de Dantzig.
1807 – ingressa no
Liceu de Weimar.
1813 – doutora-se pela
universidade de Berlim com a tese “A quádrupla raiz do principio da Razão Suficiente”.
1816 – publicada a obra
“Sobre a Visão e as Cores”.
1819 – publicada a obra
“O Mundo como Vontade e Representação”.
1841 – publicada a obra
“Os dois Problemas Fundamentais da Ética”.
1842 – publicada a obra
“Parerga e Paralipomena”.
1860 – morre em 22 de
Setembro, na cidade de Frankfurt aos 72 anos de idade.
As obras e os tópicos principais de sua filosofia
O Mundo como Ideia ou
Representação.
Como se disse
anteriormente, a clareza com que Schopenhauer expôs as suas concepções foi uma
das razões para o sucesso que alcançou. E, com efeito, uma das primeiras
qualidades que se nota no livro “O Mundo
como Vontade e Representação” é a leveza no estilo com que ele redigiu o
seu texto.
Ao contrário de outros,
que se caracterizaram pela dificuldade de suas linguagens, ele foi coloquial,
direto e pródigo em oferecer exemplos concretos do cotidiano, que facilitam a
compreensão de seus argumentos e conclusões, cujo eixo, diga-se, gira em torno
da ideia central de que o Mundo é a Representação
Mental (ou a ideia)
que fazemos dele; e que a sua essência é a Vontade
(o
desejar, o querer).
Uma ideia pinçada
diretamente da Filosofia/Teologia Hindu – especialmente explicitada no Budismo –
que outorga ao homem a plena responsabilidade por suas dores, sofrimentos e
angústias, já que elas são o resultado de sua ganância desmedida, de seu apego
à matéria, e do tédio que lhe sobrevém tão logo os desejos são satisfeitos, por
lhe faltar conteúdo interior.
Ao endossar essa tese,
Schopenhauer descartava qualquer interferência divina sobre a vida do homem,
sugerindo, portanto, um ateísmo que à época soava como uma blasfêmia terrível.
E isso, certamente, foi uma das causas da rejeição que o seu Pensamento
despertou, haja vista que a penúria e a desesperança que campeavam na ocasião,
quase que exigiam o consolo, mesmo que falacioso, de um socorro divino.
Embora a sua Filosofia
fosse compreensível, clara, ordenada e aceitável para grande parte da população,
ela fora maculada pelo “defeito” de negar uma ilusão.
Outro motivo para essa
rejeição encontra-se no fato de que ele atacava sistematicamente aqueles indivíduos
que poderiam facilitar-lhe a aprovação e granjear-lhe simpatia: os Professores
universitários e os Doutores em Filosofia. A esse respeito, aliás, tornou-se
célebre o seu ataque a Hegel, o “ditador intelectual”, em frases lapidares:
“Nenhum período pode ser mais
desfavorável à Filosofia do que aquele no qual ela é vergonhosamente usada de
forma incorreta, de um lado para favorecer objetivos políticos, e de outro,
como meio de vida (...). Não haverá, então, nada para se opor à máxima
‘primeiro viver, depois filosofar’? Esses cavalheiros desejam viver e, na
verdade, viver à custa da filosofia. À Filosofia se dedicam, com suas esposas e
filhos (...). Nada se consegue em troca de ouro, a não ser mediocridade (...).
É impossível que uma era que há vinte anos vem aplaudindo um Hegel – esse
Caliban intelectual – como o maior dos Filósofos (...) faça com que alguém que
tenha observado isso fique desejoso de sua aprovação”.
Em verdade, deve-se dizer
que as censuras de Schopenhauer não podem ser consideradas sinceras, pois ele
também ambicionava a glória, a fama e a fortuna e alguns de seus críticos mais
severos chegaram a afirmar que as invectivas que ele proferia amiúde, eram
fruto apenas de uma inveja vil e de um sórdido despeito pelo sucesso alheio.
Contudo, apesar da
glória não ter chegado, o seu ideário havia sido colocado na cena da Filosofia
e de modo paulatino as suas concepções começaram a ganhar os adeptos
necessários para sobreviverem até que o reconhecimento pleno, enfim, chegasse.
Dessa sorte, amparado
pela resistência que as suas teorias demonstravam em meio a tantas hostilidades,
ele continuou a exercer a sua natural imodéstia e foi com ela que ele abriu o
seu livro, declarando: “O Mundo é a minha
ideia”.
Pouco ou nada lhe
importava a opinião de alguns, já que ele considerava que a sua teoria era
endossada nada menos que pelo grande Kant, um avalista inquestionável.
Afinal, fora o mestre que afirmara que o mundo externo só chega ao nosso conhecimento
através de nossas Sensações e Ideias.
Após essa entrada
“avalizada” pela tese kantiana, ele colocou uma bem ordenada crítica ao Materialismo,
que alguns estudiosos consideraram dispensável, embora reconhecessem que a
mesma poderia ser útil para o público que ele buscava atingir, ou seja, os
iniciantes nas lides filosóficas. De todo modo, todos reconhecem a valia dos
argumentos ali contidos.
Ele inicia o capitulo
com a seguinte indagação: “Como explicar
a Mente como matéria, quando só conhecemos a matéria através da mente?”. Na
sequência ele afirma que:
“Se
tivéssemos seguido o materialismo até agora com ideias claras, quando
atingíssemos o ponto mais elevado seriamos tomados de um acesso do
inextinguível riso dos Olimpio. Como que acordando de um sonho, ficaríamos de
imediato, cientes de que o fatal resultado – o conhecimento – que ele atingira
com tanto esforço estava pressuposto como condição indispensável de seu próprio
ponto de partida: pura matéria; e quando imaginávamos que pensávamos matéria,
na realidade só pensávamos o sujeito que percebe a matéria: o olho que a vê, a
mão que a sente, a compreensão que a conhece. Assim, o tremendo erro inicial
revela-se de forma inesperada; porque subitamente se percebe que o último elo é
o ponto de partida, a cadeia de um círculo (...). O Materialismo grosseiro que
mesmo agora, em meados do século XIX, tem sido novamente servido na ignorante
ilusão de que é original (...) estupidamente nega a força vital e, antes de
tudo, tenta explicar os fenômenos da vida com base em forças físicas e
químicas, e estas também com base nos efeitos mecânicos da matéria (...) mas eu
nunca acreditarei que até mesmo a mais simples combinação química possa dar margem,
alguma vez, a uma explicação mecânica; muito menos no caso das propriedades da
luz, do calor e da eletricidade. Estas irão, sempre, exigir uma explicação
dinâmica”.
De fato, é impossível
solucionar os enigmas metafísicos ou revelar a essência da matéria, estudando-a
primeiramente e só depois o pensamento. É imperioso que comecemos com aquilo
que entendemos direta e intimamente, ou seja, nós mesmos.
Nunca se chegará à
verdadeira natureza das coisas, à sua essência, partindo-se do exterior para o
interior, pois, por mais que exista esforço e boa vontade, só se chegará a
imagens e a nomes. Porém, se partirmos para uma investigação séria sobre a estrutura
e o funcionamento da nossa mente, será possível descobrir “a coisa em si” do
mundo externo.
Com esse discurso
contra o Materialismo, Schopenhauer reforçou a sua tese de que o mundo é uma
construção mental, uma representação que fazemos e a partir dessa consolidação
ele parte para a segunda parte de sua obra, onde reafirma ser a Vontade a
essência desse mundo. É o que veremos na sequência.
Antes de Schopenhauer, Spinoza
havia dito na 4ª Parte de sua “Ética” que: “o
desejo é a própria essência do homem”. E desde o princípio, o Hinduísmo e
as suas continuações (o Budismo, o Jainismo etc.)
fizeram desse mote a base de sua doutrina.
Isso colocado, o leitor
(a) pode se perguntar qual será, então, a originalidade e o mérito de Schopenhauer?
Se tudo já havia sido
tratado, por que lhe coube a glória de que desfruta? São dúvidas válidas e procedentes
e se deve admitir que realmente não existe originalidade em seu Sistema filosófico.
Porém, o seu mérito
relaciona-se ao fato de foi graças ao seu trabalho que essas ideias se tornaram
acessíveis aos leigos, tornando o homem comum mais consciente de sua responsabilidade
enquanto agente ativo, ao invés de ser uma mera vitima dos golpes da sorte e de
uma suposta vingança divina. De certo modo, ele contribuiu para libertar o
sujeito das amarras de um hipotético destino predeterminado.
Pode-se, então, dizer
que foi esse resgate, essa atualização e essa ocidentalização de antigos e remotos
conhecimentos que constituem a grandeza de seu ideário.
***
A quase unanimidade dos
Filósofos colocou o Pensamento e a Consciência como a essência da Mente. Disso
provieram os conceitos de “animal racional” e/ou “animal consciente”.
Porém, para Schopenhauer
esse é um erro crasso, pois para ele a Consciência é apenas a superfície da
Mente; e o Intelecto é uma mera ferramenta a serviço da Vontade, a verdadeira essência da mente, do homem e do mundo.
Uma “força vital”
imperiosa, que pode ser consciente ou inconsciente.
Às vezes pode parecer
que o Pensamento ou Intelecto comandam essa força, mas como bem exemplificou o
filósofo é justamente o contrário, sendo a Vontade “o vigoroso homem forte, porém cego, que carrega o homem aleijado que
enxerga”.
O Intelecto assume o
papel de órgão de visão, de instrumento ou ferramenta, para que a Vontade
chegue aonde almeja.
A rigor nós não
desejamos algo porque temos motivos para lhe desejar. Nós é que fabricamos os motivos,
válidos ou não, para justificarmos aquele desejo.
Chegamos até a criar
filosofias, Teologias e Tratados Científicos para disfarçar os nossos desejos
com o intuito de enobrecê-los, tornando-os mais aceitáveis e por isso
Schopenhauer disse que o homem é o “animal
metafísico”, já que é o único que procura transcender seus desejos, tentando
elevá-los da esfera do simples querer.
E esse jugo da Vontade
é de tal modo atuante sobre o homem que para convencê-lo de algo não basta
fazer uso da boa e correta Lógica se ele “não
quiser” entender e concordar.
É preciso convencer a
sua “Vontade”. Fazer com que ele “queira” compreender, mesmo que para
tanto seja necessário apelar para os seus interesses pessoais, os quais, aliás,
são capazes até de aguçar o raciocínio dos homens menos inteligentes; e de agilizá-lo
e fortalecê-lo quando existe algum tipo de ameaça ou de necessidade premente.
A dura luta diária que
o homem trava por comida, sexo e descendência é a expressão mais visível desse
predomínio. Dessa inelutável “vontade de viver”. E de “viver plenamente”. Nas
palavras de Schopenhauer:
“Só
aparentemente os homens são puxados pela frente; na realidade, são empurrados
por trás. Eles pensam que são conduzidos pelo que veem, quando na verdade são
levados adiante por aquilo que sentem – por instintos cujo funcionamento ignora
na metade das vezes. O Intelecto é meramente o ministro das relações exteriores
(sic). A natureza criou-o para servir à
Vontade”.
E porque a natureza
criou o Intelecto nessa condição inferior, ele é capaz de saber as coisas que
interessam à Vontade, mas é incapaz de compreender a essência da mesma, tal
qual um martelo que não consegue entender o que o faz chocar-se contra o prego.
A Vontade, por essas
características, é o único elemento imutável da mente, pois ao contrário do Intelecto,
da Memória etc. ela não se modifica em casos de distúrbios mentais, como se
pode observar nos dementes que conservam integralmente os seus desejos.
É claro que a Vontade
mais básica, a de viver, em certos casos pode minguar ao ponto do indivíduo
cometer suicídio, mas ainda assim a Vontade se manteve inalterada, pois ele quis morrer. Exercitou,
portanto, a Vontade.
E é graças a essa
imutabilidade que ela dá unidade à Consciência e mantêm conectados os pensamentos,
as ideias; ademais, também resulta dessa continuidade de propósitos o próprio
caráter do individuo.
A esse respeito, aliás,
a sabedoria popular privilegia intuitivamente o indivíduo “bom de coração” em
detrimento daquele que possua uma “mente brilhante”, o qual pode até conquistar
admiração, mas não o afeto que é dedicado ao outro.
O próprio corpo físico
é um produto da Vontade, bastando observarmos que o sangue circula independente
de qualquer reflexão, por obra daquela ânsia que chamamos de “vida” ou “impulso
vital”. Ou, que a vontade de saber é
o que constrói o cérebro; que é o desejo de segurar que modela as mãos
etc.
Na verdade, a ação do
corpo é a objetivação, a concretização do ato da Vontade e, por isso, as partes
do corpo correspondem aos desejos através dos quais a mesma se manifesta.
Vejamos os seguintes exemplos:
- Os
dentes, a garganta e o intestino, que servem à “fome objetivada”, isto “ao
querer viver” que depende da nutrição;
- Os
orgãos reprodutores, que atendem ao “desejo sexual materializado”, ou
seja, à replicação da Vida em novos indivíduos;
- O
sistema nervoso, que é o conjunto de “antenas” que capta as Vontades
exteriores e emite as interiores.
Nas palavras de
Schopenhauer:
“O
corpo humano é a Vontade em seu aspecto geral, sendo cada organismo individual,
a objetivação da Vontade Geral adaptada para aquele indivíduo”.
Assim, após demonstrar
que a Vontade é a real essência do homem, Schopenhauer avançou em sua
tese colocando a seguinte questão:
“E
não será a Vontade, também a essência da vida em todas as suas formas e até da
matéria inanimada? Não será ela a “coisa em si” kantiana?”.
É uma opção tentadora
achar que sim, pois a Lógica* favorece essa aceitação.
***
Em termos filosóficos,
ainda não sabemos definir com precisão absoluta o que seria a “Força”, a
“Gravidade”, a “Afinidade”, a “Repulsão” etc., haja vista que o nosso
conhecimento sobre as mesmas, limita-se ao que nelas há de material, porque em
termos de “realidade última”, de “essência”, elas continuam a serem ilustres
desconhecidas.
Porém, como podemos ter
algum vislumbre acerca da “Vontade”, podemos ousar dizer que ela é a cristalização
daquelas e doutras forças.
O Instinto e a Vontade
Tornou-se célebre a
disputa entre o discípulo Aristóteles
e o mestre Platão sobre a “localização”
da Ideia, enquanto modelo e essência
das coisas físicas. Enquanto o mestre a situava fora do indivíduo, o discípulo
insistia em sua interioridade, argumentando existir uma “Força Interna” que modela
as respectivas formas nos homens, nos animais e nos vegetais.
Schopenhauer encampou a
tese aristotélica ao considerar o Instinto
como a expressão mais clara dessa “Força Interna” ou da Vontade. E dentro dessa
linha de raciocínio, ele passou a investigar o instinto nos animais, porque
neles essa força não sofre a ação redutora da racionalidade e nem a castração produzida
pelo adestramento social que o homem sofre.
Nos animais seria
possível observar o “Instinto” em estado puro; e, nele, a Vontade.
Esse raciocínio se
adéqua às outras formas de vida, como, por exemplo, nos vegetais. Aliás, quanto
mais se desce na escala biológica, mas se percebe o declínio do Intelecto, mas
não o da Vontade. Nas palavras de Schopenhauer:
“Aquilo
que em nós persegue seus fins à luz do conhecimento, aqui apenas luta cega e
silenciosamente de maneira unilateral e imutável. Em ambos os casos, deve ser
classificada sob o nome de Vontade”.
O instinto dos animais
produz uma ação similar a que resulta de uma concepção racional, sem que, no
entanto, tenha havido qualquer operação intelectual. Quando, por exemplo, um
cão nos toca com a sua pata para que atendamos a um desejo seu, o resultado é o
mesmo que aconteceria se ele tivesse planejado intelectualmente fazer isso: nós
o atendemos. E de modo semelhante é o que acontece no restante da natureza,
quando efeitos acontecem apenas por obra da Vontade.
E sendo a Vontade a
essência da Vida, ela é, sobretudo, a Vontade
de Viver, cuja perpétua inimiga é a morte; a quem, todavia, consegue
superar através da “reprodução individual”, como veremos adiante.
A Vontade de
Reproduzir-se.
Quando um fio de cabelo
morre e se desprende da cabeça, o dono da cabeleira não sofre qualquer prejuízo,
pois morreu apenas uma das formas da vida que nele havia e que será substituída
adequadamente.
O mesmo acontece com a Vida em geral. Quando uma de suas
manifestações falece, seja um homem, um animal ou um vegetal, em nada a afeta,
tanto pela insignificância do indivíduo no contexto geral, haja vista que a sua
reposição ocorrerá segundo as regras de reprodução de cada reino e espécie.
Mas, e se uma
catástrofe extinguisse a totalidade da vida no planeta e até no universo conhecido?
Como o conceito “Vida”
ultrapassa o universo conhecido, a sua essência, “a Vontade”, continuaria a
triunfar sobre a Morte através da reprodução, que é o objetivo máximo de
todo ser vivo. É o instinto mais forte que atua no homem, nos animais, nos
vegetais e, provavelmente, nos “Seres”
que ainda nos são desconhecidos, embora já sejam considerados, pela ciência,
como existentes, ainda que apenas em forma microbiana.
E é justamente para
garantir essa vitória que a Vontade de
Reproduzir está acima de qualquer controle da Razão, da reflexão e, até,
das conveniências sociais.
Está acima, inclusive,
dos outros interesses que o indivíduo possa ter, os quais, aliás, só existem porque
são facilitadores da reprodução.
A mulher, por exemplo,
que se interessa em manter-se bela, inconscientemente atende aos desígnios
dessa Vontade. O homem que se interessa em ficar rico e poderoso, inconscientemente,
deseja apenas ter mais parceiras para se reproduzir.
Nas palavras de Schopenhauer:
“A
Vontade se mostra, aqui, independente do conhecimento e funciona cegamente,
como numa natureza inconsciente. (...) Devido a isso, os órgãos reprodutores
são, adequadamente, o foco da Vontade e formam o polo oposto ao cérebro, que é
o representante do conhecimento. (...) Eles são o principio que sustenta a vida
– garantem a vida eterna; por essa razão, eram adorados pelos gregos no phallus e pelos hindus no lingam. (...) Hesíodo e Parmênides
diziam, de forma muito sugestiva, que Eros é o primeiro, o criador, o principio
do qual se originam todas as coisas. A relação dos sexos (...) é, na realidade,
o invisível ponto central de todos os atos e condutas, e está se deixando
entrever em toda parte, apesar de todos os véus lançados sobre ela. É a causa
das guerras e o fim da paz; a base do que é serio e o alvo da pilhéria; a
inexaurível fonte de espírito, a chave de todas as ilusões, e o significado de
todas as insinuações misteriosas* (...). Nós a vemos, a todo instante,
sentar-se, como a verdadeira e hereditária senhora do mundo, pela plenitude de
sua própria força, no trono ancestral; e de lá, com um olhar de desdém, rir dos
preparativos para confiná-la, aprisioná-la ou, pelo menos, limitá-la e, sempre
que possível, mantê-la escondida, e mesmo assim dominá-la a fim de que ela só
apareça como uma preocupação subordinada e secundaria da vida...”.
Os interesses da
“Vontade de Reproduzir-se” são tão agudos e exigentes que precisaram ser
disciplinados e disfarçados por uma série de convenções sociais, embasadas na
moralidade religiosa, para que a sua satisfação não colida com as ideias plantadas
por milênios de civilização.
E foi a partir dessa
necessidade que o homem criou uma série de “sentimentos”, de ritos e de
liturgias, visando “civilizar” o puro desejo, o instinto sexual.
A seguir veremos a
questão do “Amor” e da reprodução.
O disfarce do Amor.
“O
amor é a melhor eugenia” – Will Durant.
A frase acima, do
ilustre filósofo e escritor estadunidense, poderá soar desagradável para os adeptos
do romantismo e inaceitável para aqueles que veem no termo “eugenia” uma
seleção preconceituosa e nefasta, tal como a que foi utilizada pelos nazistas
no seu delírio de “raça pura”.
É óbvio, porém, que o
sentido que o estadunidense lhe deu foi outro, pois, apesar de ser desagradável,
a verdade inelutável, segundo Schopenhauer, é que o encontro entre dois seres é
ordenado pela natureza com o fim precípuo de se conseguir a melhor reprodução
possível, para que expressão de Vida (ou da Vontade) que resultar do
encontro a consolide cada vez mais.
Essa tese sofreu forte rejeição
à época de Schopenhauer e ainda hoje é vigorosamente repelida. Afinal, tanto o
homem de ontem, quanto o de hoje, gosta de imaginar-se membro de uma espécie
que se situa acima das outras e até mesmo das Leis Naturais. Agora, como antes,
ampara-lhe essa jactância, o Racionalismo Materialista, o Otimismo filosófico e
o Romantismo, além de instituições como a Religião. Um conjunto que lhe fornece
os falaciosos argumentos com que escamoteia a sua mísera condição de ser apenas
uma das espécies que formam a fauna que povoa um obscuro ponto no universo.
Mas, apesar de toda
censura, Schopenhauer persistiu em sua teoria, afirmando que o “Amor”, a escolha
do parceiro (a), visa inconscientemente à cria perfeita que fortalecerá a
Vontade. Em suas palavras:
“Cada
qual procura um companheiro que vá neutralizar seus defeitos, para que não
sejam transmitidos; (...) um homem fisicamente fraco vai procurar uma mulher
forte. (...) Cada qual irá considerar bonitas em outro indivíduo as perfeições
que lhe faltarem; mais ainda até as imperfeições que forem opostas às suas.
(...) As qualidades físicas de dois indivíduos podem ser tais, que, para o fim
de restaurar tanto quanto possível o tipo da espécie, um deles será especial e
perfeitamente o complemento e suplemento do outro, que, portanto, irá desejá-lo
com exclusividade. (...) A profunda consciência com que consideramos e
avaliamos cada parte do corpo (...), a escrupulosidade crítica com que olhamos
para uma mulher que começa a nos agradar (...) o indivíduo age, aqui, sem o
saber, por ordem de algo superior a ele mesmo. (...) Todo indivíduo perde a
atração pelo sexo oposto na proporção em que ele ou ela se afasta do período
mais indicado para gerar ou conceber: (...) juventude sem beleza ainda exerce
sempre uma atração; beleza sem juventude, nenhuma. (...) Em todos os casos em
que o indivíduo se apaixona (...), a única coisa visada é a produção de um
indivíduo de natureza definida, o que pode ser confirmado primordialmente pelo
fato de que a questão essencial não é a reciprocidade do amor, mas a posse”.
E por isso, prossegue o
filósofo, nenhuma união é mais destinada ao fracasso que o chamado “casamento
por amor”, pois a natura pouco se importa se os cônjuges serão felizes por toda
vida ou se por minutos apenas, já que para os seus propósitos só lhe interessa
a reprodução resultante do enlace.
Ainda segundo as suas
concepções, o amor é uma mera fantasia criada pela mente humana para dignificar
um desejo que a religião o adestrou a considerar pecaminoso e sujo.
Assim sendo, está
destinado a terminar tão logo o objetivo reprodutivo tenha sido alcançado.
***
E a aqui chegados, rogo ao leitor (a) que antes de vociferar contra a “suposta insensibilidade, típica de um desajustado
social e talvez sexual”, examine sem pré-conceitos as assertivas de Schopenhauer:
O primeiro ponto seria
a questão da semântica, pois se substituirmos o nome “amor” por “paixão”, nós
facilitaremos a concordância com os seus argumentos.
Reservemos, portanto, o
termo “amor” para nomear aquelas outras afeições que podemos sentir por algo ou
por alguém sem qualquer conotação sexual, embora essas mesmas afeições também
sejam, a rigor, comportamentos ditados pela Vontade, haja vista que visam,
ainda que inconscientemente, a manutenção da vida individual e a da espécie,
com o amparo e o abrigo de amigos e familiares.
Feita essa distinção,
seremos obrigados a convir que a “paixão” é, com efeito, limitada no tempo e
suscetível de se romper com o avanço da rotina, das pequenas desavenças e com o
acúmulo das obrigações cotidianas.
Resta como suporte aos
relacionamentos, sejam eles ortodoxos ou heterodoxos, as conveniências sociais
e/ou familiares e/ou financeiras, além de casos eventuais de amizade entre os cônjuges,
de acomodação, de temor da solidão e até mesmo, em casos raríssimos, a
manutenção daquela paixão inicial.
O Espaço, o Tempo e a
Individuação
Segundo Schopenhauer,
tudo que fazemos e sentimos está previamente programado; e que somos apenas
mais uma das tantas expressões com que a Vontade se manifesta, ainda que possa
parecer que no Espaço e no Tempo sejamos Seres independentes e separados do “Todo”.
Porém, para ele, Espaço e Tempo constituem apenas o “principio da individuação”, que divide a
“Vida” em organismos distintos, surgidos em diferentes lugares e épocas.
Espaço e Tempo que são
como o célebre “véu de Maya”, ou seja, a ilusão que esconde a unidade de tudo,
pois, em verdade, existe apenas a “Vida” e, portanto, a “Vontade”, que é a sua
essência.
A Continuidade de Tudo
Em sua obra “Conversa com Goethe”, Schopenhauer diz
que “compreender claramente que o
indivíduo é apenas o fenômeno e não a ‘coisa em si mesma’ e ver na constante
mudança da matéria a permanência fixa da forma, é entender a essência da
Filosofia”.
Na sequência ele afirma
que:
“Aquele
para quem os homens e todas as coisas não tenham parecido, o tempo todo, meros
fantasmas ou ilusões, não tem capacidade para a Filosofia. (...) A verdadeira
Filosofia da história está em perceber que em todas as intermináveis mudanças e
heterogênea complexidade de eventos, é apenas o mesmíssimo ser inalterável que
está diante de nós, que hoje persegue os mesmos fins que perseguia ontem e
perseguirá sempre. O filósofo histórico tem, por isso, de reconhecer o caráter
idêntico em todos os eventos (...) e, apesar de toda a variedade de
circunstâncias especiais, de trajes, condutas e costumes, ver em toda parte a
mesma Humanidade. (...) Ter lido Heródoto é, do ponto de vista filosófico, ter
estudado bastante história. (...) O tempo todo e em toda parte o verdadeiro
símbolo da natureza é o circulo, porque ele é o plano ou tipo de recorrência”.
A Vontade e o
Determinismo
Entre tantas outras,
tornou-se a célebre a sentença de Voltaire
que diz: “deixaremos o mundo tão tolo e depravado
quanto o encontramos”. Mas, ainda assim, gostamos de pensar que a história
foi um reles preparativo para as “glórias” de nossa época.
Porém, essa ideia de
progresso, tanto material quanto ético, não passa de mera estultice da nossa
vaidade, pois, em essência, o homem continua a ser como sempre foi; e essa
constatação nos remete para a sinistra possibilidade de que o Determinismo
seja tão hegemônico, que o nosso decantado livre-arbítrio não seja nada além de
uma quimera.
Em sua “Epístola 62”, o filósofo Spinoza diz que se uma pedra lançada no
espaço tivesse consciência, ela certamente pensaria que estaria voando por
vontade própria. Não seremos iguais a essa pedra?
Movidos por uma força
que desconhecemos e iludidos que comandamos os nossos voos, não seremos tão
títeres quanto todo o resto?
Para Schopenhauer, sim!
Todavia, ao contrário da pedra, podemos reconhecer a força que nos impulsiona
como sendo a “Vontade” e através desse conhecimento podemos buscar a felicidade
que nos for possível; cônscios das limitações que o Determinismo nos permitir e
de acordo com as condições impostas pela realidade do mundo, que é “Mal”.
O Mundo e o Mal
Nesse trecho o leitor
(a) perceberá o maior ponto de aproximação entre o Hinduísmo e a Filosofia
schopenhauriana. Na verdade, é quase que uma adaptação da ancestral sabedoria
dos “sadus” indianos, ao estilo literário do Ocidente.
Não foi Schopenhauer o
primeiro filosofo ocidental a levantar essa questão, pois já na Grécia clássica
o assunto veio à baila através dos Cínicos*
e, também, de Aristóteles*, mas, deve-se a ele a atualização do tema.
Segundo ele, se o mundo
é a “Vontade (o desejo eterno e obsessivo de obter, de conquistar
algo ou alguém etc.)”, consequentemente, é um mundo de
sofrimentos, já que o seu regente é a constante e insaciável necessidade de
possuir, de consumir, sem que nem mesmo se saiba o motivo dessa ansiedade. O
desejo é infinito, mas a realização é limitada, e tal frustração é um dos
pilares do constante sofrimento. Estando submetidos ao império dos desejos,
nunca podemos ter a paz, já que a satisfação de uma querência abre caminho para
a seguinte.
E pior, a satisfação de
um desejo quase sempre acarreta um novo sofrimento, que pode ser causado pela
decepção com aquilo que foi conquistado e/ou pelas exigências que o resultado
obtido impõe, como, por exemplo, no caso do indivíduo que conquistou um cargo
político e se sente incomodado pelos rituais a que tem que comparecer, pressionado
pelas cobranças de quem o ajudou na conquista, angustiado pelas
responsabilidades que passou a ter etc. E esse conjunto de frustrações,
decepções e angústias levam a novos desejos, inclusive ao de poder renunciar
aquilo que conseguido.
E mesmo que o resultado
seja satisfatório, em pouco tempo novos desejos afloram, já que o tédio de nada
desejar é tão angustiante quanto o próprio querer.
É a essência do mundo. Nada,
além da Vontade, existe, realmente.
Nas palavras de
Schopenhauer:
“Em
cada indivíduo, a medida do sofrimento que lhe é essencial foi determinada, de
uma vez por todas, pela natureza; uma medida que não pode ficar vazia nem ser
cheia em excesso. (...) Se uma grande e premente preocupação nos é tirada do
peito (...), imediatamente é substituída por outra, cuja matéria-prima já se
encontrava lá, mas não podia ser percebida pela consciência como preocupação
porque não havia lugar para ela. (...) Mas agora que há espaço, ela vem ocupar
o trono”.
E além desses fatos,
ainda é preciso considerar que pairam no horizonte humano as eternas ameaças
das forças da natureza, como os vulcões, os furacões, as secas, as inundações
etc. cujo poder inelutável é capar de arrasar em segundos as obras e as
quimeras que, geralmente, custaram anos de trabalho, penosos sacrifícios e até
mesmo esforços mortais.
Dessa sorte, diante de
tudo isso, para Schopenhauer “o otimismo
é uma zombaria amarga das desgraças do homem”.
Sendo a “Teodicéia” de Leibniz, que louva uma suposta bondade divina, uma obra cujo único
mérito foi ter servido para que Voltaire
escrevesse a irônica antítese da mesma em seu imortal “Cândido ou o Otimismo”, no qual, a sua fina ironia, destroi
qualquer ilusão de que se “vive no melhor
dos mundos”.
O Tédio
Mas a taça de
sofrimentos não se esgota na “Vontade insaciável” nem na ameaça dos
cataclismos, pois ainda que fosse possível satisfazer todos os desejos e
afastar todos os perigos, em breve chegaria o tédio de não se ter mais o porquê
de lutar para se obter algo ou alguém. Não tardaria o horror de não se ter um objetivo.
O terror de se saber inútil e de se ter tanto tempo vago, que seria impossível
escamotear a triste realidade de que somos absolutamente dispensáveis.
E o emergir desse novo
sofrer reforça a tese de que a Vida é essencialmente “má”, porquanto tão logo
cessa a angústia dos desejos insaciados e a frustração disso decorrente,
sobrevém o tédio que pressiona o homem com tamanha intensidade que ele busca
com a urgência do desespero desejar alguma outra coisa para escapar daquela
opressão tenebrosa.
É o caso, por exemplo,
do indivíduo que anseia desesperadamente aposentar-se para fugir de um trabalho
e de uma rotina massacrante, mas que tão logo consegue o repouso remunerado
busca, incontinenti, uma nova ocupação para fugir do tédio que obsolência
acarreta (aqui
não se considerou as questões financeiras por fugir do escopo do assunto).
Ou, então, o milionário
que busca incessantemente aumentar a sua fortuna sem que exista qualquer necessidade
ou que exerce uma série de atividades pseudos filantrópicas, culturais e
semelhantes apenas para ocupar o tempo.
O fato é que não
podemos fugir do que somos em essência: uma das expressões da Vontade.
A Dor e o Conhecimento
E a malignidade da Vida
não diminui com o aumento do saber. Ao contrário, pois quanto mais instruído
for o indivíduo, maior será o seu sofrimento.
Por outro lado, quanto
mais inculto e iletrado for o sujeito, menores serão os seus desejos, mas isso
não lhe isenta de sofrimento, já que as expectativas que não tem, cedem lugar para os temores supersticiosos e
religiosos que derivam de sua ignorância.
Contudo, o homem de
baixa intelectualidade leva a vantagem de iludir-se com mais facilidade e, com
isso, contornar mais facilmente a sua dor e o seu tédio, mediante qualquer tipo
de diversão grosseira e/ou pelas promessas falaciosas que a religião oferece.
Segundo Schopenhauer:
“Porque,
à medida que o fenômeno da Vontade se torna mais completo, o sofrimento se
torna cada vez mais aparente. Na planta ainda não há sensibilidade, não havendo,
portanto, dor. Um certo grau muito pequeno de sofrimento é experimentado pelas
espécies mais baixas da vida animal. (...). Ele aparece, primeiro, em alto
grau, com o completo sistema nervoso dos animais vertebrados**, e sempre em
grau mais elevado quanto mais a inteligência se desenvolve. Assim, na proporção
que o conhecimento atinge a distinção, que a consciência ascende, a dor também
aumenta e chega ao seu ponto máximo no homem. E então, outra vez, mais
distintamente o homem sabe – quanto mais inteligente ele for –, mais dor ele
terá; o homem dotado de gênio sofre mais do que todos os outros”.
Aqueles que são mais
bem dotados intelectualmente, e por isso possuem maior acervo na memória e
maior capacidade de antevisão, tem o seu sofrimento aumentado, já que as
maiores dores estão nas lembranças e na antecipação dos fatos, quer pelas
frustrações dos desejos não realizados, quer pelo temor de não satisfazer os
futuros.
Dessa forma, não há
como escapar da nefasta constatação de que a vida se resume ao eterno pêndulo
de desejo insaciável e tédio avassalador, cabendo ao homem o triste papel de
ser um mero joguete a serviço da Vontade.
Segundo Schopenhauer, Dante
Alighieri, em sua monumental “A
Divina Comédia”, conseguiu descrever brilhantemente o “Inferno”, porque lhe
bastou descrever o mundo em que vivemos. Porém, quando tentou descrever o “Céu”,
não pôde encontrar nenhum exemplo de paz e felicidade e, dessa sorte, o
capítulo relativo não atingiu a mesma exuberância que o anterior.
Os Jovens e a
Felicidade
Para Schopenhauer a
ilusão da felicidade só é possível aos jovens, pois, em sua ignorância, desconhecem
a alternância entre o “desejo e o tédio”. Apenas com a maturidade se percebe o
peso dessa escravidão. Para o filósofo:
“A
alegria e a vivacidade da juventude são devidas, em parte, ao fato de que,
quando estamos subindo a montanha da vida, a morte não está visível; ela se
encontra lá embaixo, no outro lado. (...) Cada dia que vivemos nos dá o mesmo
tipo de sensação que o criminoso experimenta a cada passo rumo ao cadafalso”.
O Medo da Morte
E no fim, resta ao
homem encontrar-se com o seu destino: a morte.
Justamente quando a
experiência se consolidou e se transformou em sabedoria, o cérebro inicia o processo
de degeneração e, então, até aquele tesouro que se julgava seguro, começa a
perder o seu valor.
E essa perda, somada às
outras por todo o corpo, reforça o medo da morte; que, se antes era apenas
instintivo, passa a ser racional, ainda que essa seja a última centelha de
raciocínio.
O homem comum nunca
conseguiu resignar-se com a ideia de que o seu fim é absoluto e, por isso,
criou inúmeras quimeras filosóficas e religiosas para se consolar. São crenças,
especialmente a da imortalidade da alma, que dão a medida do horror que sente.
E diante de tamanha
aflição, não é incomum que ele recorra até à demência para fugir dessa funérea perspectiva.
O Refúgio de Insanidade
A insanidade, em suas
várias formas e em qualquer idade, é considerada por muitos estudiosos como uma
espécie de esconderijo contra o sofrimento. E a demência senil, como um refúgio
contra o medo da morte.
A chamada “loucura”,
segundo muitos, surge como um eficiente meio para se evitar as recordações amargas.
É uma ruptura com a dita “normalidade”, haja vista que só se pode sobreviver a
certos acontecimentos, enterrando-os nos desvãos da mente.
Geralmente relutamos
muito em pensar nas coisas que prejudicam os nossos interesses, ferem a nossa
vaidade e interferem em nossos desejos.
Nessa relutância –
ditada pela “Vontade (de que a vida prossiga)”
– está o espaço necessário para que a “loucura” se instale na mente, pois
certos elementos serão suprimidos do Intelecto, já que a Vontade não os
suporta, e as lacunas aí surgidas serão preenchidas aleatoriamente,
consolidando a insanidade.
Para Schopenhauer, é o
penúltimo recurso de que se vale a Vontade para que aquela “expressão da Vida, (isto é, aquele
indivíduo)”, continue a existir.
E quando esse recurso já
não se mostra suficiente, é acionado o refúgio final: a morte autoinfringida.
O Suicídio
Vimos que a demência
senil e a insanidade aleatória atuam como “esconderijos” contra os sofrimentos
causados pela alternância de luta, frustração e tédio de que se constitui a
vida.
Porém, existem
circunstâncias em que esses refúgios são insuficientes e só resta ao indivíduo
buscar o esconderijo derradeiro: a morte voluntária.
O suicídio é execrado
em praticamente todo o Ocidente, tanto pelo aspecto religioso, quanto pelo
ético.
Nas religiões
ocidentais (vide
nota), como o Judaísmo, por exemplo, não se hesita em
tratar o falecido como um desertor execrável, um sórdido pusilânime, cujo
espírito será destinado às amarguras do Inferno (Sheol)
e o corpo físico aos mais remotos cantos dos cemitérios.
No aspecto ético, a
pecha de covarde é automaticamente colocada no suicida e o seu gesto extremo,
além da perplexidade e da dor natural aos casos fatais, causa uma série
adicional de sofrimentos às suas relações familiares, profissionais, comerciais
e de amizade pela culpa que pode ocasionar.
Segundo Schopenhauer,
essas rejeições são o repúdio da “Vontade
de Viver”, expressa pelas suas formas individuais, isto é, os homens e suas
instituições.
Afinal, o “Instinto de Sobrevivência”, permeado nos
indivíduos e na Sociedade, é tão imperativo que lhe soa como uma terrível insolência,
qualquer ato contrário a ele.
Contudo, tal aversão
não é avalizada pela “Vontade Geral”,
já que para a “Essência de Tudo” a
morte deliberada de uma de suas expressões, é logo compensada pelos vários
nascimentos não desejados, o que torna o balanço final ainda mais positivo para
si.
Por isso, se
considerarmos que o suicida é um indivíduo que derrotou o “Instinto de Viver”;
é preciso considerar, também, que a sua vitória foi um mero triunfo individual,
pois a “Vontade” continua soberana na espécie a que aquele indivíduo pertencia.
Nas palavras de
Schopenhauer:
“O
suicídio, a voluntariosa destruição da existência fenomenal isolada, é um ato
fútil e tolo, porque “a coisa em si mesma” – a espécie, a vida e a vontade em
geral – continua inalterada por ele, assim como o arco-íris dura, por maior que
seja a velocidade com que os pingos que o sustentam venham a cair”.
O “desejo constante”, a
quase eterna frustração e o tédio ameaçador continuam atuantes depois da morte
do indivíduo; e continuarão enquanto a Vontade dominar o homem. Não poderá
haver paz nem felicidade enquanto essa mesma “Essência” não for subordinada ao
Conhecimento e à Inteligência. Não haverá vitória efetiva sobre os males da
vida enquanto o homem não souber “Viver com Sabedoria”.
A Sabedoria da Vida
Antes de tudo, façamos
a seguinte reflexão: aqueles que são muitos ricos e/ou poderosos conseguem
satisfazer inteiramente à “Vontade” e viver livre do tédio?
Não! É claro que não,
pois, ainda que o dinheiro e o poder possam trazer inegável conforto e muitas
facilidades, ele é impotente para vencer a “essência do homem”.
Se assim não fosse,
como explicar, por exemplo, a vida do bilionário que se mata nos negócios
apenas para aumentar aquilo que já lhe sobra? Apenas para cumprir o que lhe
ordena a sua “Senhora”, a “Vontade insaciável”? Ou aquele outro bilionário que
se entrega a hobbies extravagantes ou a meritórias ações filantrópicas apenas para
fugir do tédio que a sua saciedade lhe impõe?
E muitos outros
exemplos seriam possíveis. Para alguns, tantos quantos são os domingos e
feriados...
Vê-se, portanto, o quanto
é absurdo o desejo ganancioso pelos bens materiais que rege a vida do homem,
pois se é correto lutar por boas condições e usar a “Vontade” como plataforma
de impulsão para as lutas diárias; a excessiva sujeição aos ditames do “Querer”
torna o homem uma simples peça na engrenagem da vida, incapaz de perceber a
grandeza que existe em outras coisas que não são diretamente associadas à moeda.
A obsessão pela fortuna
mostra o quão tolo é o homem que, dela, espera a libertação do jugo da “Vontade”.
Tolice que se revela mais atuante nos indivíduos de intelectualidade e cultura
medíocres, que veem a posse como a substituta perfeita para as outras
qualidades que lhe faltam.
São pobres diabos que
vivem em círculo vicioso, já que são continuamente pressionados para aumentarem
suas rendas e a isso se dedicam com tal intensidade que não lhes sobre tempo
nem vigor para adquirirem outras qualificações, outros saberes.
No fim, morrem sem
terem aproveitado as suas posses e sem sequer suspeitarem de que não está na
riqueza o caminho para a alforria e para a paz de espírito, mas sim na
Sabedoria, a qual, mesmo tendo nascido por obra da “Vontade”, é a única coisa
que pode dominá-la.
Nas palavras de
Schopenhauer:
“O
homem é ao mesmo tempo um impetuoso esforço da Vontade (cujo foco está
no sistema reprodutivo)
e um eterno, livre, sereno súdito do Conhecimento Puro (do qual o foco
é o cérebro)”.
O inicio da
independência através do “Saber” pode ser observado quando, por exemplo, o
intelecto se recusa a obedecer ao comando da “Vontade”, negando-se a agir
apenas por algum instinto. Ou, então, quando não fixa na mente aquilo que a “Vontade”
lhe ordena; ou quando a memória se nega a atender a uma ordem de busca determinada
pelo “Desejo”.
E desse inicio
titubeante, o caminho vai sendo aplainado na medida em que os tratores da Sabedoria (fortalecida
pela contínua aquisição de Cultura real e efetiva)
agem contra o cipoal primitivo dos instintos brutos.
Depois, estando
consolidado o poder da Razão, o “Desejo” se mostra moderado e modelado para
servir apenas como um indispensável estímulo ao individuo e não mais como o seu
algoz terrível.
Para alguns eruditos,
essa teoria é apenas outra apresentação do Determinismo;
e Schopenhauer não nega que seja, já que para ele o livre arbítrio estará
sempre condicionado aos limites impostos pela “essência do mundo e da vida”; ou
seja, a “Vontade”.
Porém, a seu ver,
quando o homem compreende que tudo que lhe atinge é apenas o resultado de
causas anteriores e não uma obra de sinistros azares ou terríveis desígnios
divinos, ele passa de vitima a agente, já que, ao controlar os seus atos presentes,
evitará resultados nocivos no futuro.
Em suas palavras:
“De
dez coisas que nos perturbam, nove não teriam como fazê-lo se as
compreendêssemos perfeitamente no que se referisse a suas causas, conhecendo,
portanto, sua necessidade e sua verdadeira natureza. (...) Porque aquilo que a
brida e o freio são para um cavalo indócil, o intelecto é para a vontade de um
homem”.
Assim, dono de si,
porque a Filosofia refinou-lhe a “Vontade”, o homem toma o cuidado de viver efetivamente
esse aprendizado, sob a pena de voltar a se prostrar passivamente.
Cabe-lhe, também,
seguir os ensinamentos dos grandes sábios, que através do despojamento dos
luxos supérfluos, fortaleceram a riqueza pessoal; e buscar nos textos
reconhecidamente valiosos, o recheio da mente, porque só dessa maneira é que se
forma a certeza de que a paz de espírito e a felicidade possível dependem mais
do conteúdo da cabeça, que do da carteira.
Com efeito, para
Schopenhauer, a maneira de se fugir do mal desencadeado pelo desejo insaciável
é a contemplação sábia* da vida; sendo o altruísmo sincero, o único caminho
eficaz para se escapar do “Tédio”, haja vista que ao se promover o bem estar
alheio, é a própria satisfação que aumenta.
Para ele:
“Quando
uma causa externa ou disposição interna nos tira de repente da interminável
corrente do querer, e livra o conhecimento da escravidão da Vontade, a atenção
já não é mais dirigida para os motivos do querer, mas compreende as coisas livres
das suas relações com a vontade e, assim, as observa sem interesse pessoal, sem
subjetividade, de forma puramente objetiva – entrega-se inteiramente a elas
desde que sejam ideias, mas não na medida em que sejam motivos. Então, de repente,
a paz que sempre procuramos, mas que sempre nos escapou no antigo caminho dos
desejos, vem até nós por sua livre vontade e para nós é bom. É o estado sem sofrimento
que Epicuro considerava o maior dos
bens e o estado dos deuses; porque ficamos, por enquanto, livres da infeliz
luta da vontade; respeitamos o Sabath da pena de trabalhos forçados do querer;
a roda de Ixíon fica parada”.
O Indivíduo Genial
Neste capitulo
Schopenhauer aborda com muita propriedade os indivíduos que se situam acima da
média e que por isso chocam os demais por apresentarem um comportamento inusual,
que, geralmente, é classificado pejorativamente como “estranho”, “maluco”,
“tolo”, etc.
Afinal, para o homem
comum, mero escravo da Vontade e
vitima do Tédio, como seria possível
compreender um indivíduo que paira acima dessas cadeias?
Como poderia entender,
por exemplo, um indivíduo como o príncipe indiano chamado Sidharta (posteriormente classificado como um Buda, isto é, como um “Iluminado”)
que num belo dia abandona os luxos de sua vida nababesca para encontrar a paz
interior no seio do despojamento?
Nesse contexto, “Gênio”
não é o cientista brilhante, a soprano divina, o maratonista de escol, o
biliardário que faz fortunas imensas e outros tipos que normalmente são
associados ao sucesso e à felicidade. Aqui, genial é o indivíduo que detém o
nível mais alto de Sabedoria.
Não é preciso muito
esforço para observar que quanto mais baixa for a forma de vida, mais ela é
regida pela “Vontade”. Entre os seres
humanos não é diferente, pois quanto mais embrutecido for o indivíduo, mais ele
se sujeita à escravidão dos “Desejos”, buscando
desesperadamente a posse; pois, apesar de sua rudeza, consegue intuir que só existe
para os outros, por ter fortuna ou poder e não por ser uma pessoa que possa ser
querida, estimada, amada.
Infelizmente, a maioria
da humanidade é composta por pessoas desse naipe; distantes do que disse Schopenhauer
sobre os sujeitos excepcionais: “o gênio
consiste no seguinte: a faculdade de Saber recebeu um desenvolvimento consideravelmente
maior do que o serviço da Vontade exige”.
Segundo o filósofo,
para que esse tipo de Sabedoria aconteça,
é imperioso que haja uma transferência da força despendida na atividade
reprodutora para o exercício intelectual, já que a reprodução é onde a “Vontade”
se manifesta com maior intensidade, porque só através da mesma é que ela consegue
vencer a sua inimiga perpétua, a morte. Nesse ponto, aliás, é possível citar um
exemplo que embora peque por ser extremado, presta-se muito satisfatório como
ilustração: “alguns indivíduos são tão
acossados pelo instinto sexual que são capazes de cometerem estupros e outras
violências sem qualquer peso na consciência, mas são incapazes de sentirem ou
de despertarem uma afeição sincera, porque as suas sensibilidades perderam-se
ante a dominância da Vontade que os subjuga”.
Ainda sobre essa questão, Schopenhauer afirma
que este é o motivo da aversão que geralmente existe entre o indivíduo dotado
de gênio e a mulher, já que para ele, o gênero feminino representa a reprodução
e a submissão do intelecto à Vontade (de viver) e de fazer viver.
Para elas, tudo é
subjetivo, pessoal e considerado como um simples meio para fins pessoais.
Óbvio que essa visão
negativa que o filósofo tinha sobre o universo feminino não se escora na realidade
dos fatos. Também é óbvio que foi fortemente influenciada por sua péssima
relação com a mãe.
Contudo, sem qualquer
intuito discriminatório ou chauvinista, deve-se admitir que a atenção dada pela
mulher comum aos aspectos materiais (expressa, por exemplo, pela característica vaidade
feminina), é um elemento que apoia parcialmente a afirmativa
do filósofo.
O “gênio”, já libertado
das imposições da “Vontade”, pode ver o objeto (as coisas, os fatos, os Seres)
em sua real dimensão, como se o seu pensamento fosse um raio de sol que
atravessa uma nuvem, deixando para trás a mera aparência, a casca, e avançando
até a essência, a realidade última daquele fenômeno.
É o que acontece, por
exemplo, com os grandes pintores que veem nas pessoas que retratam, não só as
suas características individuais, mas, também, aquilo de universal, de real, de
permanente que nelas existem. O gênio percebe clara e imparcialmente aquilo que
é objetivo, ou seja, essencial.
E é esse afastamento do
prisma subjetivo, pessoal, que faz o indivíduo genial ser mal adaptado ao mundo
dos homens comuns, governados pela “Vontade”.
Não é falso o
estereotipo do “gênio” que por mirar uma estrela cai numa poça de lama. Afinal,
por enxergar mais longe, ele não consegue ver aquilo que o rodeia, dando margem
para que lhe apliquem os adjetivos que expusemos anteriormente e para que o seu
isolamento se consume.
A sua atenção se fixa
na essência, no fundamental, no eterno, no universal; enquanto que a da grande
massa, atenta apenas para o superficial, específico, temporário etc.
São dois tipos de
mentes totalmente diferentes, sem nenhuma área em comum que possibilite a
simpatia mutua. Quando muito, existe certa tolerância dos homens vulgares,
talvez acrescida de uma admiração cerimoniosa; e a condescendência do erudito
para com a ignorância daqueles.
Segundo Schopenhauer:
“Em
geral o homem só é sociável na medida em que for intelectualmente pobre e
ordinariamente vulgar”.
O homem dotado de
genialidade não se ressente da exclusão social (não raro a prefere),
porque ele não depende da companhia de terceiros, como ocorre com as pessoas
comuns. A riqueza de sua vida interior satisfaz as suas necessidades.
Segundo o filósofo:
“O
prazer que ele recebe de toda a beleza, o consolo que a Arte proporciona, o
entusiasmo do artista (...) habilitam-no a esquecer as preocupações da vida e o
recompensam pelo sofrimento que aumenta em proporção à clareza da consciência e
pela sua solidão desértica entre uma raça diferente de homens”.
Contudo, a dor que ele
sente é mais intensa, por enxergar com mais clareza as atrocidades da vida. E
isto, em alguns casos, pode fazer com que leve uma vida melancólica, cujo
paroxismo pode chegar a extremos, como a insanidade ou o suicídio, conforme
aconteceu com o poeta Byron, o
escritor Rousseau e tantos outros.
Todavia, apesar desses
aspectos sombrios, é forçoso admitir que nos “homens de gênio” está o exemplo a
ser seguido para que a humanidade consiga alçar o voo esperado.
A Arte
A princípio, pode
parecer uma pergunta tola, mas, afinal, para que serve a Arte?
Muitos responderão que
serve para “elevar o espírito”.
É uma resposta clássica
e quase sempre oriunda da pura intuição, pois, a Arte efetiva (que não deve
ser confundida com seus indigentes arremedos*),
quase nunca está presente na rotina automatizada do homem comum. Outros, com
alguma cultura a mais, responderão mais detalhadamente, dizendo que a sua
serventia é a de manter em nossa mente a lembrança (ou as reminiscências)
do “Mundo das Ideias (do qual tudo
foi copiado)”,
revelado por Platão.
Mas, não obstante a
serventia que lhe seja atribuída, a Arte é o único componente da sociedade humana
que pode justificar a nossa pretensão de sermos uma “espécie superior”, embora,
como dissemos, a sua apreciação e difusão esteja restrita a poucos.
Schopenhauer, dentre os
vários Filósofos que se ocuparam do tema, afirmou que a sua função é a de nos
libertar da escravidão dos “Desejos”; do jugo inexorável da “Vontade”; do
querer egoísta de bens materiais e do horror tenebroso do “Tédio”, que sobrevém
à satisfação da tirana vontade.
Para ele, a
contemplação da “Verdade (da essência)” que está
incrustada em todo objeto artístico, é a única coisa que nos liberta do “Querer”,
pois só quando se admira um quadro, uma escultura, uma sinfonia, um poema, um romance
etc. é que cessa o “Desejo” e o “Tédio”.
Apenas quando
desfrutamos desses êxtases é que conseguimos voar para outras dimensões que sequer
imaginávamos existir.
Sabe-se que a Ciência visa
o individual, o especifico, em suas múltiplas formas; enquanto que a Arte visa
o universal que está oculto naquele individual.
Busca contar e cantar
um sentimento que seja sentido de forma semelhante por todos, ainda que resguardadas
as individualidades.
A obra de arte, na
verdade, obtém mais sucesso quanto maior for a sua proximidade com a Universalidade ou Generalidade do elemento que expõe. O célebre sorriso da Monalisa de Leonardo da Vinci demonstra sobejamente essa constatação.
Por isso, para muitos,
a Arte é superior à Ciência, cujo progresso acontece através do acúmulo de
informações intelectuais; enquanto que a Arte atinge a sua finalidade de um modo
direto e imediato, por intermédio da Intuição ou das Reminiscências, que Platão
afirmou.
Se para a Ciência bastam
o esforço e algum talento, para a Arte é imperioso que exista a genialidade, a
qual, no entanto, não fica restrita ao artista executor, sendo, também, um
requisito indispensável para quem degusta o objeto artístico.
O encontro entre o
gênio que produz e o indivíduo genial que aprecia a obra artística é o que
proporciona a beleza da mesma, seja ela avistada dentro de um palácio ou de um
casebre.
E dentro desse
contexto, até os acontecimentos trágicos ganham outra dimensão, como se
observa, por exemplo, em “Guernica”
do genial Pablo Picasso. Ante o
horror da cidade bombardeada (durante a Guerra Civil Espanhola),
ergue-se a trágica beleza pintada pelo Mestre, como uma reafirmação de que nem
toda a humanidade é composta por aquelas feras que se esfacelam.
A Arte levanta-se como um grito de que sempre
haverá uma esperança. E, de alguma maneira, suaviza a fealdade da vida e a
servidão a que o homem está submetido.
Segundo Schopenhauer, o
poder que a Arte possui está mais explícito na Música, já que ela não é como as
outras expressões artísticas que são cópias de uma Ideia (platônica).
A Música, ao contrário,
é cópia da própria Vontade,
mostrando-a em seu eterno movimento, em sua luta perpétua, vagando sem nunca
sossegar.
E também difere das
demais, porque não se refere às sombras, aos reflexos (também no
sentido platônico), já que fala de si mesma e afeta diretamente
os nossos sentimentos; ao contrário do que acontece, por exemplo, quando
contemplamos um quadro, uma escultura, um texto etc. e precisamos construir idealizações
a partir daquele estímulo.
Na sequência veremos a
proximidade que Schopenhauer encontrou entre o êxtase propiciado pela
contemplação de obras de Arte e o êxtase religioso.
O Êxtase Religioso
Schopenhauer teve
pouquíssimo contato com a religião durante a maior parte de sua vida. Em consequência,
a sua relação com a igreja e com o clero resumia-se a uma ácida censura ao dogmatismo
da doutrina e ao parasitismo dos religiosos.
Tornou-se célebre,
aliás, a sua afirmação de que “nos
teólogos, encontramos, em muitas nações, o poste em são amarrados os condenados
a serem queimados vivos”. Posteriormente, disse que a religião seria uma “reles metafísica das massas”.
Contudo, ao chegar à
maturidade avançada, a sua visão crítica abrandou-se e ele passou a ver certa
semelhança entre o êxtase propiciado pelas Artes e aquele proporcionado pela
prática religiosa.
A partir de então, admitiu
haver um sentido mais profundo nos rituais eclesiásticos e começou a desenvolver
estudos sobre o tema, concluindo, por fim, que a Religião Cristã nada mais é
que o “Pessimismo Filosófico”, já que preconiza a “negação da vida (física, dos
prazeres etc.)” em prol da “salvação futura”; em clara
concordância com a sua fonte original, o Hinduísmo e suas derivações, o Budismo
e o Jainismo.
Porém, é importante
observar que a religião hindu não avaliza a hipocrisia do Cristianismo e nem se
utiliza de eufemismo e subterfúgios para expor as suas teses, admitindo
inclusive o suicídio por inanição como forma de libertação, já que o fim do corpo
físico libertaria a Alma do jugo da “Vontade”. O Hinduísmo, suas
derivações e as outras religiões orientais interpretam a vida e o mundo de modo
mais limpo e honesto, ao contrário do Cristianismo que escolheu um indivíduo
apenas (Jesus)
para “negar a vida”, ao resignar-se a morrer crucificado. E, graças a essa
lisura, podem conviver pacificamente com a certeza de que a individualidade é
uma tola ilusão, já que, em verdade, “tudo é um”. O “Paraíso” nada mais que o
“Estado de Nirvana” que foi conquistado através da máxima redução dos “desejos”
descabidos; enquanto o “Inferno” é o oposto, isto é, o paroxismo da escravidão
à “Vontade” e ao “Tédio”.
Contudo, diferenças a
parte, para Schopenhauer, todas as formas da Religião podem levar o homem
crédulo ao êxtase, sem que ele tenha qualquer fagulha de genialidade, ao
inverso do que acontece com a Arte. É necessário, apenas, que acredite em algo
ou em Alguém para transcender (ou ultrapassar) seus toscos
limites habituais.
Desse modo,
Schopenhauer resgatou aquele que talvez tenha sido o objetivo original do
sentimento religioso, isto é, fazer o homem compreender que os desejos exagerados e egoístas são a
causa de sua infelicidade perene.
A Sobrevida da Espécie
Também nesse trecho,
Schopenhauer lança severas críticas às mulheres. Como já se disse a sua misoginia
teve inicio na conturbada relação com a mãe e prosseguiu graças aos seus
insucessos no campo amoroso.
Obviamente que suas
opiniões não encontram acolhida no autor, que por uma questão de honestidade
literária decidiu mantê-las para não ferir a linha de raciocínio do filósofo. Conto
com a compreensão das amáveis leitoras.
Vimos que a escravidão
do “Desejo” e do “Tédio” pode ser vencida pelo indivíduo
através dos êxtases proporcionados pela contemplação e degustação dos objetos
artísticos e por algumas práticas religiosas.
Porém, essa libertação
só ocorre individualmente, pessoa por pessoa, pois a “Vida” vai além do homem, quer por intermédio de sua própria descendência,
quer pela descendência alheia.
A “Vida”, isto é, a “Vontade”, pode ser vista como um sistema de
infindáveis regatos, cuja seca de um logo é compensada pelo aparecimento de
outro.
Portanto, como o gênero
humano, no geral, poderia ser libertado?
Haveria meios de se
chegar a um “Nirvana” para a espécie?
Segundo Schopenhauer,
sim!
Mas, para que houvesse
e para que a “Vontade” fosse
aniquilada ou reduzida ao nível desejável, seria preciso que a Morte não
fosse compensada por novos nascimentos.
Seria imperioso que o
indivíduo morto, não fosse substituído por outrem. Seria preciso, ao cabo, que
a humanidade se abstivesse do sexo e da reprodução.
Para o filósofo, uma
medida radical e impossível de ser concretizada por culpa exclusiva da mulher,
já que os seus encantos despertam instintos masculinos que superam qualquer
racionalidade. Encantos, que elas utilizam para gerarem as crias que lhes garantirão
o sustento futuro, quando os seus encantos femininos terminarem com a chegada
da velhice.
A juventude masculina
não compreende como esses encantos são breves e maquiavelicamente utilizados. E
quanto lhes chega a maturidade, e com ela a sabedoria, a procriação indevida já
aconteceu.
Os rapazes que escrevem
poemas às suas Musas, dificilmente as olhariam se elas tivessem nascido dezoito
anos antes.
Nas palavras de
Schopenhauer, em sua obra Ensaio sobre as Mulheres:
“Com
as moças, a Natureza parece ter tido em vista o que, na linguagem do teatro, é
chamado de efeito de impacto; uma vez que durante alguns anos, ela as dota de
uma abundância de beleza e é pródiga na distribuição de encantos, à custa de
todo o resto da vida delas, para que durante aqueles anos elas possam captar a
simpatia de algum homem a ponto de fazer com que ele se apresse a assumir o
honrado dever de cuidar delas (...) enquanto viverem – um passo para o qual não
pareceria haver uma justificativa suficiente, se ao menos a Razão dirigisse os
pensamentos do homem. (...) Aqui, como em outra parte qualquer, a Natureza age
com a economia usual; porque assim como a fêmea das formigas depois da fecundação
perde as asas, que então são supérfluas, ou mais, um perigo para a atividade
reprodutora, a mulher, depois de dar à luz um ou mais filhos, em geral perde a
beleza; provavelmente, mesmo, por idênticas razões”.
Para o filósofo, a
veneração à mulher não é natural, sendo, na verdade, apenas uma convenção
oriunda do Cristianismo e do Romantismo. Porém, mesmo nessas
origens, a veneração é obliqua, pois o que se nota é que no primeiro caso o que
se louva é a mulher virgem, intocada e, portanto, não geradora de outro individuo;
e no segundo, louva-se o amor platônico, dissociado do sexo. Por isso, estariam
certos os orientais ao não reconhecerem a igualdade entre os gêneros, tratando
as mulheres como seres inferiores (sic).
Dessa sorte e graças à
manipulação feita pela “Vontade”, seria
quimérico acreditar em uma libertação da espécie humana.
A condição natural do
homem é a servidão. Somos apenas as peças de uma engrenagem e é essa condição
que modela o “Pessimismo Filosófico” schopenhauriano, cujas cores sombrias
foram adotadas e adaptadas por outras correntes, das quais, destaca-se o Existencialismo
do século XX.
Na sequência, findando
o capitulo sobre Schopenhauer, faremos uma breve reflexão de seu Pensamento.
Considerações finais
sobre Schopenhauer
Não é errado supor que
o Pensamento de Schopenhauer – tanto por seu conjunto, quanto por partes
isoladas – cause rejeição na maioria.
Mas, também não é
equivocado pensar, que a maior causa dessa antipatia provenha do fato de que
ele expõe de maneira crua a mais pura verdade. E a verdade nos machuca.
Principalmente, porque
lutamos todos os minutos de nossas vidas para ocultá-la, para esquecê-la, ainda
que para isso tenhamos que criar uma série infinita de artifícios.
A verdade nos machuca,
pois a cada emersão da mesma, ela nos desnuda das quimeras e fantasias que
tecemos, na tentativa de encontrar algum sentido para a nossa existência.
Machuca-nos, por mostrar
que tudo que fazemos, na verdade, é apenas uma repetição do que fez o lendário Sísifo*;
e que somos, apenas, uma peça descartável de uma enorme engrenagem, que não
conseguimos compreender.
É claro que existem
bons momentos. Horas e situações felizes. Fatos agradáveis. Mas, como discordar
de Schopenhauer quando ele afirma que a Vida
é uma luta constante e, portanto, um sofrimento contínuo?
Como negar que somos
movidos apenas pelo “Eterno Querer”?
Que somos atormentados pelo “Tédio”,
quando a “Vontade” é satisfeita?
Não! Não há como
discordar.
Quando Schopenhauer
trouxe à luz o seu Sistema, estava, é certo, destilando as suas frustrações pessoais,
mas também estava resgatando as antigas doutrinas do Oriente, cujo cerne está
na aceitação resignada de que a “Vontade”
da natureza é muito mais poderosa que a do homem.
E a ressaca produzida
pelas guerras napoleônicas, concretizada na enorme quantidade de mortos, feridos,
inválidos e desabrigados; bem como na penúria geral, na miséria e na fome que
delas também resultaram, fez o cenário adequado para que o “Pessimismo
Filosófico” fosse aceito prontamente. Aquele meio ambiente devastado era a
reprodução exata do animo dos homens sobreviventes.
Mas, e agora? Esse
“Pessimismo” ainda se justificaria?
Afinal, vivemos a época
do avanço tecnológico, da saciedade alimentar (em alguns casos até excessiva,
como bem demonstram os obesos), da cura de doenças
fatais, do crescimento da expectativa de vida e, até, do crescente progresso na
conscientização ética com as lutas contra a homofobia, contra a misoginia,
contra a discriminação étnica etc.
E, no entanto, o
“Pessimismo” ainda se justifica pelo simples fato de que o homem continua a ser
o que sempre foi. Todas as mudanças citadas não foram capazes de lhe alterar a
essência, já que tais câmbios só acontecem na superfície.
Basta que “as câmeras
de TV” deixem de filmar e o indivíduo volta à sua condição original.
Exemplos da continuidade
do racismo são comuns; das discriminações sexuais e sociais, idem; o apego ao
materialismo cresceu ao ponto de não se evitar (e talvez nem se condenar
intimamente) as falcatruas que forem necessárias
para se enriquecer; a desagregação comunitária e familiar é patente e vários outros
exemplos demonstram à exaustão que nada foi alterado, ainda que a maquiagem
tenha sido retocada.
Talvez, um dia, o
“Pessimismo” possa ser vencido, pois quando olhamos o “Desejo”, a “Vontade”, com outros olhos, nós podemos ver que nele (a)
reside a força motriz que faz o homem progredir.
E, por este prisma,
somos tentados a pensar que bastaria ao homem canalizar esse poder para inverter
o eixo da questão, deixando de ser escravo para se tornar o “Senhor da Vontade”.
Um longo e árduo
caminho, em terreno pantanoso e sem sinais indicativos do certo e do errado.
Mas, exercitando a
esperança, não se deve desacreditar no que disse o erudito:
Caminhante,
caminho não há. O caminho se faz ao caminhar.
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