Tosca
Para
Mariela Mei, cuja jovem e lúcida
coragem ainda me faz acreditar.
Autoria
– Puccini (Giacomo – 1858-1924 – Itália)
Libreto
– a Luiggi Illiaca e Giuseppe Giacosa
Personagens:
Floria Tosca – Cantora
famosa – protagonista – interpretada por uma Soprano.
Mario Cavaradossi – Pintor
– protagonista – interpretado por um Tenor.
Barão Scarpia – Chefe
de Polícia – interpretado por um Barítono.
Cesare Angelotti – Revolucionário
– interpretado por um Baixo.
Sacristão –
interpretado por um Barítono.
Spoletta –
Policial auxiliar do Barão Scarpia - interpretado por um Tenor.
Sciarrone – Carcereiro
– interpretado por um Baixo.
Pastor
– interpretado por uma voz infantil.
Época
e local
Roma, Itália, 1800 DEC.
Prefácio
Classificada por muitos
eruditos e por legiões de admiradores leigos como a melhor Ópera de todos os
tempos, Tosca é, com efeito, um drama belo e comovente que explora com
maestria toda a gama de sentimentos humanos, criando uma atmosfera que envolve
o público de tal modo que não são raras as manifestações de dor, de alegria e
de comoção que surgem da plateia, quebrando em várias ocasiões o aspecto solene
e formal de que o espetáculo se reveste.
Nela, não há concessões
nem subterfúgios. Os sentimentos, e os atos que desencadeiam, são expostos com
uma crueza que choca e fascina, enquanto a estupenda trilha melódica reforça a
cada momento a dramaticidade do mesmo.
Por tudo isso vale a
pena conhecê-la e, se possível, assisti-la. É uma experiência marcante.
Enredo
O
cenário do primeiro ato reproduz o interior da igreja de Santa Andrea Della
Valle, em Roma. À direita, vê-se o simulacro de um portão de ferro que dá
acesso a capela Attavanti. À esquerda, avista-se um cavalete com uma tela
encoberta e alguns apetrechos de pintura.
De
início a cena permanece despovoada e a orquestra toca alguns acordes vigorosos
que antecipam a dramaticidade da história que, ali, irá se desenvolver.
Assim
preparada, a plateia assiste a entrada em cena de um homem visivelmente
maltratado, que se esgueira cautelosamente entre os desvãos numa clara
indicação de que teme a alguém ou a algo.
O
fugitivo é Cesare Angelotti (cônsul da
“República Revolucionária Romana”, movimento que busca libertar a região de
monarcas tiranos), que há pouco escapou da prisão do
castelo de Santo Ângelo, onde estava preso e sofrendo torturas a mando do barão
de Scarpia, esbirro da monarquia e
chefe de Polícia,
Logo
após a sua chegada, Cesare ouve passos e segue ligeiro para se esconder na
capela epônima de sua irmã, a Marquesa de Attavanti,
que lhe dera as chaves da mesma, julgando que ali ele estaria seguro até que se
conseguisse removê-lo da região.
Porém,
os passos que ouviu não eram de policiais em seu encalço, mas, sim, os do
sacristão que trazia alguns pincéis e tintas para uso do pintor que trabalhava
no local.
Contratado
para pintar uma “Madonna”, Mario Cavaradossi já tinha a obra bem
adiantada, servindo-se de uma bela dama loura, frequentadora da igreja, como
modelo de rosto. Uma mulher que lhe causa admiração pela graça, pela elegância
e pela própria beleza; mas que, ainda assim, julgava inferior aos encantos de sua
amada, a célebre cantora Floria Tosca,
de lindos olhos castanhos e sedosos cabelos negros. O casal de artistas vive um
amor sincero e apaixonado e ele revive os doces momentos que passam juntos,
entoando a romântica ária “Recondita Armonia”, como se a mesma fosse uma
celebração de sua felicidade.
Entrementes
o sacristão limpa os pinceis e faz suas orações, saindo logo após ter terminado
as duas tarefas. E a sua partida permite que o procurado Angelotti saia de seu
esconderijo na capela e dirija-se cautelosamente até Mario para lhe implorar alguma
ajuda.
O
primeiro contato visual entre os dois é permeado de estranheza e de
desconfiança, mas após alguns momentos, Cavaradossi reconhece, sob as marcas de
maus tratos, o cônsul romano e o encontro ganha ares amistosos.
O
estado deplorável do amigo indica ao pintor o quão grave é a situação e o
quanto é necessária a sua ajuda. De pronto ele oferece ao outro o seu almoço e
enquanto aguarda que ele termine a refeição, ouve chamarem-no insistentemente à
porta.
Cuidadosamente,
dirige-se à mesma e pelo ferrolho vê que é a sua noiva, Tosca, quem o chama.
Mas, como sabe que ela, fervorosa católica, seria incapaz de ocultar qualquer
fato durante a “confissão religiosa”, demora-se para atendê-la dando tempo para
que o fugitivo retorne ao seu esconderijo. Com isso, evita que uma indiscrição
de Floria revele o esconderijo de Angelotti e ele seja descoberto e recapturado
ou, pior, assassinado.
Assim
que entra na igreja, a famosa diva da música, conhecida por seu ciúme quase
doentio, inicia a sua diatribe acusando Mario de ter demorado em lhe abrir a
porta por estar com outra mulher... Afinal,
a Madonna que ele está pintando é loura... etc. E da simples desconfiança
passa “à certeza” de que ele a está traindo. Seus ciúmes e sua ira atingem,
então, o auge.
Cavaradossi
ressente-se de sua desconfiança, mas nada diz sobre Angelotti, por temer que a
imprudência e a raiva de Tosca comprometam a segurança do mesmo. Contudo,
passada a tempestade inicial, Floria se acalma e ambos se reconciliam entoando
um nostálgico dueto. Por fim, marcam um novo encontro para mais tarde, na casa
de ambos nos subúrbios da cidade, e a diva se despede pedindo ao amado que
pinte a Madonna com “olhos negros como os
seus”.
Novamente
Angelotti volta ao átrio e ao ver a pintura de Cavaradossi reconhece ser a sua
irmã a dama que o pintor usa como modelo. Mario confirma a identidade da
Marquesa de Attavanti e Cesare conta-lhe o quanto ela o ajudou para escapar da
prisão, cedendo-lhe a capela e mais algumas roupas femininas, ocultas sob o
altar, para que ele se disfarce quando ocorrer sua fuga definitiva.
Nesse
momento escutam um tiro disparado por um dos canhões da prisão do castelo de
Santo Ângelo. É o conhecido sinal de que a fuga de Angelotti foi descoberta e de
que a caçada humana teve início.
É
um instante de enorme tensão e ambos trocam um rápido e assombrado olhar e
iniciam os preparativos para fugirem. Porém, antes de se separarem, Mario
entrega a Angelotti as chaves de sua residência suburbana, para ele se esconda
naquela vivenda até que possa partir em definitivo. Com a alma tumultuada, nem
se lembrou do encontro marcado com Tosca para aquele mesmo local.
Em
seguida deixam a cena, que fica vazia por alguns instantes. Na sequência,
escuta-se uma grande algazarra em comemoração a uma vitória sobre as forças
napoleônicas que teria ocorrido há pouco.
Os
sacerdotes e os meninos do Coral da igreja também celebram, mas logo os ruídos
alegres são substituídos pelo som das pesadas botas do Barão Scarpia e de seus
auxiliares que adentram o Templo em busca do fugitivo. A sinistra figura de Spoletta logo se destaca pela rispidez
com que interpela o assustado sacristão e pelos modos bruscos com que procura
indícios da presença do condenado.
Passados
poucos minutos, encontra um leque com as iniciais dos Attavanti e o Barão Scarpia
nota a cesta de refeições vazia, o que sugere que Angelotti ali esteve
realmente e que recebeu a ajuda de Cavaradossi, que está, inexplicavelmente,
ausente. O conjunto dessas evidências é o bastante para que já não tenha dúvidas
da parceria entre ambos.
Nesse
momento Tosca retorna à igreja – talvez para flagrar o noivo com alguma mulher
– e se assusta com a presença da polícia no local. Scarpia, conhecendo o seu
proverbial ciúme, decide manipulá-la para obter as informações que deseja e
logo lhe mostra o lenço feminino que Spoletta encontrou, sugerindo
maquiavelicamente tratar-se da indumentária de uma eventual amante do pintor.
Provavelmente a mesma que ele está retratando.
Roída
pelo ciúme, ela se deixa enganar facilmente e o Barão aprofunda a sua torpe
intriga, pois, além de prender o pintor e o fugitivo, também pretende ficar com
Tosca para si. Contudo, é a hora em que se inicia o Oficio Religioso e a igreja
se enche de fiéis. Pouco depois surge um Cardeal à frente de numerosa procissão
e o desenrolar da cerimônia impede que o plano do Barão se estenda ainda mais.
Cerimônia,
aliás, que ele pouco percebe, já que sua mente divaga sobre seus planos,
gozando antecipadamente das delicias que haverá de conquistar. Por fim, para
salvar as aparências, ajoelha-se e finge rezar devotamente.
Enquanto
isso tem início uma vibrante trilha melódica que anuncia o final do primeiro
ato.
§§§
O
segundo ato tem como cenário o luxuoso apartamento em que vive o Barão Scarpia,
nos andares superiores do Palácio Farnese (ou Palácio Farnésio, de
propriedade da importante família homônima, em Roma).
Sozinho,
o comandante da polícia está ceando enquanto se ouve as comemorações pela vitória
sobre os franceses. Em meio a balburdia é possível distinguir alguns cantos e
louvores que exaltam o triunfo da corrupta monarquia local.
Nos
salões da Rainha de Nápoles a festa está sendo abrilhantada por Floria Tosca
que faz mais uma de suas estupendas audições.
Ao
findar a última melodia, apesar dos aplausos e dos convites para que permaneça
para o banquete, ela deixa o castelo rapidamente para atender ao chamamento que
antes lhe fizera o Barão.
À
mesa, Scarpia não dá mostras de bom apetite e até se revela apreensivo,
inseguro de que seus planos obtenham êxito. Enquanto conjectura sobre os
detalhes dos mesmos, a visita inesperada de Spoletta é anunciada e o esbirro lhe
dá a má noticia de que Angelotti conseguira escapar do cerco montado na casa de
Cavaradossi; onde o supuseram escondido, após Floria ter citado anteriormente o
encontro que teria com Mario naquele local.
A
informação é o suficiente para que Scarpia externe com grosseria toda a sua
frustração e o seu rancor. Spoletta, para acalmar o seu chefe, diz, então, que
trouxe aprisionado o pintor, pois a desafiadora atitude do mesmo lhe deu a
convicção de que ele sabe do paradeiro do fugitivo e que a revelará mediante
“alguma pressão”. Em seguida traz o prisioneiro à presença do Comandante e,
novamente, Mario se mostra desafiador ao repetir que desconhece o destino do
amigo revolucionário.
Nesse
momento Tosca chega ao apartamento e ao ver Mario, abraça-o ternamente. Nada
lhe parece estranho ou perigoso, já que ela ignora a ameaça que pesa contra
Cavaradossi e contra si mesma. Dessa sorte ela se mantém tranquila quando Scarpia
manda que Cavaradossi seja levado para outra sala para “prestar depoimento”. E,
ainda calma, responde as indagações do Barão sobre Angelotti, reafirmando desconhecer
o seu destino.
A
sua negativa desperta a irritação do policial que começa a lhe ofender
grosseiramente. Ela, então, toma consciência do que está acontecendo e passa a
temer por si e por seu amado. E do temor passa rapidamente ao desespero quando
Scarpia a ameaça dizendo que será melhor que ela fale claramente, pois Mario já
começou a ser torturado na sala ao lado.
Nesse
ponto da apresentação sente-se o crescimento exponencial da tensão e da
dramaticidade, que mais aumentam quando o Barão ordena que os maus tratos sejam
intensificados e que a porta seja aberta para Tosca ver Mario, já horrivelmente
machucado, sendo torturado com um círculo metálico ao redor da cabeça que é
apertado continuamente, provocando-lhe dores lancinantes.
Uma
cena dantesca que ela não suporta e que a faz implorar ao homem amado que
revele o que os algozes desejam saber. Ela implora que ele seja desleal e que
traia o amigo e a Causa em que acredita. Mas é em vão, pois o bravo Mario
resiste e ainda lhe ordena que faça o mesmo.
Em
resposta, Scarpia ordena qua a tortura seja aumentada até que um deles ceda; e essa rendição não demora acontecer,
pois um grito e o desmaio de Mario fazem Floria capitular.
Trêmula,
ela conta ao Barão que Angelotti está escondido no jardim da casa suburbana de
seu noivo e ele, com um sorriso malvado e irônico, manda que Mario seja
colocado em um divã e que seja reanimado.
Desperto,
Mario escuta indignado, Scarpia ordenando que Spoletta vá prender Angelotti em
seu jardim e não poupa Floria de sua ira, chamando-a de covarde, traidora etc.
Todavia a sua diatribe é interrompida com a chegada da informação de que era
falsa a noticia da vitória sobre as tropas napoleônicas; tendo, na verdade, acontecido
o inverso
(a célebre “Batalha de Marengo”, em 14.06.1800, na segunda campanha de
Napoleão, que expulsou os austríacos do norte de Itália).
O
desânimo e a tristeza que essa informação causou no Barão são visíveis, tanto
quanto a alegria que se apoderou de Mario que, apesar de seu estado lastimável,
não se contém e entusiasmado entoa a celebre ária “L’Alba Vindice Appar (surge a Aurora
vingadora)” numa clara provocação a Scarpia que, em resposta,
condena-o mentalmente a ser executado nas primeiras horas (na quarta hora)
do dia seguinte.
O
motivo para Scarpia não ter verbalizado essa decisão não se ligava a qualquer
réstia de humanidade; mas, ao contrário, era parte de mais um de seus sórdidos
planos. A sua perversidade não se limitava a ordenar a execução.
E
prosseguindo em seu cruel intento, ele diz a Tosca que poderá poupar a vida de
seu amado, desde que ela satisfaça a sua paixão viciosa.
É
uma proposta indecorosa por si só, mas ele a torna ainda mais asquerosa, ao
manter, disfarçadamente, a ordem de execução, mentido à jovem ao dizer que a
cancelaria.
Ela,
ante o horror da situação, entoa a famosa ária “Vissi D´arte, Vissi D´amor”,
com a qual lamenta sua triste sina e seu cruel destino, enquanto se resigna em
satisfazer os desejos do Barão para salvar seu querido Mario.
Sem
opção, diz-lhe, enfim, que aceita o trato e ele chama Spoletta e ordena que ele
proceda com o pintor da “mesma maneira” que fez com o prisioneiro anterior. O
agente auxiliar compreende sua má intenção e sai para ultimar os preparativos.
Para
Floria ele prossegue mentindo ao lhe dizer que terá que fazer, ao menos, uma
simulação do fuzilamento para não perder a autoridade perante os demais.
Ingenuamente
ela acredita e só lhe pede salvos- condutos para que ela e Mario possam deixar
o país assim que o ato estiver terminado. Scarpia concorda despreocupadamente
por saber da inutilidade daquele documento.
Feitos,
então, esses últimos acertos é chegada a hora em que ela deverá entregar-se a
ele, aumentando em cada segundo a repulsa, o ódio e o desprezo que ela sente. E
é com esse estado de ânimo, que ela nota, de relance, uma brilhante adaga sobre
a mesa e sorrateiramente a guarda consigo.
Então,
quando ele se aproxima para beijá-la ela não hesita em aplicar-lhe um golpe
fatal. O crápula estaca e cai, sem forças sequer para gritar por socorro.
Morto,
tem nas mãos crispadas o ansiado salvo-conduto que ela tanto almeja e, por
isso, ela vence o asco que sente pelo cadáver e retira o documento
cuidadosamente, proferindo a sentença que se tornou célebre: “E diante dele, toda Roma tremia”.
Todavia,
um súbito sentimento religioso a assalta e faz com que coloque um crucifixo
sobre o peito do defunto e velas ao redor do corpo que acabou de matar. Só após
cumprir esse ritual, imposto por sua consciência religiosa, é que ela foge.
É
o fim do segundo ato. Sons lúgubres, tétricos, mórbidos, acentuam o caráter
trágico dos fatos ocorridos.
§§§
O
ato terceiro tem como cenário o castelo e prisão de Santo Ângelo. A baixa
iluminação da cena indica que é noite. Ao fundo, vê-se a representação de um
céu recortado pelas silhuetas de famosos monumentos e de edifícios da Cidade Eterna, como, por exemplo, a
cúpula da basílica de São Pedro. De longe chega a melodia nostálgica que algum
pastor de ovelhas entoa. À esquerda do cenário, avista-se uma pequena sala
mobiliada com uma cadeira, um banco e uma mesa, sobre a qual repousa o grande
livro de registros, as tintas e as penas. É um gabinete pobre, despojado e
precariamente iluminado por uma lâmpada pequena. À direita, vê-se uma longa
esquerda que liga aquele piso ao terraço da construção.
Após
alguns momentos, a iluminação da cena vai aumentando progressivamente e se
escuta as igrejas tocarem “As Matinas”, indicando a chegada do novo dia.
Nesse
instante Cavaradossi é trazido pelo carcereiro Sciarrone para que sejam tomadas as últimas medidas burocráticas
relativas ao processo de execução. O agente preenche os formulários e Mario lhe
pede a realização de um último desejo, ao que o carcereiro responde com certo
desdém: “desde que seja possível”.
Ciente
da tácita cobrança de suborno, Mario oferece-lhe um rico anel, que é o último
objeto de valor de que dispõe. A prenda enche os olhos de Sciarrone e melhora a
sua boa vontade, permitindo que o pintor escreva uma mensagem para sua amada Tosca,
na qual ele relembra os momentos felizes que ambos passaram e conta da angústia
que sente por ver que tudo está prestes a terminar.
Por
fim, desesperado, encerra a missiva e entoa a famosa ária “E lucevan le stelle (E brilhava as
estrelas...)”, que para muitos é o ápice melódico de
toda a obra.
Ao
findar o canto, ele deixa que as emoções aflorem e esconde o rosto entre as
mãos, como se assim estivesse protegido da dura realidade que o espera. Nesse
instante sente que lhe tocam o ombro e ao se virar tem a agradabilíssima
surpresa de se deparar com Floria que veio visitar-lhe, trazida por Spoletta e
seus ajudantes.
Por
breves momentos os guardas se retiram e o casal desfruta de certa privacidade.
Ela conta-lhe, então, do sucedido com Scarpia e ele não esconde o orgulho e a
gratidão que sente por ela. Sua admiração por sua fidelidade e por sua coragem.
Ela também lhe conta sobre o plano de se fazer um fuzilamento falso e dos
salvos-condutos que lhes permitirão deixar o lugar e serem felizes noutro
canto.
Vivem,
então, um momento de extremas felicidade e esperança; e quando os policiais retornam
e interrompem a sua intimidade, cantam um belo dueto que fala de sua felicidade
futura.
E
com esse clima benfazejo a cena é encerrada, esvaziando o cenário por alguns minutos.
A
cena seguinte já se passa no sitio das execuções. Crentes no estratagema,
Cavaradossi e Floria Tosca esforçam-se para disfarçar a tranquilidade que sentem
e fingem tristeza e desespero para que os carrascos de nada desconfiem. Depois,
Mario finge-se resoluto e heroico e Floria simula estar tomada pelo máximo
desespero ante a iminência de perder o seu grande amor.
Então,
a salva de tiros é disparada e o pintor tomba imediatamente causando uma grata
e disfarçada surpresa em Tosca por sua “magnífica representação”. A soldadesca
se afasta e ela se lança ao amado pedindo-lhe que permaneça imóvel por mais
algum tempo para que não exista qualquer risco de serem desmascarados.
Após
esse tempo, ela diz a Mario que ele já pode se levantar, mas percebe
horrorizada que ele não se move. Aturdida, ainda demora alguns segundo para perceber
que a execução foi verdadeira e que o seu querido Cavaradossi está morto
realmente. Desconsolada, percebe a traição e a extensão da maldade de Scarpia e
tanto o maldiz, quanto a si própria por ter se deixado iludir daquela maneira.
É
uma cena marcante, de forte conteúdo emocional, que geralmente arranca lágrimas
dos espectadores.
Enquanto
isso, Spoletta e seus ajudantes tomam conhecimento da morte de seu comandante e
não tardam em associar o seu assassinato com Tosca. Ligeiros, retornam ao local
do fuzilamento e ao avistarem-na dão-lhe voz de prisão, a qual, Spoletta
acrescenta que ela pagará muito caro por seu ato.
-
Sim! Pagarei com a vida, responde
Floria.
E
tão logo diz, sai em desabalada carreira e aos gritos de “Scarpia, avanti a Dio
(Scarpia,
frente a Deus nos encontraremos)” salta do altíssimo
parapeito do castelo, esperançosa de encontrar na morte a paz e o amor que não
pôde ter em vida.
Histórico
A
peça teatral que embasou essa Ópera foi encenada pela primeira vez em Paris, no
ano de 1887, sob a direção e produção de Victorien
Sardou, tendo a grande Sarah
Bernardt no papel de Floria Tosca.
Segundo
vários críticos, a trama foi baseada em uma história real que teria acontecido
em Roma, na época da guerra entre as forças de Napoleão Bonaparte e as monarquias da região.
Encantado
com a história e sabendo do enorme sucesso que a representação vinha obtendo, Puccini – já famoso por obras como “Manon
Lescaut”, “La Boheme” etc. – solicitou a Sardou a devida licença para transpô-la
para o universo operístico.
Claro
que Victorien não se fez de rogado e além de lhe conceder a devida licença,
colocou-se à disposição do compositor para auxiliar no que fosse preciso. Afinal,
ter sido escolhido por um gênio como o maestro era uma glória imensa e, também,
uma garantia de retorno material, através de novos contratos, negócios etc.
O
editor de Milão, Ricordi, encarregou
os libretistas, Illiaca e Giacosa, da adaptação e Puccini mergulhou na criação da
extraordinária linha melódica da obra; que, para muitos, é o vetor que garantiu
a enorme popularidade de que a peça gozou desde a sua estreia até os dias de
hoje.
Assim,
três anos após debutar no teatro, eis a historia de Tosca acontecendo no
mundo da Ópera, diretamente do “Teatro Constanzi”, em Roma (a cidade escolhida
para a estreia por ser o local onde aconteceram os fatos originais),
no ano de 1900.
Mais
de um século de pleno êxito, já dura a sua existência. Tempo em que foi encenada
inúmeras vezes pelas cantoras e cantores mais famosos e competentes do gênero; e
sempre com os mais nobres e espetaculares figurinos, cenários e efeitos especiais.
Sua
firme argumentação em favor de valores que são caros ao homem, como a luta
contra as tiranias políticas; a lealdade aos amores, aos amigos e as causas; a
busca pela felicidade etc. calou fundo nas plateias de todas as épocas e ainda
contribui para manter a atualidade de sua proposta.
Outro
aspecto que contribui para essa atualidade é a própria negatividade de algumas
personagens, como Scarpia, Spoletta e Sciarrone, cujas infâmias, lubricidades,
prepotências, mesquinharias e venalidades, também podem ser facilmente encontradas
na maioria dos políticos, governantes e membros da elite de nossos dias.
São
valores e degenerações que ultrapassam os modismos passageiros e que, justamente
por isso, poder ser classificados como inerentes a alguns Seres humanos.
Resta-nos,
contudo, a esperança de que sempre surjam novos artistas como Giacomo
Puccini para denunciá-los, tornando as suas ações deletérias mais difíceis de
serem cometidas.
São
Paulo, 18 de março de 2015.
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