Autoria
– Nicolai (Carl Otto Ehrenfried – 1810-1849 – Alemanha)
Libreto
– Hermann Mosenthal.
Personagens:
Sir John Falstaff* – Desajeitado
conquistador – interpretado por um Baixo.
Senhor Ford – interpretado
por um Barítono.
Senhor Page – idem.
Fenton –
interpretado por um Tenor.
Slender–
idem.
Doutor Caius –
interpretado por um Tenor.
Senhora Ford
– interpretada por uma Soprano.
Senhora Page
– interpretada por uma Mezzo Soprano.
Anne Page
– filha do casal Page. Interpretada por uma Soprano.
Nota
do Autor* – a personagem John Falstaff* voltou a aparecer na Ópera epônima, que Verdi compôs
ao encerrar a sua carreira.
Época
e local
Windsor, Grã Bretanha,
durante o reinado de Henrique IV(1553-1610).
Prefácio
A
peça teatral de Willian Shakespeare (William,
1564-1616 – Reino Unido) que embasou essa Ópera continua
sendo atualíssima; pois, apesar da intriga, da maledicência, da ostentação, da
lubricidade e da ganância terem sofrido alterações em seu formato graças aos
recursos tecnológicos disponíveis, a alma humana ainda abriga esses
indesejáveis comportamentos e, assim, expô-los, para tentar diminuir os seus
efeitos, será sempre um esforço bem vindo em todas as ocasiões.
Mas,
apenas por si, a crítica aos costumes, mesmo que atualizadíssima como se disse,
garantiria a enorme popularidade que a comédia continua a ter em nossos dias,
se nela não estivesse toda a magia e encanto que a pena do bardo britânico
produziu.
E
o trabalho de Nicolai não destoa
dessa excelência. Composta dentro de um padrão leve, elegante e delicioso, a
sua Ópera reconta a hilária história das duas senhoras que se divertem a custa
das vidas de outrem e, principalmente, à custa do obeso e desajeitado
galanteador de paróquia, Sir Falstaff.
Porém,
como no original sheaksperiano, a obra de Otto não se resume a ser apenas
cômica, exercendo simultaneamente uma crítica social, vez que expõe uma série
de comportamentos que não primam pela ética.
Em
termos melódicos, merece atenção especial a “Abertura”, por ser uma peça
musical sobejamente conhecida e admirada; assim como outros trechos executados
no terceiro e no último ato.
E
além das melodias, a obra tem a seu favor o conjunto de bons argumentos literários,
uma primorosa mis em scéne e o brilho
que as grandes vozes sempre lhe emprestam, haja vista que é uma das preferidas
pelos grandes artistas do gênero.
Por
isso, permanece como uma das mais executadas em todo o mundo e sempre colhendo
o carinho e o aplauso das mais variadas plateias.
Enredo
A
primeira cena é ambientada em um típico pátio das cidades inglesas da época. À
esquerda, vê-se a residência da família Ford e à direita a casa da família Page.
Em
certo dia as senhoras Page e Ford recebem cartas individuais,
assinada pelo obeso e atrapalhado Sir
Falstaff, com declarações de amor do mesmo.
Embora
use o honorável título de “Sir”, John Falstaff é um pobre diabo que vive
cortejando e sendo rejeitado pelas mulheres do lugar, horrorizadas com sua
aparência desagradabilíssima e com sua estupidez proverbial.
E
com ambas não é diferente, pois a primeira mostra de sua estultice pode ser
vista no fato de ele não ser capaz de escrever duas missivas diferentes, limitando-se
a enviar cópias de uma mesma carta, para as duas.
Entoando
um dueto cômico, as senhoras comentam as propostas do “conquistador barato” e
não lhe poupam dos piores adjetivos e de satíricas gargalhadas. Porém, essas
censuras não lhes satisfazem o desejo de se vingarem da petulância do infeliz e,
por isso, tramam um plano para castigá-lo severamente. Uma lição de que ele não
se esquecerá, dizem, antecipando o gosto da desforra.
Pouco
depois entram em cena os respectivos maridos e o jovem milionário chamado Slender; o médico francês Dr. Caius e o jovem proletário de nome Fenton.
Os
três são pretendentes à mão de Anne Page
e assediam ao seu pai, o Senhor Page, em busca de consentimento para um futuro
namoro e casamento.
Mas,
como se poderia esperar, a preferência do velho recai sobre o milionário Slender,
já que ele poderia melhorar a condição financeira e social de toda a família.
Em consequência, ele rejeita os assédios do médico francês e, principalmente, o
de Fenton através da conhecida melodia que termina com a expressão “Não e não! Três vezes não!” que acabou
se tornando um dito popular.
Aliás,
essa ária, é quase que uma síntese do clima burlesco que impera em toda a
Ópera.
A
segunda cena é ambientada no interior da casa da família Ford.
A
senhora, destinatária de uma das cartas do canastrão Falstaff, cogita
convidá-lo para que possa divertir-se com a sua estupidez; e para alcançar seu
intento chega a ensaiar com uma cadeira de balanço um imaginário diálogo e
romance com o mesmo.
Decidida,
envia-lhe o convite e o boquirroto não demora em atendê-lo. Cheio de plumas e
pose, ele logo aparece, sentindo-se um verdadeiro “Dom Juan”. Assim que se
acomoda, entra a vizinha senhora Page e a dona da casa finge estar terrivelmente
assustada dizendo ser o seu marido quem chegava e que, por isso, precisava escondê-lo
no cesto de roupas de sujas.
O
tolo, igualmente assustado, não se faz de rogado e entra rapidamente no
recipiente, apesar do mau cheiro e da imundice que ali se deposita. Então, a
senhora Ford e a senhora Page, lacram o cesto e mandam os empregados jogá-lo
num rio de águas geladas.
Neste
instante adentra o senhor Ford, que por ter sido alertado da presença do
conquistador em sua vivenda, não disfarça a sua desconfiança e demonstra toda a
sua ira. Transtornado pelo ciúme, nem percebe que aquele que procura está sendo
levado no cesto de roupas sujas. Possesso, ele prossegue em sua busca
irracional por toda a residência, enquanto a sua mulher finge-se de vitima inocente,
angariando, assim, a simpatia dos demais, que condenam a brutalidade do esposo.
Porém,
a favor do senhor Ford existe a carta enviada por Falstaff e com essa prova ele
reverte as criticas e continua a sua procura. Sem ter como contra-argumentar a
senhora Ford simula desmaiar e com essa farsa o ato se encerra.
§§§
O
cenário do segundo ato acontece em uma taberna, no dia seguinte.
Rodeado
por um Coro, Falstaff entoa uma canção com a qual brinda à vida e às aventuras
amorosas. Logo depois, chega à mesa um homem estranho que se apresenta como Her
Bach*. Em verdade, trata-se do senhor Ford, que se utiliza desse disfarce
para saber o quê, realmente, aconteceu em sua casa no dia anterior.
E
o estulto Falstaff, acreditando que foi, de fato, escondido devido à chegada do
marido, não perde a oportunidade para se jactar de seus dotes de conquistador.
Aliás, ele iria se vangloriar de toda forma, já que faz parte de seu caráter
defeituoso recorrer sem pudores à mentira para tentar elevar-se junto aos
outros. E ele relata o acontecido, exagerando de tal forma nas tintas, que o
senhor Ford sente como se um punhal estivesse sendo cravado em seu peito a cada
palavra que ouve.
Tomado
pelo ódio, ele murmura entre dentes que a sua vingança será terrível. Que o
crápula nem imagina o risco que está correndo.
Na
sequência tem início a segunda cena, ambientada no jardim do casal Page.
Num
canto do terreno, o milionário Slender
entoa uma romântica ária, com a qual implora pela presença da amada Anne Page.
No canto oposto, o também pretendente, doutor Caius, suspira pela mesma. Ambos externam seu amor pela mesma mulher,
ignorando-se mutuamente. Logo depois, surge Fenton que canta um apaixonado “Romance” em louvor à musa dos três.
Anne,
ao ouvir Fenton corre ao seu encontro e ambos trocam caricias e ternas
palavras, enquanto zombam dos outros dois pretendentes.
Com
esse clima, a segunda cena se encerra.
A
terceira cena volta a ser encenada no interior da casa da família Ford, onde o
senhor e a senhora discutem por conta da próxima visita que Falstaff planeja
fazer. Em seguida entram em cena Slender, doutor Caius e o senhor Page. Por
último, e para aumentar o clima confuso e burlesco, chega o falastrão Falstaff,
disfarçado de mulher. O dono da casa não o reconhece na fantasia, mas já
irritado pelo caos em sua residência, expulsa com rispidez a “velha mulher”,
sem nem lhe perguntar o que desejava.
E
nesse clima de completa anarquia, o segundo ato é encerrado.
§§§
O
terceiro ato é iniciado com Anne Page entoando uma grande ária, onde ela
expressa o seu amor por Fenton.
A
segunda cena, ricamente colorida, é encenada em um belo parque, no qual está
acontecendo a tradicional “Masquérade*” da cidade, na qual, quase todos os
habitantes do lugar participam do folguedo, fantasiados de animais ou de Seres mitológicos.
No
fundo da cena, à esquerda, avista-se um pavilhão de caça, onde um coral oculto
canta, em louvor à Lua, a mesma música que já fora executada na “Abertura”.
À
distância escuta-se o repicar de um sino anunciando a meia-noite. Nesse
momento, Falstaff, convidado para a festa pelas senhoras Ford e Page, faz-se
notar desfilando fantasiado de caçador. As mulheres não deixam de notar o
ridículo de sua figura e não lhe poupam as zombarias. E para completar a
pilhéria “juram-lhe” amor eterno.
O
clima festivo a todos contagia e a tudo harmoniza e pacifica.
Um
grande coral, vestido como “Elfos”, entoa uma suave canção e nesse momento,
Anne Page, deslumbrante, adentra a cena a bordo de uma carruagem luxuosamente
decorada com flores magníficas. Vestida como “Titania*”, ela recebe com um carinho
o também galante Fenton, fantasiado de “Oberon*” e, em seguida, entoa a célebre
ária em que suplica a proteção da verdadeira Titânia para o amor de ambos.
Pouco
além, porém, o clima harmônico será interrompido, pois o senhor Page, também
fantasiado como caçador, acompanhado por um grupo de iguais, avista o
boquirroto Falstaff e todos lhe aplicam uma grande surra. E como se não
bastasse a primeira punição, outro grupo numeroso, fantasiado de “moscas” e de
“vespas”, ataca-o sem piedade. Alquebram o fracassado conquistador barato.
E
a violência só arrefece quando um dos maridos percebe que o pobre diabo, em sua
estupidez, foi mais uma vitima de suas mulheres, que um aproveitador de fato.
Um bobalhão que se tornou o joguete de um jogo cruel das Comadres de Windsor. Com isso decidem perdoá-lo.
E
este perdão acentua a felicidade que se desenrola na cena. E tão amistoso se
torna o clima que até o amor de Anne pelo despojado Fenton é aceito pelos pais
da moça, que lhes dão a benção para se casarem.
É
o final feliz que se pode esperar de uma Ópera feita com o objetivo de passar
uma mensagem otimista e positiva. Uma obra “Buffa” em seu melhor estilo de
censura social e de comicidade.
Histórico
Otto Ehrenfried Nicolai
na cidade de Konisberg, Prússia, que também é famosa por ter sido o berço do
grande filósofo Immanuel Kant.
Nicolai
passou grande parte de sua curta vida na Itália e ali compôs quatro óperas no
idioma local, o quê, certamente, contribuiu para a popularização de seu
trabalho, vez que para lá se dirigiam as atenções do mundo, quando o assunto
era a “Grande Arte”.
Contudo,
ter feito as suas músicas no idioma nativo não diminui, em absoluto, o seu
mérito. O sucesso que Nicolai obteve então se deveu exclusivamente ao seu enorme
talento e à sua rara sensibilidade, como bem comprova a aceitação universal que
a sua música continua a ter, nesses tempos em que a importância do idioma
tornou-se relativa.
Após
o sucesso na “Bota”, Nicolai regressou a Alemanha em 1842, já como um
compositor consagrado. Em Berlim fundou a Sociedade Filarmônica, que foi o
embrião da atual Orquestra Filarmônica de Berlim, famosa em todo o mundo.
Através
da “Sociedade Filarmônica” ele deu nova vida ao cenário local da música erudita
graças às várias atitudes que tomou, sendo a mais famosa delas, o célebre
“Concerto Anual”, cuja renda era destinada aos próprios integrantes da Companhia.
Esse Concerto ainda acontece anualmente, sob o nome que recebeu em homenagem ao
seu criador: “Concertos de Nicolai”.
A
Ópera que vimos aqui é a sua obra mais importante. Foi levada aos palcos
berlinenses em 1849 e já na estreia obteve um estrondoso sucesso junto à crítica
especializada e ao público em geral, que se extasiou com o divertissement de bailados e coros.
A
sua profusa e alegre encenação da famosa comédia de Willian Shakespeare arejou o gênero, que, em regra, apresenta-se
solene, pesado, melancólico.
Lamenta-se,
todavia, que o compositor pouco tenha desfrutado desse êxito retumbante, já que
veio a falecer apenas dois dias após a estreia. A ele, portanto, deve-se
registrar o mais profundo respeito e a mais sincera admiração.
São Paulo, 24 de março de 2015.
Nota do Autor* – Bach é um nome alemão que significa “regato, ribeirão”, tal como Ford, em inglês. O uso de similares
teve objetivos óbvios.
Nota do Autor* - Masquérade é o nome dado a um
tipo de folguedo italiano que se constitui de cenas com personagens fantasiados
ou “mascarados” de figuras mitológicas ou satíricas. Os bailados são
acompanhados por alegre e contagiante música polifônica.
Nota
do Autor* –
Titania e Oberon – a rainha e o rei das fadas e dos Elfos. Shakespeare já os
citara em sua peça “Sonhos de uma noite de verão”, onde são as personagens principais.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
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