Outra forma tradicional
de considerar Deus é enxergá-lo sobre o prisma da relação existente entre o Ser
Supremo e a divindade. Relação, que está diretamente vinculada às correntes
filosóficas e teológicas dos Monoteístas e dos Politeístas, como veremos na
sequência.
Quando diferenciamos
Deus e a divindade, temos uma relação parecida com o conceito de “homem e a
humanidade”, podendo, então, haver tantos deuses quanto existem tantos homens.
Porém, se, ao contrário, igualarmos Deus e a divindade, teremos um só Deus e
uma só divindade.
Isso colocado, é
importante pedir que se tenha muito cuidado com as qualificações de “mono ou
politeístas” que tradicionalmente são feitas aos Filósofos que se ocuparam do
assunto, já que muitos foram (e ainda são) considerados
“Monoteístas”, sem que, na verdade, assim sejam, como, por exemplo, Platão,
Aristóteles,
Plotino,
Bérgson
e outros. Dessa sorte, para distinguirmos rigorosamente o que são as duas
opções, devemos utilizar com exclusividade a relação existente entre Deus e a
divindade, sem considerarmos outros critérios, que, embora sejam tradicionais,
podem ser equivocados. Assim, temos:
Politeísmo
– são todas as doutrinas que admitem haver uma separação entre Deus e a
divindade, sendo que esta pode ser compartilhada por outros entes ou Seres. É o caso do citado Platão que em
“Timeu” alude ao “Demiurgo”, enquanto delega outras funções a outros deuses.
Ou, em “Leis”, quando a expressão “Deus (theós)”
designa a “divindade” concretizada numa multidão de deuses. Aliás, nesse texto,
Platão também menciona a existência de outros “seres divinos”, aos quais nomeia
como “demônios”. Aristóteles, por sua vez, também deixa claro em sua tese sobre
o “primeiro motor”, a existência de “tantos motores quanto são as esferas
celestes”; isto é, haveria outros deuses encarregados de construir e governar
os outros corpos celestes, que eram conhecidos em sua época. Ademais, em todo o
seu ideário, ele cita com frequência “os deuses” e mencionando a crença popular
de que Deus está em toda a natureza, diz que “as substâncias primeiras são tradicionalmente consideradas deuses”;
ou seja, em outros termos: da Essência (ou Substância)
divina participam muitas divindades.
Também é importante não
confundir a “unidade” de Deus, defendida insistentemente por Plotino
e pelos Neoplatônicos em geral, com a “Unicidade” de Deus, pois, afinal, Deus é
“Único ou Uno” porque é a “unidade” do mundo (donde se encontra a multiplicidade
das coisas e seres) e a fonte de onde surgem todas as
coisas. A “unidade” não elimina, pois, a “multiplicidade”.
Em verdade, para
Plotino, a multiplicidade dos deuses é, justamente, a manifestação de sua
potência. Em suas palavras: “não
restringir a divindade a único ser, mostra-la tão múltipla quanto é em sua
manifestação, eis o que significa conhecer a potência da divindade, que é capaz
de, mesmo permanecendo o que é, criar uma multiplicidade de deuses que se ligam
a ela, existem para ela e vem dela”.
Ademais, para os
citados, entre os deuses existe certa hierarquia, com a preeminência de um
deles, como, por exemplo, o “motor de Platão”, o “primeiro motor de
Aristóteles”, o “Bem” de Plotino etc.; porém, essa preeminência não implica a
igualdade entre Deus e a divindade, não podendo, portanto, ser visto como
Monoteísmo.
Contudo, não seria
correto pensar que o Politeísmo como exposto anteriormente seja exclusivo das
filosofias pagas e que desapareceram após a elaboração do Monoteísmo cristão.
Repetidos
ressurgimentos politeístas podem ser vistos em doutrinas que reproduzem o
neoplatonismo, como, por exemplo, a “das quatro naturezas” de Scotus
Erígena e, até mesmo, nalgumas interpretações trinitárias (o Pai, o Filho
e o Espírito Santo), como a de Gilbert de la Porre, que
no século XII baseava-se na diferenciação entre “deitas” e “Deus”.
Além disso, é preciso
considerar que toda forma de Panteísmo – antiga ou moderna – é Politeísta, na
medida em que dilui o caráter da divindade entre vários entes.
Hegel,
por exemplo, afirmou que as Instituições Históricas, como o Estado, por
exemplo, onde a Razão Autoconsciente se concretiza são verdadeiras divindades.
Para, o “O Estado é a vontade divina...
que se explicita... como organização de um mundo”.
E outros Filósofos
foram ainda mais diretos, como se pode ver nos ideários de Bérgson, Alexandre
e Whitehead,
que ao darem ao mundo o poder de realiar a divindade, reconheceram que a
divindade, no momento em que se realiza, concretiza-se em inúmeras coisas (que, então,
passam à categoria de “Seres Divinos”).
Outro filósofo, o
pragmático Hume, também deu um caráter positivo ao Politeísmo ao ver no
mesmo uma expressão de tolerância ao ver que os deuses cultuados por outros
povos e culturas, também participam da divindade. Ademais, considerou-o mais
racional, já que se constitui de “uma
coleção de histórias que, apesar de não terem fundamento, não implicam nenhum
absurdo expresso nem contradição demonstrativa”.
Mais ou menos nessa
mesma linha, pode-se citar o filósofo Renouvier que afirmou ser o
politeísmo o único corretivo contra o fanatismo religioso e a tirania de certas
tendências filosóficas que se julgam absolutas. Em suas palavras: “o progresso da vida e da virtude povoa o
universo de pessoas divinas e estaremos sendo fiéis a um sentimento religioso
antigo e espontâneo quando chamarmos de deuses aqueles que acreditarmos capazes
de honrar a natureza e abençoar as obras”.
Por fim, pode-se
reafirmar que o politeísmo defendido pelos citados Pensadores não coloca em
cheque a noção de “Unidade” de Deus, haja vista que a Ele é “reservado o posto
de a primeira, dentre as pessoas supra-humanas”, enquanto Deus Uno".
Monoteísmo
– antes de tudo, deve-se repetir que o monoteísmo não se caracteriza pela
presença de uma hierarquia entre supostos “seres divinos” tampouco pela existência
de um “Ser Principal” dentre estes. A única premissa que caracteriza o
monoteísmo é a que confere igualdade total entre Deus e a divindade.
Por isso, Fílon
de Alexandria, disse que “Deus é
solitário... é “Um” em si mesmo e nada é semelhante a Deus”.
E nas discussões acerca
da “Trindade” que ocorreram entre os adeptos da Escola Patrística venceu a tese
relativa à igualdade total entre Deus e a divindade, restando à hipótese
trinitária o posto de “mistério que a Razão humana mal pode aflorar”. Aliás, foi
desse modo que a noção de trindade chegou aos nossos dias, sem, porém, alterar
o princípio básico de que a única forma de cindir a unidade divina é quando se
admite explicita ou implicitamente que da divindade participam dois ou mais
Seres diferentes.
Sobre isso, aliás, vale
relembrar o argumento de São Tomaz de Aquino: “é evidente que aquilo pelo que algo
singular, é este singular... de modo nenhum é comunicável a outra coisa”.
Em outros termos: aquilo que faz de Sócrates um homem pode ser atribuído a vários
outros; porém, aquilo que faz Sócrates ser este homem, não pode ser
atribuído a outros.
É, pois, precisamente,
o caso de Deus, pois Deus é a (sua) própria natureza, o que o faz ser Deus e
este Deus. É impossível, portanto, que haja mais de um.
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